Durante o café matinal, na companhia de um amigo, conversávamos sobre a ansiedade que por vezes tenta me pegar, devido o consciente momento de ócio que atravesso. No início do ano, decidi "fechar-me para balanço" e não mais me dedicar aquilo que até então, supria minhas necessidades financeiras à um alto custo que contrariava o chamado de minha consciência e coração. Fazendo o balanço da minha existência profissional, pude ver que nunca manifestei algo realmente criativo, algo realmente original. Minha arte, sempre estava atrelada ao poder de "modificar" o já manifesto por outros, o que em outras palavras, não passava de mero plágio e que fazia com que, em meu intimo, me sentisse como uma farsa a ser descoberta a qualquer momento. Além da consciência me bombardear pelo plágio, este, tinha como único objetivo atender as expectativas de um sistema autocentrado, profundamente competitivo, alienante e pra lá de mendigante. Ver assegurada as minhas necessidades financeiras em detrimento das intrínsecas necessidades espirituais, já não estava mais em questão. Desde então, tenho me permitido a vivência do ócio, sempre que possível, em momentos de solidão. Neste período, pude perceber um aumento crescente da percepção de mundo, assim como um aumento da sensibilidade, da receptividade à um poder criativo, do qual, sou mero instrumento receptor. Diante disso, vem se instalando também, uma segurança interior nunca antes experienciada, a qual tem se feito expressa através da ajuda da prática da auto-observação, a qual impede a instalação da identificação com os medos, ansiedades e as constantes influências externas que insuflam a idéia de entrega ao dependente e explorador movimento de ajustamento servil. Sinto que, sem a manifestação de algo realmente criativo, não há como o homem se ver livre da profunda e constante ansiedade por busca de segurança psicológica. Quando não nos permitimos ser um depurado canal de manifestação criativa, não há como deixar de ser um mero copista, um ajustado servil, uma peça a mais da corrupta e enferrujada máquina social, peça essa a ser descartada diante da competição de menor valor. Isso está bem claro em minhas entranhas; é muito mais do que uma idéia romântica, já faz parte de minha carne e consciência e, contrariar isso, é o mesmo que cometer suicídio à longo prazo.
Enquanto explanava este ponto de vista para meu amigo, atrás dele, na fila do pão, a estampa da camiseta de uma moça me chamou atenção. Provavelmente, sua camiseta de gola polo, fazia parte de um uniforme de empresa; trazia as mangas e gola em tom vermelho e no corpo azul marinho, destoava nas costas a seguinte palavra impressa na cor branca: COMPROMETIMENTO. Para você, isso pode não fazer nenhum sentido mas, para mim, senti como um aviso da Grande Vida para que eu desse continuidade ao processo de ócio meditativo.
Para colaborar com isso, repentinamente fomos abordados por uma senhora, por volta dos seus 55 anos, que sem ao menos me cumprimentar, intimou meu amigo para que, em particular, lhe dedicasse um pouco de sua atenção. Ele, visivelmente embaraçado, levantou-se, encaminhando-se em sua direção. Pude perceber que ela estava ansiosamente perturbada (o que para muitos parece ser um sintoma natural das manhãs de segunda-feira). Enquanto eles conversavam, voltei-me para a leitura do livro de Osho, intitulado "Criatividade — Liberando sua Força Interior". Para minha surpresa, o parágrafo no qual havia parado, trazia o seguinte conteúdo:
... "Você não sabe o que significa a palavra criativo. Criativo é sinônimo de novo, insólito, original. Criativo é o mesmo que inigualável, desconhecido. Você tem de estar aberto a isso, desarmado... A pessoa criativa é aquela que traz algo do desconhecido para o mundo que se conhece; que traz algo de Deus para o mundo; que ajuda Deus a enunciar algo — é aquela que se transforma num bambu oco e permite que Deus flua através dela. Mas como tornar-se um bambu? Se você estiver muito cheio com as próprias idéias, não pode tornar-se um bambu oco. E a criatividade emana do Criador — é quando o Criador toma posse de você.
