Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

03 março 2012

À espera do nascimento de um novo homem


Em conversa com um amigo, ele, com seus 78 anos, reclamava quanto a sua dificuldade de guardar na memória, o conteúdo de muitos dos textos que lhe encaminho por e-mail. Segundo suas palavras: 

"A memória judia mesmo! Depois de algumas horas, eu já não lembro direito! Isso me deixa bastante transtornado! É muito chato! Eu gostaria de poder vir aqui e conversar a respeito do conteúdo que você tem me enviado" 

De fato, uma mente que dá a indevida atenção a memória, tem de ser uma mente transtornada. Disse-lhe que, a função dos textos que procuro compartilhar, não é a de servir de conteúdo para futuras conversações. Esses textos são para "se clarear" a respeito de si mesmo e, nós podemos conversar a respeito de si mesmo, aqui e agora, sem a necessidade de recorrer a qualquer tipo de texto. Os textos — ou qualquer outra forma de conteúdo que seja — servem tão somente como um ponte em direção a um determinado caminho. Servem de ponte para o ego-conhecimento e, se formos suficientemente sérios, em seu devido tempo, também para o auto-conhecimento. Não faz sentido nenhum, fazermos uso desses textos, de quem quer que seja, para alimentarmos nossas conversas. Se assim o fizermos, não estaremos ao nos encontrarmos, "nos encontrando", "nos revelando a nós mesmos e aos outros". Sejam textos de Krishnamurti, Buda, Cristo, Ramana Maharshi ou quem quer que seja, esses textos só nos ajudam no que se refere ao apontar de algo que precisamos "conhecer dentro". Então, posso me sentar com você, aqui e agora, olhando para dentro, e compartilhar com você aquilo que estou sentindo, testemunhando, a forma como estou vendo a vida, como estou vendo esse movimento interno e externo em sua relação. 

Essa preocupação em alimentar a memória no que diz respeito ao acúmulo de conhecimento é um grande entrave que nos impede de vivenciar o aqui e o agora em sua plenitude. Essa preocupação em acumular conhecimento é que nos mantém reféns do passado, além do que, não passa de mero intelectualismo, o qual, não nos outorga o poder de transmutação cerebral. Essa preocupação com o bom uso do acervo intelectual, do acervo da memória, só serve para atrapalhar a percepção direta do que é; nos mantém presos no passado. Eu já li e quero trazer o que eu li no passado, para uma conversa agora; isso não faz sentido! Essa preocupação é o mesmo que se preocupar, ao comer um alimento, em guardar todo seu conteúdo para fazer uso dele em determinada situação. O organismo assimila aquilo que sente ser necessário para sua nutrição, agora, descartando o mais breve possível, aquilo que não é necessário. O que está assimilado está assimilado e torna-se parte de nossa constituição física. O mesmo ocorre com todo conteúdo que encontramos em nossa busca, passando a ser integrado em nossa constituição psíquica emocional. Conversas mantidas em cima do conteúdo do passado é a dinâmica pela qual sempre funcionamos quando ainda identificados com a desatenta e inconsciente sociedade; conversas que mais pareciam jogos de pingue-pongue de achismos, idéias e conceitos. Esse tipo de conversa pautada no vício de concordar ou discordar, não nos leva a nada, a não ser, na estagnação de uma mente presa ao passado. O que pode nos levar em direção à descoberta da verdade, à descoberta da realidade, é fazer uso de todo esse conteúdo a fim de se ter uma compreensão de si mesmo. Como disse antes, funciona como uma ponte: você atravessa a ponte e não carrega a ponte com você. Ou você carrega? Não! Você segue viagem e nem se lembra mais da ponte. Pode ser que, quando você menos espera, surge na mente uma lembrança da ponte, mas lhe pergunto: para que serve a lembrança da ponte? E para que serve comentar com outra pessoa a respeito de suas lembranças com relação a sua experiência com tal ponte? A ponte já cumpriu o seu papel! Eu vejo esses textos da mesma forma: uma simples ponte que precisa ser deixada para trás. Enquanto não existe essa percepção quanto a nossa consciência real, quanto a nossa natureza real, quanto ao que se é, de fato, vamos fazendo uso de textos, vai fazendo uso de filmes, palestras, conversas nutritivas, sites, blogs, aí vai se buscando. Até uma hora que "o" insight acontece. E esse insight acontece sempre quando o mesmo não está sendo esperado, quando o desejo por ele não se faz presente. Se existir a seriedade quanto a busca pelo auto-conhecimento, o insight virá. Se há a seriedade na busca, se se está batendo, uma hora, chegará a porta certa. 

