Em verdade vos digo que,
se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças,
de modo algum entrareis no reino dos céus.
Mateus 18.3
Na busca da compreensão de si mesmo, busca essa iniciada, quase sempre, após um nebuloso período de angústia, dor e profundo sofrimento psíquico, sai o homem batendo em inúmeras portas que lhe prometem soluções fáceis para o imenso tormento que rouba-lhe a alegria de viver. Em cada porta, depara-se ele com novos conhecimentos, conhecimentos estes que, quando observados com profunda dedicação e seriedade, possibilitam o material necessário para o início do "ego-conhecimento", o qual é erroneamente conhecido como processo de auto-conhecimento. Este processo inicial de ego-conhecimento só é possível, graças ao estado de profunda humildade, atingido graças a enorme surra emocional imposta por seus tormentos e conflitos. Somente neste estado de profunda humildade, encontra-se o homem, livre de qualquer forma de resistência ou escolha e, através dessa liberdade, lhe é restaurada a saneadora "capacidade de escuta". Através desta capacidade de escuta — isenta de qualquer forma de resistência ou escolha — passa o homem a receber o necessário conteúdo para o início de sua "desprogramação", para a instalação de um processo de "descolonização de sua mente e coração", de um processo de libertação de toda forma de condicionamento, herdado, adquirido e por si mesmo alimentado dentro de seu limitado e adoentado ciclo parental/social.
Inicialmente, motivado pela dor — ou mesmo pela lembrança de suas ataques passados — mesmo que o conteúdo do novo conhecimento que lhe fosse apresentado, soa-se como algo completamente estranho, sem sentido e, portanto, de difícil assimilação, por não ver outra opção, o homem a este conhecimento se dedica com total afinco, disciplina e determinação. Então, devido sua seriedade de entrega, sem que se perceba, pela constante prática meditativa sobre tais novos conhecimentos, quando menos espera, vê-se livre dos "tormentos iniciáticos" que o colocaram na senda do ego-conhecimento. A partir de então, começa ele a perceber, com profunda alegria e gratidão, que os medos que até então lhe roubavam as noites de sono, bem como a energia vital para o seu dia-a-dia, não mais exercem poder sobre ele. Ao contrário, a simples lembrança com relação a tais medos, quase sempre é vista como motivo de riso e de profunda gratidão, uma vez que, não fosse por esses medos, não teria encontrado as portas que lhe indicaram uma nova maneira de viver.
Se a "dor iniciática" tiver sido vivida até o seu limite, se não tiver sido "narcotizada", se não tiver sido aliviada por algum mecanismo de fuga auto-escolhido — o que demostra seriedade por parte do homem —, este perceberá em seu devido tempo, o momento certo de, com gratidão, abrir mão das portas iniciais e seguir, de forma solitária, em direção à conhecimentos mais elevados, capazes de lhe mostrar de forma mais apurada, a sutileza e sagacidade do ego-humano.
Se inicialmente, o medo e a preguiça eram as influências que podiam impedir o homem de seguir rumo ao desconhecido de si mesmo, agora, seus grandes inimigos passam a ser o orgulho intelectual, a soberba erudição e a estagnante respeitabilidade liderante. Não raro, é neste fétido pântano do "agora eu também sei que sei", que boa parte dos homens perdem a capacidade do exercício da escuta e da entrega incondicionada, as quais são insanamente substituídas pelo auto-engano da "liderança sacerdotal catequista", liderança esta alimentada pelo doença da codependência que mantém estagnados outros homens e mulheres, ainda vitimados pela ação do medo e da preguiça, que impedem o necessário processo de mudanças que traz libertação.
Assim como a dor iniciática precisou ser levada ao seu ápice, do mesmo modo ocorre com a capacidade de escuta. Sem o ápice de qualquer uma das duas, não há como seguir viagem rumo a desconhecida natureza real do ser que o homem é. Como pode o homem escutar algo que venha das profundezas do ser que lhe faz ser, quando se encontra preso pelo auto-engano do "agora eu também sei?", quando, por meio deste auto-engano, não se encontra nem se quer disponível para a escuta daqueles com quem mantém superficial contato? Essa poderosa armadilha do "agora eu também sei", quase sempre, coloca os olhos do homem nos limites da exterioridade, sempre voltados para a constatação do fato da insanidade social, o que gera em si, uma perigosa forma de dispersão que impede a continuidade do conhecimento das limitações impostas pelo seu próprio ego, no tocante ao interior de si mesmo. Dessa forma, na estagnante zona de conforto gerado pelo encontro com o "bom", o homem acaba abrindo mão de seguir viagem rumo ao portal do "melhor", o qual antecede o portal final, onde se depara com o paradigma da "excelência", o qual torna nulo, todo conhecimento prévio adquirido ao longo do doloroso processo de ego-conhecimento. Só então, diante do portal do paradigma da excelência humana, é que o homem pode alcançar o nível do verdadeiro "auto-conhecimento", o qual só ocorre, quando as respostas para as perguntas "Quem sou eu?", "Quem é este que habita este corpo?", dissolvem por completo todo conteúdo observado e absorvido através dos estágios anteriores de ego-conhecimento.