Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem a se bombardear de telefonemas, mensagens escritas, e-mails e contatos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, se contatam, para não perder tempo; em vez de se descobrirem, se expõem logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com amores antigos e atuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, "leves", disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha vida: porque, muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não agüentam nem um dia de solidão. Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela solidão.
Tudo o que se diz de desnecessário é estúpido, é um sinal destes tempos estúpidos em que falamos mais do que entendemos. No deserto, não há muito a dizer: o olhar cega e impõe o silêncio.
Miguel Souza – do livro “O teu deserto”