Nessa caminhada, batemos em muitas portas, portas estas que, apesar de nos ajudarem de alguma forma, ainda não são a porta certa... "Batei e abrir-se-vos á... Buscai e achareis!..." Num agora, vai acontecer e, enquanto não acontece, a gente tem que ficar aí "macaqueando" os outros... Macaqueia -se um, macaqueia-se outro... Não tem problema nenhum em temporariamente macaquear... A maioria também macaqueia enquanto não têm nada de original. Então, um macaqueia Ramana Maharshi, outro macaqueia Osho, outro macaqueia Krishnamurti, outros, como eu, macaqueiam um pouco de tudo junto, fazendo uma verdadeira salada espiritualista de onde estrai sua nutrição. Uma hora isso acontece. O importante é ir juntando um pouco de tudo com seu tempero. A sabedoria antiga já dizia isso: separar o joio do trigo. É importante se permitir o conteúdo de todos esses macaqueantes, — antigos e da atualidade —, até mesmo esses que estão vivendo um enorme auto-engano, se dizendo iluminados, mesmo eles... Às vezes, de suas bocas, também sai alguma coisa que dá para ser bem aproveitado. É como costumo dizer: até em abobrinhas se encontra nutrição. Afinal, todos nós, quando não estamos com o ego tão aflorado, somos capazes de ser instrumentos pelos quais a Beleza possa se fazer manifesta. Minha postura até o presente momento é bem essa: apareceu na frente, tem conteúdo, absorvo, se não tem, deixo ir. E, o mais importante: me mantenho aberto para conferir da mesma fonte em outra oportunidade que se depare à minha frente. No caminho da busca de si mesmo, creio que não faz sentido fazer uso da fala: "dessa água não mais beberei". Manter esse tipo de fala é sinal de que se vive no passado, o que é sinal de imaturidade. Nunca se sabe o que a vida vai nos apresentar e por qual porta vai nos brindar com seu frescor. Por isso, mente aberta é sinal de seriedade e maturidade. O importante é estar de mente e coração abertos; se toca, deixe ficar, se não toca, deixe ir. Está tudo certo! Avante! Quero falar um pouquinho mais sobre isso, dando um exemplo de algo que está me acontecendo agora...

Os últimos textos que tenho postado, tem sido extraídos de um livro de Paul Brunton, intitulado "Imortalidade Consciente", livro este que já venho procurando por volta de uns dez anos. Paul Brunton foi um dos primeiros autores que li, logo após minha abençoada "depressão iniciática". As leituras de seus textos foram fundamentais, grandes setas indicadoras de um acertado caminho de ego-esclarecimento. Hoje vejo que, se esse livro tivesse caído em minhas mãos, naquele período de grande transtorno psíquico, eu não teria tido condições de assimilar a profundidade e grandeza contida em suas letras e linhas. Não teria tido estrutura física, mental e emocional para observar e absorver a mensagem nele contida. Com certeza, uma pérola seria desperdiçada em meio do pântano da minha confusão de condicionamentos e tendências. Foram preciso todos estes anos para, agora, me deparar com este livro e seu importante conteúdo, o qual vem "descendo redondo". Com isso, vejo que existe uma lógica, uma razão para tudo; são nossos condicionamentos que nos impedem a compreensão. Por isso que digo que não se deve ter esse preocupação com a memória, com a acumulação do conteúdo que se apresenta diante de nós durante nossa jornada de ego-esclarecimento. Na hora que precisar vir, aquilo que foi incorporado, que se tornou carne e habita em você, que deixou de ser apenas um verbo, sem que você perceba, isso virá para seu devido uso! Isso está ai! 

