Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

17 junho 2015

A contradição esconde a chave da porta do céu

O que percebemos ao longo dos anos é que muitos dos chegam ao caminho do autoconhecimento não possuem o tão necessário estado de rendição diante da impotência do processo mecânico e acelerado do pensamento psicológico condicionado. Vários são os que chegam neste caminho por meio de pequenas e breves crises “pontualizadas”, as quais produzem uma carga de dor, mas não a dor necessária para que ocorra a instalação do sincero desejo de buscar por respostas que facultem a transcendência da mesma; estes não tiveram, de fato, o que convencionou-se chamar de “fundo de poço” quanto a questão da impotência diante do fluxo mental; não lamberam o chão dos castelos suntuosos de suas ilusões, segredos e mentiras, o que impede a percepção da seriedade e gravidade que é a existência sobre os domínios das poderosas garras dos ataques mentais psicológicos. Sem esse fundo de poço, torna-se muito rara a possibilidade de uma percepção visceral do que ela pode nos ocasionar se damos continuidade a ação de seus letárgicos enredos, quando da total identificação com o fluxo de suas imagens e vozes, as quais são geradas independente de nossa vontade.
Então, muitos são aqueles que se deparam com o caminho do autoconhecimento e, inicialmente o acham fantástico. De fato, se deparar com os ensinamentos de seres que conseguiram se “transmentalizar”, que conseguiram vencer seus cacoetes pessoais por meio de um dissolver-se na essência da Realidade Transpessoal, é algo deveras fascinante, por demais encantador. Esses ensinamentos — seja por meio de livros, áudios, vídeos, filmes ou mesmo no presencial — acabam por encantar a dor, mas apenas por um momento. Muitos, de forma inconsciente tentam usar o material do autoconhecimento apenas para abafar a dor e não para levar a sério um processo de observação de si mesmo, para a compreensão de todas as ilusões, as quais uma vez transcendidas, os prontificam para o estado necessário da ocorrência Transpessoal, na qual está a única possibilidade de cura quanto a hipnótica e inconsequente euforia das ilusões. Usar o material apresentado para o autoconhecimento como uma forma de anestesiar momentaneamente a dor causada pelo afastamento do Ser que somos — a dor do não ser —, é mais uma das manobras ilusórias pertencentes ao velho enredo da adquirida mente condicionada.
O material do autoconhecimento, quando observado com seriedade e paixão, vai minando as bases do que foi formado anteriormente, ao mesmo tempo que vai trazendo novas informações que preparam o terreno interno para que ocorra a grande e emergencial “rasteira consciencial”, a qual lança ao chão nossa adoentada forma de olhar o mundo, olhar este que acabou por infectar a realidade de quase todos e tudo com que mantínhamos contato.
Como costumamos dizer de forma bem descontraída, dessa “rasteira consciencial”, acabam ficando novamente de pé, somente aqueles homens e mulheres que possuem o “saco roxo”; os que não foram dotados de “tal qualidade” necessária, correm o risco de sumir do caminho do autoconhecimento, quase sempre sustentados em desconexas justificativas, que não são mais do que imaturas negações que produzem o estagnante auto-boicote (isso quando, não raro, iniciam um processo de loucura, ou mesmo, acabam por cometê-la, chegando por vezes à morte prematura).
Entrar no caminho do autoconhecimento fazendo uso tão somente da porta do intelecto é o mesmo que — como muito bem expresso num conhecido preceito espiritual —, “cometer as mesmas insanidades, esperando por resultados diferentes”. De fato, o intelecto tem o seu devido lugar no processo de autoconhecimento. No entanto, se não tomamos cuidado, o contato com o material de autoconhecimento pode, ao invés de colocar o intelecto em seu devido lugar, ou seja, torná-lo um simples e afiado “servidor de confiança”, deixa-o de tal modo “acidamente aguçado”, que o mesmo acaba se mostrando como uma perigosa arma com a qual quase sempre acabamos causando mais danos — além dos que já carregamos em nossa pesada consciência —, não apenas a nós mesmos, mas àqueles com quem acabamos mantendo contato. Quando nos tornamos prisioneiros de um intelecto ácido, sagazmente aguçado, confinamos a nós mesmos no pequeno espaço de seu birrento ponto de vista e, quando nos vemos prisioneiros dos limites de um ponto de vista, não temos a possibilidade de saber o sabor da liberdade de poder se aventurar na Realidade do Aberto, o qual aponta para um estado de ser, criativo de múltiplas e incontáveis possibilidades.
Esse processo de fundo de poço acaba se manifestando mediante a não aceitação dos conteúdos da verdade quanto a nossa realidade interna — a qual molda nossa realidade externa —, verdade esta que nos vai sendo apresentada pela fala mansa e suave da Consciência, a qual acaba recebendo em contrapartida, um bombardeio de vozes contraditórias por parte da mente condicionada, onde em sua base se mantém as poderosas e conflitantes garras do medo, as quais insistem em nos manter aprisionados atrás de numa pesada máscara social, cuja finalidade é distanciar, tanto de nós como dos demais, a revelação de nossa real natureza, cuja essência é liberdade, felicidade e integrativa compaixão.
Independente de quais sejam as artimanhas apresentadas pela mente, em seu devido tempo, a verdade vem à tona com toda sua poderosa energia e acaba massacrando o sistema de defesas da mente, de modo que esta se veja totalmente impossibilitada de dar continuidade as suas neuróticas e compulsivas reações, suas conflituosas manias e tendências, cuja somatória produz a cela do coletivo sofrimento humano. Enquanto não ocorrer a rendição total, continuamos a sofrer por causa das consequências do abuso de nossas vontades e desejos. As consequências de nossos desejos, quase sempre alimentados com enorme volúpia em momentos de entrega à inconsciência, é que acabam criando o massacre total que nos leva ao solo fecundo da rendição. Se não vai ao solo o nosso rosto, a Consciência, não toma seu posto. Enquanto não abrimos mão de nossa condicionada, escravizante e conflitante vontade, não há como deixar de ter a continuidade de uma existência estruturada no sofrimento. Sem abrir mão de nossa obstinada vontade — a qual sempre se vê justificada pela ação do intelecto adulterado —, nos mantemos fechados para a percepção de uma Libertária Vontade, a qual rege de forma anônima e harmônica a realidade de tudo que é, desde que o que é se encontre com Ela devidamente alinhada. A abertura para a dimensão dessa Libertária Vontade, não corre no campo do intelecto, mas sim, no quase sempre inexplorado terreno de nosso coração sutil, o qual se manifesta sempre, quando nos mantemos em estado de silencioso repouso, livre de nossos desejos e medos resultantes do clamor de nossas dependências falsas.
Em última análise, é por meio da observação sem escolhas ou, em outras palavras, por meio da ação de um testemunhar incondicionado, que nos é apresentada a chave capaz de abrir a porta estreita que nos apresenta esse imensurável e inenarrável terreno do caloroso e centrante Coração, cujo fogo sutil queima tudo aquilo que se apresenta como falso, sem lançar ao solo sequer o menor punhado das cinzas do passado, muito menos de macular o sagrado solo do agora com a tóxica fumaça de temerosas projeções futuristas.


Outsider

Gostou? Então compartilhe!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Postagens populares

Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!