Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

15 junho 2015

A dolorosa demolição de nossos castelos de ilusões

Quando, após a instalação da crise iniciática, nos deparamos com determinados materiais que apontam com seriedade para o processo de autoconhecimento, que quando começam a ser compreendidos faz com que comece a cair toda a velha estrutura que tínhamos por real e dotada de valor. Tudo começa a cair de forma tão rápida feito um enorme castelo de cartas. Começamos a perceber a falência de toda estrutura, a falência do mundo que cultuávamos, a falência da imagem que protegíamos, a falência do sistema parental e social que cultuávamos, o que acaba nos causando um impacto por demais violento. Nesse período, é muito natural nos olharmos no espelho e não mais reconhecer aquele que vemos, ou então, acordar pela manhã e não saber quem somos. É natural termos esse choque, essa profunda crise de identidade, crise no sentido de olharmos para tudo que antes nos fazia sentido, pra tudo que antes ao olharmos para aquilo víamos algo nosso ali, algo da nossa história, algo carregado de valor psicológico significativo e que a partir de então, torna-se como que cinzas em nossa boca. Tudo se transforma em cinzas!... Isso tudo é muito impactante, chegando mesmo a se mostrar desesperador.
A experiência do despertar vem carregada dessa confusão, porque o despertar faz desmoronar nossa enorme coleção de castelos de ilusões; o despertar escancara com nossos segredos e mentiras e desvalida nossas incertas certezas emprestadas. E como acabamos vendo esse processo de desmoronamento não solicitado de nossos castelos de ilusão, se as pessoas que nos são significativas fazem parte dos alicerces desses castelos de ilusão?... Os ambientes significativos de outrora também fazem parte desse castelo de ilusões; nossas práticas fazem parte desse castelo de ilusões; e o pior: todos com que estamos envolvidos, vivenciam e defendem ferrenhamente esse castelo de ilusões. Então, é natural uma sensação de profunda e temerosa solidão, com seu resultante desespero; é natural nos sentirmos congelados no sentido de não saber pra que lado nos movimentar.
Com o processo de autoconhecimento, pelo processo de busca pelo conhecimento de quem somos, nosso poder de percepção vai sendo restaurado; nosso poder de observação vai sendo restaurado; a sensibilidade vai sendo restaurada. Então, o que nos ocorre?... Os pensamentos, medos e ansiedades sempre estiveram ai, mais sempre haviam algumas identificações que abafavam os mesmos; e com o processo de autoconhecimento a falência de tudo isso vai se tornando clara e trazendo uma maior abertura para essa capacidade de observação e percepção. Então, quanto mais vai ocorrendo o resgate do poder de observação e percepção, começamos a perceber mais os movimentos do pensamento, os movimentos das imagens que carregamos do mundo, dos demais e de nós mesmos; começamos a ter maior percepção do corpo e a percepção da nossa dimensão interna. Tudo isso de um modo e com uma intensidade nunca antes sequer imaginada. Começamos a ter a percepção de que a sensibilidade estava tão encoberta fazendo com que ficássemos muito na periferia de nós mesmos e da realidade das situações em que nos encontrávamos de várias formas envolvidos. E o autoconhecimento vai nos jogando cada vez mais para dentro de nós mesmos... Ele vai derrubando, sem dó, sem egocracia, as paredes da insensibilidade, as paredes da não observação, as quais nos mantinham fechados em nossa temida e não observada solidão. O autoconhecimento vai derrubando tudo isso.
Então, aparentemente, para a mente adquirida isso se mostra um tanto apavorante, uma vez que ela só pode funcionar dentro da limitada dimensão do conhecido, uma vez que ela tem um profundo medo diante do desconhecido. É como no “Mito da Caverna de Platão”... Nós só conhecemos a sombra; não conhecemos a realidade intitulada por planície; não conhecemos cor, não conhecemos luz, não conhecemos nada. E o autoconhecimento vai arrancando todas aquelas sombras, pois vai nos apresentando uma luz que vai clareando cada vez mais tudo aquilo que anteriormente não percebíamos como falso. E é óbvio que vamos começar a perceber... Muitas situações falsas... Não há como ser diferente!... A estrutura na qual funcionávamos é falsa; a estrutura na qual funcionávamos tem valores morais que são profundamente imorais; e quando começamos a perceber essa imoralidade, como podemos falar dessa imoralidade, quando o outro tem por sagrado esse pacote de moral?... Então, somos como solitárias vozes gritando num imenso deserto. Então é muito natural a mente criar pânicos e medos que nos desajustam organicamente, afinal de contas, somos química também, resultante desse processo mental.