Penso que, depois de um longo caminho, parece que agora, está se apresentando aquilo que Paul Brunton chama de "Caminho Curto"; agora isso está fazendo sentido. No entanto, esse caminho curto só está fazendo sentido porque houve antes o "Caminho Longo" do ego-conhecimento. O "Caminho Curto" é uma porta para o auto-conhecimento. Durante o "Caminho Longo", houve a observação e o trabalho árduo sobre os condicionamentos e tendências. Todos sabem o que é a via-crúcis: igrejas, espiritismo, Rosa Cruz, Quarto Caminho, Grupos de Doze Passos, Unipaz... Outra coisa: nesse longo caminho de retorno, por onde fomos passando, todos esses lugares pelos quais fomos passando, os conhecimentos que neles foram sendo adquiridos, o material que foi sendo colocado à nossa disposição, todo esse material ajudou a criar uma consciência dos condicionamentos e tendências e, nessa percepção total desses condicionamentos, os mesmos foram sendo de nós arrancados. Então, se esses condicionamentos ainda fizessem parte de nosso apego, como poderia haver espaço interno e energia para poder fazer frente à essa percepção do que estamos vendo agora? Que é essa salutar e libertadora constatação de que que não sou os pensamentos, não sou as emoções, não sou os sentimentos, não sou o corpo, não sou todos esses translocados impulsos e tendências. Como poderia ter essa percepção da beleza e inteligência da prática desse estado de observar, de testemunhar sem ocorrer a identificação reativa que sempre aponta para o passado? Esse estado de consciência se tornando consciente de tudo isso que está ocorrendo, agora, na mente e coração, ainda que numa visão fragmentada entre observador e coisa observada, no externo e no interno, não é? Não teria condição de ver nada disso! Como que alguém que ainda está acreditando que é o medo, pode ficar sentado, em meditação passiva, só observando o medo, sem tomar qualquer tipo de reação com base nas experiências passadas, repetindo algum tipo de reação condicionada?... Não tem como! Como que alguém que ainda se identifica com algum tipo de padrão compulsivo de comportamento, esse alguém pode deter esse  padrão, não se identificar e deixar de ir atrás da satisfação do que essa compulsão pede? Então, como se vê, todo esse caminhar anterior, esse "Caminho Longo", foi trazendo as condições internas para hoje, agora, ver tudo isso, para viver esse momento interessante que é mais coração do que mente. Hoje, há a capacidade de ficar sentado sem nada fazer, só observando, só meditando, só vendo o acelerado montante de dizeres da mente, dizendo que toda essa prática não passa de bobeira, algo destituído de real sentido, que não pode nos levar a nada, que isso é uma papagaiada... 

Hoje percebo com nitidez que a mente está num movimento de ataque final. Ela se encontra em desespero! Como numa guerra, quando o inimigo está acuado pela superioridade das forças aliadas, sabendo que não tem mais como dar continuidade a sua hegemonia, sentindo que está prestes a morrer, o que ele faz? Ele tenta um ataque suicida... Ele tem consciência de que a guerra está perdida e, em no interior de sua bagunçada trincheira espera pelo momento certo de cometer ego-suicídio, ou então, de levantar as mãos e dizer para as forças aliadas: "Faça o que quiser, eu me rendo, mas me faça feliz!" Percebo que os acontecimentos apontam para aí. 

Dizem que a mente do ser humano é um grande mecanismo dado ao homem pela Grande Vida, para poder estar sobre esta terra.  Por outro lado, a mente, esse poderoso organismo, só é poderosa quando não se encontra condicionada, quando uma consciência amorosa domina essa mente. Porque, quando a mente domina a consciência do homem, então, ao homem só sobra conflito, caos e confusão. A mente condicionada quer dominar, não quer ser uma servidora de confiança aos cuidados de uma Consciência amorosa e de infinita inteligência. Você tem dúvida a respeito disso? Isso, para mim é um fato, basta olhar o mundo, bem como sua história. Olhe o mundo como é que está... Vem alguém, em contato consciente com essa Consciência Amorosa, que aprendeu a fazer o devido uso das qualidades mentais, que faz uso do pensamento como uma expressão dessa Consciência Amorosa necessária ao homem; ele manifesta isso que até então, não havia se tornado manifesto. Em sequencia, outros que não fazem uso do pensamento e que são usados pelo pensamento condicionado, totalmente inconscientes de um modo de vida pautado numa relação consciente com essa Consciência Amorosa, pegam isso que foi manifesto para o desenvolvimento do homem e fazem mau uso dessa forma de manifestação, usando-a em favor da doença, da insanidade, do conflito, da fragmentação, da loucura, da destruição. Aquele que sabe, que conseguiu colocar, através da observação, a mente a serviço dessa Consciência Amorosa, que conseguiu perceber que a mente é apenas um servidor de confiança não tendo poderes para governar, esse vai usar a mente de forma amorosa, em benefício do coletivo, do Cosmos, vai ser uma parte integrante, uma ferramenta amorosa na mão dessa Consciência. Agora, quem não tem isso, quem não está consciente dessa Consciência, o que mais pode produzir a não ser mais conflito ao conflito já instalado? 

