Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

12 março 2012

Cego guiando cego


Trigueirinho, em seu áudio intitulado "A experiência do deserto" (áudio este disponível e transcrito neste blog), nos alerta quanto ao perigo de querermos influenciar pessoas, no que diz respeito ao compartilhamento da experiência da Verdade, da experiência direta do "Eu Sou", antes de termos  "dissolvido" aquilo que pensamos ser, na chama do discernimento que ocorre em meio ao imenso deserto do Real. São suas as seguintes palavras:

"...Nós temos muita pressa de nos manifestar, temos muita pressa de nos dar a conhecer, de inspirar os outros, de mandar nos outros mas, isto tudo não acaba bem, quando a gente ainda não atravessou o deserto... Enquanto nós não passamos por esta prova, tudo que nós passamos para os outros não é verdadeiro, não é comprovado em nós e o outro não sente segurança naquilo que a gente está passando, porque a gente ainda não atravessou o deserto. Então, nenhum de nós pode garantir se realmente é fiel e nenhum de nós pode garantir se é realmente perseverante, se é verdadeiro aquilo que diz ser. E o outro percebe isto! E não tem um referencial real, não recebe uma força que ele precisa, que ele necessita. E é bom que nós tenhamos isto claro para não decepcionarmos o outro neste ponto da fé e da perseverança, num momento em que o outro está numa situação critica, difícil para ele, e numa situação na qual nós já passamos. E sabemos que nestas situações de transição é bom que a gente não seja desestimulado, é bom que nossa parte melhor seja reforçada. Isto que constrói esta base sólida, isto que nos ajuda a atravessar este deserto e a darmos ao outro uma força e ajudarmo um outro em tudo aquilo que ele precisa, isto tudo é baseado na gratidão".

Nesta caminhada em meio ao deserto, há uma poderosa e quase que incontrolável manifestação do ego em querer transformar o resultado de um "vislumbre do Ser" em algo como a "Totalidade do Ser". Esta precoce e indevida tendência de querer impressionar os outros é muito fácil de ser alimentada por parte daqueles que nem se quer se abeiraram de um tal vislumbre e que, portanto, ainda sofrem das angústias provenientes de uma vida regida pelo total domínio do ego. Já me referi a isto em mais de um de meus textos: "Em terra de cego, quem tem um olho vira palestrante, ou escritor de auto-ajuda".

Não há problema nenhum nisso, desde que o homem não se afirme como a materialização final da Verdade; aliás, cada um desses escritores cumprem uma determinada função, algo parecido como uma placa indicativa em determinado caminho. O problema, a meu ver, está em querer se afirmar como sendo o próprio caminho. Isso é mais comum do que se pode pensar; a história está cheia de homens e mulheres que deixaram alertas quanto a essa poderosa armadilha do ego: o orgulho da erudição e da organizada liderança sacerdotal — os quais mantem o iludido ser humano numa espécie de patologia que poderia ser nomeada de "Iluminose" ou de "Gurusite crônica". 

Outra palavra poderosa que nos alerta para este perigo em meio ao deserto, vem de Ramana Maharshi:

"... É como o homem submergido na água para trazer algo do fundo dela. O mergulhador não pode falar. Depois de haver encontrado o objeto que buscava, volta à tona e fala... Estando dentro da água, a água entraria-lhe na boca se ele a abrisse para falar... Felizmente há homens que não se deixaram envolver nesse labirinto. De verdade era eu bastante afortunado por não me ter aproximado sequer. Pois, se me tivesse deixado levar, provavelmente, estaria em parte alguma, sempre em confusão"

Esse tipo de auto-engano, causado pelos poderosos resquícios do ego é que novamente acabam potencializando a sua estruturação. Se antes tal ser humano se encontrava enredado na trama do horizontal egoísmo materialista, aqui, acaba se enredando na verticalidade de um ego falsamente espiritualizado. Mesmo em busca do "Divino Peixe", mesmo se aventurando ao mergulho no escuro lago da inconsciência humana, por causa de seu auto-engano causado pela retroalimentação da identificação egocêntrica, o homem acaba por espantar o que poderia saciar de vez sua fome de plenitude. Em seu corajoso mergulho, este homem, tendo um vislumbre das reluzentes cores do "Sagrado Peixe", retorna a superfície, estasiado por tal visão, querendo se fazer acreditar — tanto para si mesmo como para com os outros — ter se "apropriado e devidamente alimentado" de tal  divino alimento. Como é preciso muita coragem para afirmar este auto-engano diante dos olhos e ouvidos dos menos precavidos, não é nada difícil ser "endeusado" por aqueles que ainda não possuem a necessária energia para se aventurar em tal mergulho. Como, todo aquele que vive de forma inconsciente nas margens do mar da vida, vive através de imagens, não é de se admirar que o mesmo possa se permitir a ilusória ação desse encantamento que se dá por meio de imagens, palavras  e sons, os quais soam totalmente diferentes do script que lhe é conhecido. O problema é que, nesse encantamento, o seguidor acaba com o seguido, assim como o seguido acaba com o seguidor. 

Portanto, é preciso estar atento à essa perigosa tendência do ego humano, a qual já foi relatada de forma metafórica em tantas histórias, entre elas, "um cego guiando outro cego", ou "o lobo na pele de ovelha". A maior vitória do ego humano é conseguir hastear sua bandeira nas na recente manifestação da Mente e Coração Sutil do homem. É com esta vitória que o ego sustenta a imensa pedra do orgulho que mantém o SER na sepultura, impedindo de vez sua ressurreição e o nascimento de um novo homem dotado de amor eterno. 

Onde o ego vê lucro, o SER alerta para o prejuízo. Quem têm olhos de ver que veja!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!