Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

23 março 2012

A difícil arte de vivenciar o deserto - parte II


No deserto, há um profundo estado de ansia por completude, por conexão com algo que traga uma resposta capaz de silenciar o estado de tensão gerada por tamanha ânsia. É como uma incapacidade de estar dentro do corpo, uma extrema necessidade de sair de dentro de si mesmo, de dentro do congestionado fluxo de vozes mentais e seus resultantes sentimentos. A inquietude toma conta o corpo todo, começando pela mente, pelo cérebro. Os pensamentos são desconexos, sem realidade, não seguindo nenhum raciocínio lógico. A "outrite" — o desfoque pelo comportamento alheio — é quase que uma constante. A ânsia pede pela busca de respostas em livros, sites, blogues, vídeos, filmes, frases, e-mails, nos quais entramos por várias e várias vezes no decorrer do dia — o que pelo menos é um grande avanço diante da anterior entrega aos já superados vícios comportamentais.

Se há o fechar dos olhos para a meditação, em questão de minutos, a mesma tende a dar lugar para o estado de letargia que provoca a dispersão pelo sono. Por mais que se tente o silenciar da mente, o mesmo não ocorre e o seu desordenado fluxo é tão rápido que torna quase que impossível o seu acompanhamento. 

No estado de deserto, há uma profunda falta de sentido e direção, a qual acaba impulsionando ao isolamento de pessoas cujas falas não tragam em si, o interesse pelo questionamento e pela busca de real sentido e direção. Há também, por vezes, uma intensificação da presença de um "zumbido mental", seguido após momentos de ataque cerrado por parte do conteúdo acelerado da mente. Nestes momentos, a prática da escrita parece servir de ancora, uma espécie de fio terra que impede a identificação com o conteúdo mental e com a consumação de atividades que, uma vez feitas, por não saber lidar com o resultado das mesmas, tornam-se fatores agravantes para a proliferação do conflituoso conteúdo mental.

Essa imperiosa necessidade de resposta interna que se apresenta nos momentos de deserto, impede a motivação para qualquer tipo de atividade externa que não aponte para a resolução de tal resposta, capaz de por fim ao silencioso conflito interno. Nesses momentos, falar sobre paz, felicidade, liberdade e amor seria uma profunda leviandade.

Na experiência do deserto, ocorre também um forte impulso para o encontro com alguém que se identifique, que também comungue dos mesmos sentimentos, necessidades e impulsos pela busca de respostas, para através desse encontro, através da fala, quem sabe ser possível remediar o sofrimento causado por tal inquietude. No entanto, ao mesmo tempo, já encontra-se também instalada a consciência de que remediar é um retorno em ré para o médio conhecido, o que é totalmente incoerente com a necessidade que se apresenta: um avanço para o estado de silêncio e bem-estar interior.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!