Vivenciar o deserto existencial é muito mais do que sentar-se numa duna à espera do primeiro camelo em direção à civilização. A vivência do deserto existencial é uma experiência em que poucos homens e mulheres se encontram devidamente capacitados, internamente, para enfrentá-la. Nesta dura vivência estruturante, ataques mentais, compulsões, tendências e manias remanescentes do fundo psicológico, mesclam-se entre si, criando um confronto que impele para a identificação comportamental que produz o retrocesso, a recaída e, em consequência, a tragicidade do aborto do novo homem, 100% redimido de um antigo modo de vida egocentrado. No deserto, tempestades de ansiedade e medo são uma constante, as quais só podem ser superadas mediante um equivalente superior estado de percepção de si mesmo pela auto-observação meditativa. Dúvidas, crises de identidade, receios de estar perdendo o contato com a realidade, receios da caminhada até então ter sido algo puramente ilusório, também estão presentes no processo. Aqui, a prática meditativa funciona como um "fio terra", um "fio de Ariane", o qual nos mantém firmes e comprometidos com o processo. Ocorre também a sensação de ter-se andando em círculos, de não ter saído sequer do momento iniciático. Apesar de profundamente dolorosa, a vivência holística dessa experiência nos capacita para um maior conhecimento, muito mais apurado e profundamente esclarecedor quanto a natureza irreal pela qual vivemos durante décadas identificados como sendo nosso eu real. Em seu devido tempo, o profundo conhecimento dessa identificação ilusória, poderá se fazer nutritiva, como uma espécie de seta orientadora para outros que estejam próximos dos portais de semelhante experiência que se traduz em novos níveis de percepção e consciência. No deserto, só o real sacia, portanto, tudo que é temporal é como colorida miragem a ser descartada. Aqui, a coragem para a ação do desapego é essencial. Abrir mão do insatisfatório conhecido para a incógnita do desconhecido, para o ego, é algo profundamente apavorante. De fato, por ser um momento profundamente angustiante, não raro, aqui muitos abortam o processo optando pelo conhecido, com suas pesadas correntes da escravidão servil, as quais são impostas pelos seus não enfrentados medos. Outros, menos racionais, diante da incapacidade de fazer frente às suas profundas dores emocionais, infelizmente, acabam optando por uma atitude insana que tem por resultado, um estado de birra glorificada, a qual coloca fim numa conflituosa existência. Para fazer frente à este doloroso momento de dores de parto, é imprescindível a consciência de que não somos o corpo, os pensamentos, as emoções e os sentimentos; é preciso a consciência de que somos muito mais que isso, de que somos a Consciência Observadora que se faz manifesta quando em meditação, quando em estado estado de inação e profundo silêncio.
Nelson Jonas