Imaginemos uma situação interessante: passarmos um bom tempo jogando nossas roupas sujas e amaçadas dentro do compartimento apertado de algum guarda-roupa... Todo dia socando mais e mais peças ali, ao ponto de termos que forçar suas portas para poder fechá-lo... Num determinado dia, sem que esperemos, vem o processo de autoconhecimento e escancara as portas do guarda-roupa e deita tudo de uma só vez ao chão... Então não sabemos por onde começar a reparação da enorme bagunça... Não sabemos quais são as roupas limpas e quais são as sujas... quais ainda nos servem e quais precisam ser descartadas... Mas vem o sofrimento por estarmos profundamente apegados naquelas roupas antigas que já não nos servem mais... Entramos em pânico só de pensar em abandonar aquelas peças de roupas que nos são queridas... Como fazer para abrir mão das mesmas?... Então a mente vem e cria uma enorme coleção de fantasmas que nos assombram... Isto pode nos soar como um exemplo bobo, mas, dentro da metafísica, dentro do esoterismo, a roupa é uma representação do alcance de um estado de transcendência; é a transposição do velho, a transposição de tudo aquilo que nos é conhecido. A roupa é a representação da manifestação de um novo estado de consciência muito mais abrangente. Mesmo na vida real, a roupa sempre marca nossos ritos de passagem. Mas a mente adquirida não quer essa mudança de roupa, essa mudança de pele, essa mudança de ambiente, esse caminhar pela planície ensolarada... Ela quer nos manter na úmida caverna de nossa preconceituosa solidão.
É importante notar que, antes do início do processo de autoconhecimento, quase todos nós, enquanto profundamente identificados com a mente adquirida, funcionávamos sem a consciência dessa limitante identificação. Tudo nos parecia normal quando estávamos no exercício de sua ativa. Quando estamos profundamente identificados com um determinado padrão comportamental obsessivo compulsivo, não existe sequer a consciência de ego, que dirá a consciência da Consciência. Funcionamos de forma cega e de modo que nossos esforços estejam sempre voltados para a realização do prazer imediato proporcionado pela prática de tal comportamento. Quando temos o primeiro choque, quando temos a primeira manifestação da consciência da Consciência, a qual instala uma crise que acaba nos levando para alguma “escola iniciática”, começamos a tomar consciência dos movimentos do ego. Ainda é uma consciência com “c” minúsculo. É uma consciência que começa a perceber que muita situação precisa ser reparada, que muita coisa precisa ser descarta. Mas a mente adquirida entra em cena e diz: “Não! Não olhe para isso! Não ouse abrir mão disso!... Deixe isso de lado, pois você não tem condições de mexer com nada disso! Se mexer com isso, certamente vai acabar enlouquecendo!”... Apesar disso, instala-se uma consciência que passa a nos incomodar de que alguma coisa ai não está muito certo, que algumas coisas precisam ser reparadas, doa a quem doer.
Quando chegamos nesse momento do autoconhecimento, torna-se cada vez mais clara a percepção do que são as vozes da mente e as vozes da Consciência que somos. Isso vai se tornando cada vez mais perceptível e sem esforço. Abre-se como que um portal para que essa Consciência que somos possa ocupar o seu devido espaço, o qual foi indevidamente apropriado pela identificação com a herdada mente adquirida. Começamos a perceber que o espaço que deveria estar sendo preenchido pela Presença da Consciência, encontra-se tomado por uma somatória de crenças morais com prazo de validade há muito tempo vencido. E é preciso ir muito além do que temos por crença... Crença é tudo aquilo em que acreditamos; moral é o conjunto de valores que temos por verdadeiros. E o autoconhecimento começa a nos apresentar que tudo aquilo que temos por verdade são conteúdos de segunda mão, até então nunca devidamente questionados. E é preciso ter em mente também que, desde a mais tenra idade fomos formatados para não confiar em nossa intuição e para dar muito mais valor as palavras das autoridades que sustentam com suas palavras e ações nossa adulterada escala de valores. Não fomos incentivados a acreditar naquela “energia sem palavra” que de forma sutil nos mostra que alguma coisa não condiz com a realidade, não aponta para a Verdade e que, portanto, por ali não podemos seguir... Não dá pra ir por ali; não sabemos por que, mas sabemos que não podemos ir por ali.  
Então é muito natural que quando começamos a ter essa percepção interna de que tudo está errado, surja uma grande confusão, uma grande aflição, assim como os medos que nos impulsionam a acreditar que, novamente, nossa percepção é que se encontra fora do contexto da realidade. E percebemos também que não faltam influências externas para nos fazer acreditar no abafamento do recém-encontrado poder de intuição. Fomos profundamente adulterados no sentido de confiarmos na dimensão do coração; essa adulteração fez com que perdêssemos a capacidade de sentir o que nos diz o coração. Tamparam nosso coração; tamparam nossa percepção; e nos fizeram pessoas totalmente presas nos apertados limites de uma mente condicionada, ou seja, uma mente que nem é nossa e que vai muito além da mente de nossos pais, avós e demais conhecidos, uma vez que estes, também se encontram prisioneiros de suas mentes igualmente condicionadas. Então é natural que no início do processo do autoconhecimento se instale em nós um profundo e desconhecido medo, medo esse que não adianta ser compartilhado com quem nunca dele, sequer teve consciência. Há que se encontrar por aqueles que ousaram senti-lo na pele, que ousaram observá-lo em todas suas nuances e que por meio dessa destemida observação, o compreenderam e o superaram.

Outsider

Gostou? Então compartilhe!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!