Parece-me que o surgimento do impulso para a fuga de si mesmo, deu-se logo cedo, com o estímulo de nossos pais, através do uso do seio de nossa mãe, o bico da mamadeira, a chupeta adocicada com mel ou o colorido e sonoro chocalho amarrado em nosso berço. Talvez tenha sido ali que instalou-se a ilusão de que fatores externos poderiam nos distrair de nossa natural inquietação. Esse tipo de comportamento é uma ilusão, uma vez que só tem o poder de, momentaneamente, nos distrair e não o poder de resolver a questão da inquietação e da insatisfação; ela permanece sempre lá, à nossa espera, na próxima curva do caminho, na maciez de nosso travesseiro ou na papelada empilhada sobre a mesa de nosso local de trabalho pela manhã de segunda-feira.
Com o nosso acelerado desenvolvimento físico e o retardado desenvolvimento psicológico é que ampliou-se ainda mais a nossa insatisfação, bem como, a enorme rede de fuga e alienação para com a mesma. A própria cultura e retrógrada educação são quase sempre voltadas para a exterioridade alienante, para o acúmulo de conhecimento dispersivo, para a mecânica memorização de conceitos, fórmulas e imagens, todos sustentados em ideais, que em sua essência, alimentam a fuga daquilo que é, alimentam a alienação da irreal realidade à que muitos se encontram acometidos. Nossa embolorada e condicionada educação, fundamentada na comparação e no castigo e não em colocações amorosamente inteligentes que apontam para a formação de fundamentais questionamentos, não nos preparou para o importante desenvolvimento da arte da auto-observação, para a prática da reparação quanto aos nossos impulsos, tendências e manias, o que resultaria no natural processo desenvolvimento da maturidade e no consequente alcance de uma autonomia e auto-suficiência psicológica. Tudo isto, alinhado a prática de desvirtuados e herdados sistemas de crença — os quais não se sustentam quando colocados diante de um mínimo que seja da luz da lógica, da razão e do conhecimento de seu processo histórico —, adulterou tanto a capacidade de sensibilidade, que só mesmo através da entrega à um doloroso processo de narcotização, para a qual se apresentam infindáveis métodos, uns mais e outros menos socialmente aceitos, é que muitos conseguiram se manter apenas estressadamente existindo, ainda que sem a presença de vida e a capacidade de contemplação e de seu desfrute em qualitativa abundância.
(continua)
Nelson Jonas