Então, sinto que este último material que chegou em nossas mãos, é um grande portal a ser transcendido; se essa transcendência ocorrer, se a mente realmente silenciar, se for posta em seu devido lugar, há a possibilidade da manifestação do grande insight dissolvedor de toda forma de condicionamento ainda inconsciente. Penso que só esse insight é capaz de colocar a mente em seu devido lugar, criando a unidade consciente entre mente e coração. Qual é a fonte do nosso conflito? O coração, a intuição pedem uma coisa, a mente e os condicionamentos, através do medo, pedem outra... O coração fala mansinho enquanto que a mente faz um enorme barulho... E, por causa da identificação com os medos, deixamos de lado o que é pedido pelo coração. Essa é a nossa fonte de conflito. O que acontece agora? Agora, é momento de recolhimento, de retiro, de solidão, de solitude, de gestação de um novo homem, de uma nova mente. Quem sabe, a qualquer momento, através do insight, ocorra a fusão capaz de por fim a todo tipo de confusão. Estamos confusos porque não temos um estado de fusão entre mente e coração. Não temos ainda uma mente que sente e um coração que pensa. Quando tivermos esses dois, funcionando de forma harmônica, um coração que pensa e uma mente que sente, só harmonia poderemos manifestar, só poderá haver manifestação voltada para o coletivo e não mais para a busca e acumulo de privilégios.

Outro ponto que tenho percebido é que um dos vícios da mente é fazer exigências descabidas de si mesma, assim como dos outros. Ela não nos permite um estado natural, sem as exigências e seus consequentes conflitos. Não nos permite um estado livre, leve e solto de ser. O pior é que ela faz exigências que são alteradas muito rapidamente; num minuto ela exige uma coisa, no minuto subsequente exige outra... A mente não sabe o que quer; em si mesma, é completamente insatisfeita. Por isso é que existe tanta confusão. 

Então, em vista disso tudo, sinto que hoje é um momento, inusitado, muito raro, dentro de todos estes anos de caminhada. Neste domingo, 04 de março de 2012, faço 48 anos. Eu estava fazendo um balanço e cheguei a percepção de que foram 9 meses de gestação física, orgânica, para que este corpo, este  ser adentrasse na experiência deste espaço-tempo. Depois, foram 24 anos sendo gestada uma mente condicionada, formatada, colonizada, adaptada, ajustada a esse modo imbecil de viver que está aí, com todo esse ridículo sistema de crença, arcaico e disfuncional, fragmentador, ilusório... Aos 24 anos, uma bomba atômica emocional causada por uma abençoada depressão profunda, colocou em marcha, mais 24 anos num processo de "volta ao lar", numa "jornada de retorno"... Através de todos esses conhecimentos, absorvidos através da amorosidade de homens e mulheres que deram certo, desajustando,  retirando de dentro do sistema, trazendo a vida de volta às minhas mãos, trazendo a mente de volta às minhas mãos, não mais funcionando com a mente do outro, com a crença do outro, com o compasso do outro, com o ritmo do outro, com os achismos do outro... Quem sabe, neste domingo, temos o nascimento do novo homem que está sendo gestado. O interessante é perceber que está sendo um momento muito bom, que está sendo legal poder constatar tudo isso. É gostoso poder olhar tudo isso e perceber que os momentos dolorosos do passado, onde não havia compreensão do que estava se passando, estavam sendo momentos fundamentais, momentos embasadores, para a formação de uma consciência totalmente desvinculada desse modo operante, desse modo operante que está causando todos esses absurdos que vemos narrados através do sensacionalismo midiático (cujo principal foco não está em nos informar, mas sim, em nos manter acuados pela constante ação do medo). Está sendo interessante perceber que o ser humano, com todo seu modernismo, com todo seu avanço tecnológico — computador, internet, telefonia móvel, tablet, luxuosos e possantes automóveis — está se tornando cada vez mais caótico, uma vez que, quase sempre, por inconsciência, o homem faz uso de tudo isto para cada vez mais se exteriorizar de si mesmo. Então eu lhe pergunto: de que você precisa mais? Do automóvel do ano ou de algo aqui dentro que vai além da ação dos anos? Para onde você está dirigindo sua atenção? Para o bom mecanismo e som do seu carro, ou para a capacidade de escuta do som e mecanismo de sua mente e coração? 

