No longo caminho da busca de si mesmo, caminho este quase sempre trilhado à partir da ação de uma bem-aventurada e desestruturante crise iniciática, entramos em contato com vários lugares e pessoas, os quais exercem o papel de verdadeiras "Oficinas do Ser". Em cada uma destas oficinas que entramos em contato, delas recebemos as necessárias, momentâneas e poderosas ferramentas desilusórias, as quais nos preparam o terreno para os futuros níveis de consciências por advir caso sejamos realmente sérios, o que significa, conseguir superar o medo que nos impulsiona ao conformismo e a estagnação.
Após o período de aprendizado de cada oficina, uma espécie de platô, o qual prefiro chamar de deserto, se estabelece. É nesse período que somos testados para ver se aprendemos as lições adquiridas ao longo do caminho. Apesar desses testes por vezes serem exaustivos e dolorosos, os mesmos depois de algum tempo, mostram-se como fecundos e embasadores períodos.
Todas estas "Oficinas do Ser" cumprem o saneador ofício de nos causar a necessária desilusão, em relação a falsa e ilusória identificação com a imagem criada de nós mesmos, criada ao longo dos anos, assim como com a realidade do mundo que nos cerca. Estas "Oficinas do Ser" cumprem o ofício de nos esclarecer quanto aquilo que não somos, quanto a irrealidade disfuncional dos valores que trazemos conosco, mediante à excessiva exposição aos ambientes saturados de ego, os quais teimosamente insistimos em alimentar.
Essas "Oficinas do Ser" nos forçam a reparação, a reparar na ação que temos assumido até então e que faz sumir de nós a consciência de nossa real natureza, a qual nada tem em comum com a imagem que pensamos ser. Se aqui somos sérios, participamos ativamente, dedicando tempo e a energia necessária à este processo de reparação. Se, ao contrário, não possuímos a necessária seriedade, pela consequente falta de reparação, paramos com a ação que nos impede de andar em marcha ré, em direção às grades do passado, com seus conhecidos estagnantes e conflitantes condicionamentos que nos impedem o conhecimento do que seja liberdade e felicidade. Uma mente pelo passado condicionada, não condiz, em nada, com aquilo que é a sua real função: ser um instrumento afiado, devidamente preparado para ser um canal condutor da possante, salutar e criativa energia de uma Inteligência Amorosa que a tudo permeia, que tudo envolve, que em tudo É e, que em última análise, faz sua morada, de forma silenciosa e pacífica em nosso Coração Sutil.
Todas estas "Oficinas do Ser", se forem fiéis ao único propósito para o qual foram criadas, no devido momento, de forma direta ou indireta, nos impulsionarão a seguir viagem solitária, nos impedirão de cair na armadilha de criar as daninhas raízes da respeitabilidade autoritária. Tais Oficinas nos darão uma espécie de choque, um empurrão para dentro da vida de relação, onde a observação dos constantes atritos pode triturar as possantes amarras do ego. Elas nos lançarão ao deserto, às desconhecidas dunas de nós mesmos, onde, por vezes de forma delirante, como anônimos, caminhamos em busca do nosso único tesouro real: o conhecimento direto do Grande Anônimo de mil nomes. Este é um movimento que nos apresenta situações que, inicialmente para a nossa limitada lógica e razão — as quais sofrem influência do tempo e localidade — são tidas como verdadeiros "absurdos". No entanto, todo momento de absurdo, quando devidamente abraçado, quando devidamente reparado, abre portas para a possibilidade da manifestação da Graça que produz a necessária transmutação de nossa mente e coração, transmutação essa que nos liberta do antigo domínio do ego. Viver sob o domínio do ego é se permitir a insanidade de ter o corpo, a mente e o coração adulterados pela influência e controle proveniente de outros egos por nós desconhecidos; é se permitir continuar sendo um "feliz escravo" da enorme e poderosa rede de desejos cambiantes ditada pela momentânea e acelerada moda.
Viver no Coração da mente e na mente do Coração é restaurar a ação do desejo que nos impulsiona em direção à Fonte da Vida, a qual tão somente é capaz de matar nossa sede inconsequente por mais desejos. Sem o direto conhecimento dessa Fonte, permanecemos existindo numa constante sede de plenitude, a qual, pela falta de consciência do real, tentamos saciar sempre na poluída e limitada fonte do ego.
Quando, sem medo, vivenciamos toda forma de absurdo e, através deles, sua resultante Graça, somos levados até a consciência de um "guia interior", o qual faz sua morada em nosso Coração Sutil e que nos orienta em direção as vastas oficinas do Ser que se apresentam em nosso cotidiano, sobre a forma de "coincidências", sobre a forma de "sincronicidades". Então, a vida de relação passa a ser vista como a nossa mais importante oficina de reparação. Nela é que encontramos os anônimos servidores desta Inteligência Amorosa e Criativa; estes servidores anônimos, cada um ao seu modo, exerce o devido papel no mundo da criação, pelo qual são em nós reparados os riscos e resquícios do ego que impedem a manifestação total de nossa real natureza.
Quando entramos em contato com o Coração da mente e com a mente do Coração, os antigos medos e ansiedades que nos colocavam no infindável labirinto da busca de segurança psicológica, deixam de exercer sobre nós sua poderosa e conflitante ação. Passamos então a vivenciar de forma profunda, algo que nunca havia se imaginado antes: uma nova capacidade de confiança e entrega ao fluxo da vida neste infinito agora; uma percepção de que "Algo" maior nos acompanha e direciona nossos passos, nos servindo de amorosa guia, providenciando tudo aquilo que se faz realmente necessário. Quando chegamos aqui, para surpresa de muitos, descobrimos que, quando entramos em contato com o Coração da mente e com a mente do Coração, nossas necessidades se tornam extremamente reduzidas.
Quando pela constante reparação revela-se a sutil e infinita dimensão da chama do Coração, nossa oficina deixa de ser exteriorizada, passando a ser internamente oficiada, pelo SER que sempre nos oficia. Quando isto ocorre, quando esta bem-aventurança se manifesta, quando a mesma se torna uma realidade que nos liberta da ignorância de si mesmo, quando a mesma não é uma ação do auto-engano intelectual-sentimental, só então, nos é revelado nosso genuíno ofício, o qual traz consigo a essência de uma contagiante criatividade amorosa, a qual dá à vida o sentido e significado, há tempos perdidos pela identificação ilusória com o antigo ego.