
A inquietude ampliou-se no período da tarde e nada de externo parece ter o poder de aliviá-la. Ocorre uma grande dificuldade de manter a mente centrada no presente; ela insiste vaguear em pensamentos desconexos e destituídos de qualquer sentido. A tentativa de manter-se em silêncio desperta os hábitos, ou então, a presença da sonolência.
Sinto que cada minuto amplia ainda mais a já existente falta de identificação com as atuais atividades cotidianas, em especial, aquelas pelas quais mantenho o meu sustento. Sinto uma imperiosa necessidade de resposta e por isso, percebo-me vez por outra rogando internamente aos resquícios da fé em um Poder Maior.
Durante os momentos de silêncio ocorre uma espécie de quentura no centro do peito, dando a impressão que o ar que sai dos pulmões esteja sendo aquecido, o que acaba tornando consciente o movimento da respiração.
O pensamento insiste em vaguear num zig-zag passado-futuro e é na escrita que acabo fazendo um fio-terra. A mente insiste por distração, pelos hábitos. Sinto-me cada vez mais arredio ao contato com pessoas cujas conversas, quase sempre centradas em seus afazeres, problemas ou realizações profissionais, assunto que hoje julgo banais, não nutritivas. Aquelas que, ao contrário, mantém uma postura Polyana, me são ainda mais arredias. Sinto falta do coro dos malditos, dos rebeldes, dos desobedientes. Tenho encontrado leves ecos desse coro em algumas letras musicais, no entanto, raríssimos são aqueles cujo modo de vida parece coadunar com aquilo que outrora escreveram.
Há um forte impulso por abandonar tudo e lançar-me ao mundo, sem destino; uma espécie de fuga inconseqüente, a qual é logo abafada pela voz da razão. Além do mais, sinto que a saída não é bem por aí.
Enquanto escrevo, sinto a quentura aumentar ao mesmo tempo em que a inquietude diminui. Gostaria de poder estar compartilhando uma realidade diferente, no entanto, não há como fugir do que é.
Alguns amigos, inseridos no mesmo processo, me telefonam perguntando pelo sentido de tais sentimentos de vazio, inquietude e solidão e, pela primeira vez na vida, sem o mínimo de vergonha, lhes respondo não saber. A única coisa que sei é aquilo que sinto: necessidade de não fugir de tais sentimentos, perseverar diante dos mesmos em busca de sua totalidade, pois sinto que ali se encerra as sementes de algo original.
Enquanto escrevo, do outro lado da rua, um jovem andarilho, com o olhar colérico grita com o invisível, chamando a atenção dos motoristas e com isso atrapalhando o já lento transito.
No final da página da agenda onde rabisco este texto, uma frase de Tolstoi: “O segredo da felicidade não é fazer sempre o que se quer, mas querer sempre o que se faz”. Talvez seja essa uma das razões do atual estado de infelicidade: além de fazer sempre o que não quero, o que quero se mantém em segredo.