É gratificante perceber e se ver livre da constante influência da sociedade. A sociedade é uma insana formadora de desejos. Atrás desses desejos, ela por sua vez, cria uma infindável fonte de conflitos. Ela não quer ter conflitos, no entanto, ela não para de criar desejos. A cada dia sai um carro diferente, a cada minuto está saindo um aparelho diferente, cada hora uma nova ferramente tecnológica. Estamos numa explosão tecnológica que parece não parar mais. A sociedade, com a ajuda do marketing, faz o homem acreditar que a fonte de sua felicidade está em correr atrás dessa enorme e pegajosa trama de desejos transitórios e, quase sempre, supérfluos. Você compra um aparelho hoje e, mal acabou de ler seu manual de instruções, o mesmo já se encontra obsoleto, segundo a moda do dia, ditada por uma mídia corrompida. Gosto muito de uma fala de Roberto Crema, a quem tive a oportunidade de manter contato próximo e breve: 

"O ser humano criou maquininhas fantásticas, mas, e quanto ao seu desenvolvimento psíquico, como está?

Nada!... Cada dia mais retrógrado, cada dia mais para trás! A sociedade está ficando cada vez mais medíocre... Tudo! Você liga sua televisão e vê, desde os anúncios aos programas, uma mediocridade, uma infantilidade, uma comicidade banal. Há uma insana inversão de valores em nome de se acumular valores fictícios. O pior, é que todos estão inseridos, uma vez que temos um sistema de educação que não ensina o exercício do questionamento, ao contrário, ensina a ter que aceitar, decorar e propagar, então, como ninguém aprende a questionar, todos vão aceitando e, nesse aceitar, se condicionando, se conformando, se mantendo em crescente estado de estagnação. Todos vão aceitando essa insana corrida atrás daquilo que sagazes mentes desconhecidas impõem como objeto de desejo. Então, eles vão criando os desejos e vão levando a massa, através de coloridos cartões personalizados à um mundo de ilusória felicidade que, na realidade, não passa de euforia e depressão. Em resultado, o ser humano, a cada dia, mais padronizado e medíocre. Cada dia mais longe da realidade daquilo que ele é em sua essência. Aliás, a busca da consciência daquilo que se é, quase sempre é visto como algo "bacaninha", no entanto, não usual, destituído de praticidade para a consumação dos egocêntricos desejos. Falo isso com conhecimento de causa. Dia desses, numa conversa por telefone com um amigo, este me disse que encaminhou alguns dos meus textos para um conhecido seu, que vive um momento muito atrapalhado. Para sua surpresa, a pessoa em questão lhe respondeu, por e-mail, de forma irônica, de que nada daquilo lhe causava interesse: o que ele queria, literalmente, era buscar por sexo, droga e rock roll. E é exatamente isso que a sociedade está querendo! Quando falo sobre droga, é qualquer tipo de droga socialmente aceita, não estou falando apenas de drogas químicas, receitadas ou não por algum tipo de cartel. Falo das drogas de comportamento socialmente aceitas. Eles só querem isso! 