... "Você não sabe o que significa a palavra criativo. Criativo é sinônimo de novo, insólito, original. Criativo é o mesmo que inigualável, desconhecido. Você tem de estar aberto a isso, desarmado... A pessoa criativa é aquela que traz algo do desconhecido para o mundo que se conhece; que traz algo de Deus para o mundo; que ajuda Deus a enunciar algo — é aquela que se transforma num bambu oco e permite que Deus flua através dela. Mas como tornar-se um bambu? Se você estiver muito cheio com as próprias idéias, não pode tornar-se um bambu oco. E a criatividade emana do Criador — é quando o Criador toma posse de você.
Os verdadeiros criadores sabem muito bem disso, o fato de que não são criadores — mas apenas instrumentos, médiuns. Algo acontece por intermédio deles, é verdade, mas eles não são os realizadores disso".
Ao término da leitura do mesmo, novamente, lá estava meu amigo, rindo-se da situação que abruptamente lhe fora apresentada. Era uma confirmação daquilo que estávamos até então conversando. Ele me disse que se tratava de uma amiga dos tempos de colegial, já aposentada há alguns anos e que queixava-se da sua incapacidade de ficar em seus aposentos, e que diante de tal incapacidade, agora buscava novamente por uma "recolocação qualquer" dentro do mercado de trabalho. Não lhe interessava o que fazer, seu interesse estava em ver-se livre da angústia do não fazer.
Essa dificuldade diante do ócio me parece ser algo muito natural, uma vez que, não fomos ensinados e incentivados ao silêncio meditativo, inativo. Do mesmo modo, a prática da busca pela real vocação, nunca foi incentivada, o mais natural sempre deu-se pela busca por uma "colocação qualquer" no explorador mercado de trabalho, o qual exige muito mais um mecânico e rotineiro estado "funcional", do que o exercício da capacidade de inteligência criativa. Se em tempos idos da história de nosso país, através da carta de alforria, libertaram o homem da escravidão pelo trabalho forçado, em nossos tempos atuais, tal escravidão foi devidamente "cosmetizada" através de um carimbo qualquer numa carteira de trabalho — o qual ilusoriamente cria a sensação de bem estar pelo poder de aquisição de pequenos e aceleradamente cambiáveis bens de consumo — e na possibilidade futura de um mendigante desfrute do amargor de uma debilitada previdência social que, pelo que tudo indica, já se apresenta bem próxima de seu prazo de validade.
Depois de mais um "chorinho de café", nos despedimos, seguindo cada um para as atividades do dia. Já em casa, quase do término deste texto, fui abordado por minha mãe, para o desfrute do restante da bacalhoada de páscoa. Enquanto ela esquentava nossa comida, eu lia a parte até então escrita deste texto que versa pela busca da autenticidade e originalidade criativa. Para minha surpresa, ao meu lado esquerdo, bem na ponta da mesa, alguns vasilhames vazios de cerveja, apreciadas por nós, no nutritivo encontro do dia anterior. Apenas uma das escuras garrafas, trazia em minha direção, seu colorido rótulo, cujo centro apontava para a seguinte marca: ORIGINAL...
Para você, isto pode parecer algo forçado, ou mero romantismo de minha parte mas, para mim, que ao longo dos anos pude resgatar a negligenciada arte de perceber os sinais da Grande Vida, arte esta que fazia parte do modo de vida de nossos ancestrais, isso é muito mais do que uma sincronicidade; para mim, isto é o modo com que Deus — ou o nome que você prefira dar para expressar a realidade de uma criativa e amorosa inteligência superior — se comunica apontando para o caminho a ser seguido, mantendo-se amorosamente em seu original anonimato criador.
Em vista disso, continuo aqui, solitariamente meditativo, totalmente comprometido com a escuta da manifestação daquilo que é 100% original. Até lá, paciência é a palavra.
Em vista disso, continuo aqui, solitariamente meditativo, totalmente comprometido com a escuta da manifestação daquilo que é 100% original. Até lá, paciência é a palavra.
Nelson Jonas