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Quando ninguém se mostra pelo avesso, quando todos mantém hermeticamente fechada a realidade de seu lado "b", torna-se impossível a ocorrência de um real Encontro, de um real comungar, de uma real celebração onde, o que é Solene, se apresenta. Onde a abertura para o solene não se apresenta, de modo algum pode se dar a nutrição emocional. Na maioria dos encontros, de fato, há muita nutrição alimentícia, quase sempre de maneira excessiva, mas, no que tange à nutrição interior, só migalhas. Só uma pessoa sensível não se satisfaz com isso, só uma pessoa sensível é capaz de sentir intensamente, integralmente, o fastio de um encontro destituído de um real Encontro, de um verdadeiro celebrar. A celebração só ocorre quando se apresenta um comum revelar-se. Só uma pessoa sensível não anestesiará através dos alimentos — e por vezes com o álcool e o tabaco — a insatisfação causada pela ausência do revelar-se. Nem se permitirá o modo mais comum e socialmente aceito de se anestesiar, que se dá através das repetidas e superficiais conversas. Uma pessoa sensível abraçará a sua insatisfação e a degustará, em meio a sua solidão perceptiva que aponta para a compaixão. Ela se manterá em profundo estado de silêncio. A compaixão — não o que pensam ser compaixão — traz em si, a necessária capacidade de perceber se há ou não o espaço fecundo para a gestação de um real Encontro. Quando esse espaço não se faz presente, a compaixão se expressa pelo silêncio e a solidão. O não comungar de um encontro que não aponta para um real Encontro é o único modo de comungar, de forma legítima, com aqueles que mesmo presencialmente, interiormente, em nada comungam. Isso só é possível para as pessoas sensíveis. Só uma pessoa sensível é capaz de permanecer calada, envolvida em sua perceptiva solidão, que em última análise, é a essência da compaixão. A compaixão a que me refiro é a capacidade de olhar o outro, independente da realidade dos fatos, com paixão. Só uma pessoa sensível, de bem com sua solidão, é capaz de se manter integra e perceptiva ao ambiente, indo muito além da superfície das aparências. Só esta sensibilidade apresenta a capacidade de ouvir e ver, capacidade esta que ocorre de modo natural, sem qualquer resquício de esforço. Só a pessoa sensível é capaz de perceber a realidade interior, os fervilhantes desejos e motivos ocultos, que movem as pessoas a fugirem de uma autêntica intimidade, quase sempre por meio da infinita rede de superficialidades desnutritivas. Nessa sensibilidade, só há a percepção dos fatos, o que nada tem haver com o comum estado de criticismo interior. Um real Encontro só é possível entre corações maduros, nos quais a sensibilidade está presente. Não me refiro a sensibilidade do pensamento, do ego, do eu, na qual, — como apresenta a triste realidade —, a maioria se encontra envolvida. Não me refiro a essa neurótica sensibilidade que é fruto do pensamento e que, através dela, ocorrem a maioria dos conflitos separatistas. A sensibilidade do pensamento impede a manifestação de uma escuta atenta e, portanto, é responsável pelo impedimento do reverberar, impedimento este que produz toda forma de reação e fuga. O real Encontro só pode ocorrer quando ambos se encontrão na dimensão da sensibilidade do coração, quando ambos estão investindo nessa caríssima viagem que parte da esterilidade e superficialidade de uma mente exteriorizada, para a interioridade e plenitude de um coração centrado, que em essência, é silêncio, solidão e compaixão. A compaixão só pode se instalar ao ponto de um salutar transbordamento, com real e energética vitalidade, depois da pessoa ter demonstrado compaixão por si mesma, não permitindo que os demais — ainda satisfeitos com a superficialidade das aparências — façam de sua mente e coração, um receptáculo para as enfadonhas falas triviais.