Feliz daquele ser humano — que ainda não sabe o que é ser humano — que é brindado com uma poderosa e desestruturante crise de depressão! Feliz daquele que tem em algum período de sua vida, um momento de "absurdo" que aponte para a existência da Graça; um cataclisma, um terremoto, um tsunami existencial, tão forte a ponto de fazer com que pare sua insana corrida desejante e, nesse parar, reoriente o centro de seu desejo para o único "aquilo" que encerra com todo desejo. Feliz daquele que, como dizem no Quarto Caminho, vivência uma "experiência de choque". Algum acontecimento que possa viabilizar a retirada, a desidentificação com esse crescente automatismo, com esse sonambulismo social. Quando você toma um choque, no momento do choque, não existe passado e nem futuro, há apenas a desconhecida e possante energia do agora. E aí, é lógico que vai se deparar com um agora assustador, porque dele, não conhece absolutamente nada. Quase sempre, o novo paradigma que se apresenta na vivência do agora, inicialmente, se faz profundamente assustador e desestruturante. Mas, feliz daqueles que vivem isso e acolhem isso de forma inteligente; que não narcotizam isso, que não anestesiam esse momento de choque e absurdo. Ao contrário, sentam-se com esse choque e absurdo e meditam na mensagem única e pessoal contida em suas raízes... 

Por que a vida está me trazendo isso? O que preciso aprender com isso? Por que a vida me colocou deitado nesta cama, sob estas cobertas? Por que, apesar do imenso sol, meus dias se tornaram nebulosos? Por que a vida me roubou o caótico e acelerado estado de normalidade que, pela grande maioria é tido como saudável? 

Você nunca verá numa certidão de óbito: morreu de normalidade, morreu de normose, essa patologia de querer ser normal. Eles vão relatar que morreu de alguma doença terminal, de um enfarte, que morreu disso ou daquilo, morreu assassinado num conflito entre dois normais. Em vista disso tudo, é que me considero uma pessoa abençoada pela Vida ter me jogado no chão e me feito lamber o chão de um monte de salas de instituições, lugares, bibliotecas, sebos, de tão prostrado que me deixou. Eu lambi o chão de vários lugares em busca de retomar o meu centro, de tão prostrado que eu estava por querer atender as descabidas exigências de relações decadentes. Nesse período, estava tão confuso que, em busca de consolo, mal acabará de sair de uma conversa com um padre de uma igreja qualquer, saía em direção à uma sessão espírita. Ao sair de lá, permanecia por horas com aquele que me emprestasse seus ouvidos. Se a depressão tivesse sido "meia boca", ocorrida mais ou menos, que é o que quase sempre acaba ocorrendo com a grande maioria, qualquer fonte primária de distração me levaria ao esquecimento e, conquentemente, ao debilitante e inconsequente ajustamento à dita normalidade. Porque, o que visa a maioria dos setores da sociedade, não é que você atinja a "excelência de ser", mas sim, que você seja "funcional", que você seja um "funcionário" com poder de compra. A sociedade quer você funcionando, porque, se você estiver funcionando você estará gastando, você estará sempre em constante influência da poderosa rede de desejos, sendo um a mais no meio dos explorados mantenedores do sistema. Então, eles querem você funcionando, mesmo que quimicamente embotado. A sociedade não permite que você chegue a um estado de caos total, onde, através desses caos total você comece a exercitar o questionamento capaz de fazer você se aperceber que, a grande maioria dos valores que você tem em conta, são falsos, totalmente destituídos de real valor. 

Então, feliz daquele que passa por uma experiência de choque e que tem a sorte de encontrar por pessoas, lugares, livros que realmente apontam para um processo de implosão da antiga estrutura de ser, sem a qual, não é possível o conhecimento desta benfazeja faze que hoje, abençoadamente, estou vivendo, que é a faze de inquirir sobre a real natureza do Ser que sou. A descoberta de uma mente não formatada, não colonizada, não ajustada, não condicionada, por idéias e padrões comportamentais instituídos por terceiros. O problema é que muitos que tiveram esta crise iniciática, acabaram batendo em portas erradas, portas limitantes, portas que forçaram ao ajustamento ao que está aí estabelecido: um ajustamento a rede desejos cambiantes. Isso é muito fácil de ser constatado, não é preciso nem sequer sair de casa, basta ligar sua televisão e colocar num "programa religioso"... Você verá grandes oradores prometendo a realização de umbigóides desejos; ninguém prometendo autoconhecimento e simplicidade voluntária. Ninguém prometendo um conhecimento ferrenho quanto ao seu ferrenho egoísmo desejante. Não!... Eles estão prometendo mais fonte de desejo! E, para você alcançar o seus desejos, você tem que pagar caro, colaborando assim, com o não confessado desejo de muitos desses televisivos oradores... 

"Olha só: eu te dou a fórmula, mas antes, para mim, você terá que pagar!"... 

