Enquanto, na padaria, saboreava meu café matinal, chamou-me a atenção, uma conversa de balcão, dessas em que o locutor faz questão que todos os presentes escutem aquilo que seu pomposo ego pensa ter de especial para dizer. O egocêntrico locutor, por volta de uns 45 anos de idade, cabelos com mechas grisalhas, corpo tomado pela obesidade mórbida, diante da pequena estante de jornais, perguntou para um dos balconistas:
— E aí, "Ceará"? Você apanhou muito do seu pai quando ainda era pequeno?
— Vixe! — de cabeça baixa, respondeu o jovem atendente, enquanto preparava o lanche de outro cliente.
— E foi por apanhar muito que você virou homem, não foi?
— Opa! — exclamou o rapaz com um orgulhoso sorriso.
— Pois eu apanhei pra cacete! Peguei o tempo da vara de marmelo... Só que apanhei com gosto! Pois nunca deixei de fazer o que sempre quis!
— Eu tomava cada tapa no ouvido e pé na bunda, que ficava quase uma semana sem escutar e sentar direito. O "véio", era foda! — exclamou ele, lançando um olhar saudoso.
— Pois é! As coisas agora estão todas invertidas... Você viu no jornal? O cara foi indiciado e está quase perdendo a guarda da filha, porque o vizinho do lado, depois de filmá-lo batendo várias vezes, de chinelo, em sua filha, o denunciou... Quer saber? Se o filho "é meu", tenho direito de educá-lo do jeito "que eu quiser" e ninguém tem nada a ver com isso. Tenho o direito de educá-lo do jeito "que penso" ser melhor. Se funcionou comigo e com você, "tem que" funcionar com "meus" filhos. E tem mais: se alguém me denunciasse por bater num dos meus filhos, com certeza, passado algum tempo, mandaria matá-lo...
Diante de sua postura egocêntrica, o arrogante tom de sua fala e o embolorado teor de suas idéias, de fato, penso que a educação de "psicosurras" ministrada pelos seus pais, cumpriram um equivocado papel: o de lhe roubar a capacidade do exercício de uma inteligência amorosa, tornando-o um irracional e mecânico copista de uma arcaica e disfuncional educação que, da verdadeira Educação, não merece sequer o uso desta palavra. Se ele tivesse um pouquinho só da capacidade de ouvir a si mesmo, com certeza, uma chispa de inteligência, também o denunciaria e, quem sabe, este, em silêncio, permaneceria.
Nelson Jonas