Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

26 julho 2007

As flores de plástico não morrem

Já fazia mais de um mês que Celsão não dava o ar de sua graça. Mesmo com a fraca chuva da manhã, como sempre, com sua bicicleta, de mochilas e o velho blusão de lã verde, aqui estava ele com sua simplicidade. Pelo seu olhar carrancudo e pelo tom de sua fala ao me cumprimentar, pude perceber que ele não estava bem e que algo desagradável havia lhe ocorrido.

- Fala Celsão! Ainda bem que "quem está vivo sempre aparece!"

- Não sei não, Jr! Desculpe-me pela franqueza, mas, acho que esse seu dizer não está muito coerente com o que vejo...Para mim, quem "realmente" está vivo "nunca aparece"... Só os "mortos" tem essa necessidade doentia de aparecer. Essa imatura necessidade de estrelato é só para aqueles que já apagaram a chama interna que produz o brilho do próprio olhar: quem está vivo é um anônimo.

- Interessante!

- Você pode constatar isso com seus próprios olhos: a sociedade só enxerga o que é ilusório; eles não têm olhos para o Real. Eles estão em busca, tão somente, do que é temporal e não daquilo que é atemporal.

- Nesse ponto, estou 100% com você!

- Se você estiver correndo, como todo mundo, atrás do que é ilusório, do que é temporal, então, eles têm olhos para você. Você corre o risco de ser rotulado como um "homem de sucesso", alguém que está "se dando bem na vida"... Você passa a ser visto porque, de certo modo, você também está explorando os outros, assim como igualmente está sendo explorado. Agora, se você estiver seriamente engajado num processo de "auto-exploração", de auto-conhecimento, e por meio desse autoconhecimento deixando de explorar e de também ser explorado, então, você não aparece. Além de não aparecer, passa a ser logo rotulado com vários nomes, tais como: vagabundo, preguiçoso, problemático, neurótico, alguém que não leva nada a sério, e assim por diante... Meu irmão, quer saber de uma coisa?

- Diga!

- Já estou com o saco cheio disso! Já não agüento mais as cobranças dos meus familiares e de alguns conhecidos!

- Por quê? O que mais está pegando?

- Grana! Neste planetinha, o que mais é grana!... Parece que aquilo que realmente mantém uma família "unida" é a tal da grana...

- Será que você não está sendo severo demais?

- Que nada!... Se você têm grana, se você colabora com a enorme soma de superficialidade, com aquele monte de supérfluas necessidades desnecessárias, então, tudo bem! Você é um membro querido da sua família. Caso contrário, você já não é mais querido, passa a ser um peso, um estorvo para a sua família. Então me questiono: Quem realmente é o querido? Eu ou o dinheiro que coloco em casa?... Quem é que tem mais valor? Eu ou aquele montinho de papel impresso numa gráfica qualquer com o patético nome de "Gráfica do Tesouro Nacional"?... O dinheiro fala? Quem tem mais poder de falar, eu ou o dinheiro?

- Caracas!

- Quem estaria ficando louco?... Eu por não sentir a necessidade de correr atrás desses valores que para mim pouco valor tem, ou eles, por se submeterem a verdadeiras loucuras para conseguir garantir os mesmos?... Cara, estou puto de raiva!

- E qual o problema de se estar com muita raiva? Por acaso, negar os seus sentimentos ou os seus instintos básicos tornaria você mais humano?

- Claro que não! Estamos carecas de saber isso! Creio que ao contrário: somente observado os mesmos sem a menor sombra de julgamento, racionalização ou justificação é que pode me devolver a qualidade por muitos negligenciada de ser humano. Vejo que é justamente em razão de se perseguir esses ditos "valores" destituídos de real valor, é que muitos descartam o que há de maior valor em si mesmos: sua humanidade, ainda que adoentada.

- Não é preciso ser filósofo ou um grande pensador para ver a realidade do fato que você está me falando. Abra um jornal ou ligue um aparelho de Teleilusão e você terá uma seqüência interminável de fatos do cotidiano de diuturnamente abalam cada vez mais a humanidade da dita humanidade.

- Pois é, cara! Agora eu lhe pergunto: você consegue ver algo de humano na carga horária de trabalho, para muitos de 8 a 10 horas, convencionalmente aceito por todos, em troca de uma verdadeira ninharia? Está correto dedicar mais da metade do seu dia em troca de algo que mais se parece com esmolas? Acha que existe algo de humano em ficar brigando por um lugar na condução, enfrentar em média 3 horas na mesma entre ir e voltar do seu local de trabalho? É humano tamanho trabalho por um trabalho? Você acha que existe algo de humano na atual situação do transporte público? Os caras agora estão fazendo um baita barulho por causa do transporte aéreo, que é um privilégio de uma pequena fatia populacional, no entanto, não existe o mesmo barulho com relação ao transporte urbano, ao transporte da massa, do povão... Você já pegou o Metrô na Estação Sé, sentido Zona Leste por volta das 18:00 horas?... O que existe de humano ali? Estamos sendo tratados como animais de abate em direção ao abatedouro... Existe uma espécie de curral que impede que um "animal" passe por cima do outro animal... Qual a diferença existente entre um abatedouro e a estação Sé do Metrô? Para mim, nenhuma!

- Para mim, já há uma grande diferença!

- Qual?

- Um abatedouro é muito mais humano!

- Como assim?

- Um abatedouro leva à morte em poucos minutos e com uma ou duas pauladas na cabeça. Já esse sistema capitalista, bate diariamente em nossa cabeça com o martelo do consumismo, com o qual nos vai "abatendo com dor" homeopaticamente.

- Sim, sim, você está com toda razão! Eles vão tirando o sangue da população, lentamente, sem que eles consigam ter consciência desse macabro processo. Para que o gado humano não perceba os gritos de abate de algum boi, eles inventaram o aparelhinho de MP3. O gado diariamente, a caminho do local de trabalho, enfia os fones nos ouvidos e "áudio se transporta" dessa realidade desumana. É preciso muita música externa para abafar o barulho do silêncio provocado pelo vazio interior. Ninguém quer ouvir nada! O pior de tudo, é que o gado lá de casa não se conforma por eu querer me "desgarrar" da manada que só dá lucro para o dono da fazenda... Você sabe o que quer dizer a palavra "fazenda"?... Conjunto de bens, haveres, grande propriedade rural, de lavoura ou criação de gado, recursos financeiros do poder público... Que poder público é esse em que o público não tem poder?... O gado lá de casa quer que eu seja mais um "executivo" executando a lei de consumo, sem a menor dó ou simples reflexão.

- Em outras palavras, eles querem que você se "vende" e "venda" a sua integridade, a sua humanidade.

- Sim, para eles, isso não tem valor algum, afinal de contas, isso não paga contas! Cara, está tudo invertido! Os caras trocaram o Real pelo ilusório!

- Você sabe por que meu amigo?

- Diga!

- Gostaria de lhe responder com mais propriedade, no entanto, o Sr. Yugi está chegando e eu preciso falar com ele agora. Faz o seguinte, vai para casa pensando nesta resposta: "Por que eles pensam que as flores de plástico não morrem!"

- Como assim?

- Vê se dá para você passar amanhã à tardinha para um café, assim podemos falar mais sobre isso! Enquanto isso, continue viajando nas estradas da vida, tocando sempre o seu "berrante", não para tocar a boiada, mas quem sabe, para provocar um verdadeiro estouro! Quem sabe assim, o dono da fazenda um dia caia do cavalo e repense em como tratar melhor o gado colocado aos seus cuidados. Vai nessa! Cuida-se! Transmita um efusivo abraço financeiro em sua família!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!