Como diz o ditado, "Jesus é o Caminho, o pastor aqui é o pedágio!"... O pior, é que hoje, pedágio é o que não falta, tem pedágio pra tudo quanto é lado. O sistema é doido para colocar um desejo em sua mente e uma fatura em seu pescoço. Ele vive disso e você, é apenas mais um número. Só quando a pessoa chega a lamber o chão por causa de uma desestruturante depressão é que ela é capaz de gritar com as últimas gotas de energia que ainda lhe restam: 

"Chega! Eu quero a vida de volta às minhas mãos". "Chega! Eu não vou mais aceitar esse modo operante; cansei de ser vaquinha de presépio, casei de ser silencioso gado marcado rumo ao barulhento matadouro, cujo dono sem sequer conheço". 

E é preciso ter "saco roxo" para sustentar essa postura, porque a fonte de influência externa é muito grande para que você se ajuste, para que você volte a ser funcional, para que você entregue sua vida nas mãos dos outros por causa da ilusão de segurança proveniente de uma carteira registrada. Pela lógica e pela razão, o homem nunca chega até aqui. É por isso que a depressão, ela é uma benção, porque, sobre o açoite da depressão, não há espaço para a lógica e para a razão localmente condicionada. Com a depressão funciona mais ou menos assim: 

"Ou você faz o que eu te peço ou eu te mato!" 

É só aí que o ser humano encontra forças para chutar o pau da barraca, para lançar tudo para o ar: casamentos de conveniência com prazo de validade vencido, empresa que contraria e abafa sua real vocação... A depressão faz chutar tudo isso! Porque, ou se chuta tudo isso, ou se morre! E, depois que se chuta tudo isso, quando passa a dor, se olha e constata que se estava quase morrendo por algo que era falso — que se sabia ser falso, mas que, pela ação do medo, se insistia em manter... 

É só com a chama e a cruz da depressão que os vampiros não  se apossam mais de nossa energia vital. E, nesse período, se faz necessário muito atenção uma vez que, em sua volta, sempre haverá pessoas significativas que não vão querer que você tenha sua vida novamente em suas mãos. Eles estão viciados e dependentes em manter o controle sobre as rédeas de sua vida. Eles vão lhe influenciar, de forma direta e indireta, a buscar pelo insano ajustamento, vão forçar você ao conformismo. O mais estranho de tudo, é que se você morre, diante de seu estendido corpo gelado, entre si, essas mesmas pessoas comentam: 

"É! Esse está melhor que nós! Esse descansou!" 

Mas que debilidade mental socialmente aceita é essa? Eles chegam e lhe forçam a se ajustar a um modo de estar na vida que eles mesmos sentem ser uma desgastante loucura e só deixam você descansar quando você morre. Esse é o padrão socialmente herdade e alimentado que não faz o menor sentido para aquele que experimentou a morte em vida.

O fato é que a natureza não dá saltos! Para mim, isso não é resultado de um processo mental; sinto isso visceralmente, sinto isso no coração. Só tem um jeito de saber o que é liberdade: é descobrir um modo de ser e de estar na vida sem essa personalidade construída e devidamente ajustada com base no egocentrismo social. Enquanto tiver esse egoísmo, só conflito! Porque o outro também está identificado como sendo o ego. É preciso a regeneração de uma energia totalmente diferente. Para mim, nisso não há nada da subjetividade vista por aqueles que se encontram identificados com uma mente materialista, ao incessante desejo dos sentidos. A mente materialista, escrava do tempo, anseia por objetividade. Eles escutam do mesmo Jesus que cultuam — e não compreendem —: 

"Todos vós sois deuses! O reino dos Céus está dentro de vós!" 

No entanto, para eles, isso não soa como algo prático, soa como algo subjetivo. 

Enquanto perdura o desejo, mesmo que seja o desejo pela iluminação, o desejo da realização, nada do que é real, do que é livre do tempo e espaço, pode se tornar manifesto. O desejo é como a placa que aponta mas que precisa ser abandonada para que se alcance o sentido para qual ela aponta. É preciso um estado de abertura, de relaxamento, de total abandono e entrega. Uma postura de ficar como testemunha passiva, observando tudo que se apresenta, tanto internamente como externamente; num questionamento constante quanto a real Natureza do SER que somos. 

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!