Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

18 julho 2007

A culpa e a energia desconhecida

Ele chegou com sua velha boina de lã, azul-marinho, com seu guarda-chuva a tira colo e o simpático sorriso de sempre no rosto. A quase um mês e meio que estava sem me brindar com a sua visita e sua boa prosa. Por volta dos 75 anos, aposentado e com os filhos já formados e morando no exterior, senhor Elton, dedica boa parte do seu tempo entre pesquisas literárias, viagens para o seu pequeno terreno em Ubatuba e conversas nutritivas ao pé do balcão.

- Ora, ora! Que bons ventos lhe trazem aqui, senhor Elton?

- Vim até aqui por que já estava com saudade e por que ainda tenho muitas arestas que precisam ser lapidadas e que estão atrapalhando minha vida. É por isso que venho aqui. Nossas conversas sempre me lapidam um pouco!

- A mim também, pode ter certeza! Então, você é como um diamante bruto que precisa ser lapidado?

- O pior é que, para a minha idade, acho que está bruto demais!

- Está difícil acabar com os condicionamentos?

- Bota difícil nisso meu amiguinho! Quisera eu ter descoberto tudo isso com a sua idade! Teria evitado um grande inferno em minha vida. E, o pior de tudo, é que eu só tenho dois livros do K, mas tudo que está lá, realmente faz muito sentido. É pura verdade! Sabe que por várias vezes tentei sair fora, negar aquilo que ele escreve ali; bate aquela resistência, mas não tem jeito: mais cedo ou mais tarde cai a ficha de que aquilo é verdade. A vontade é optar pelo escapismo, mas, uma vez aberta as portas da consciência, torna-se impossível fechá-las novamente.

- Isso é um fato!

- Se tentar escapar, o resultado é sofrimento e choro na certa! É fogo! Existem dois tipos de choro: os de alegria e os de sofrimento! Quando você se emociona e chora por causa de uma coisa boa, isso é muito bom. No entanto, o choro por causa da tristeza e da dor é realmente muito duro!

- O choro da depressão não é melzinho na chupeta não! Esse é terrível!

- Dói demais!

- Mas se o senhor parar para pensar, essa dor da depressão é uma verdadeira benção... Dizem que muitos dos seres humanos funcionam como um fusquinha 64: só pegam no tranco. E quer tranco melhor do que uma apurada depressão?

- Sem dúvida! Tem muita gente que se não levar um tranco desses não sai da insignificância do script global. Ficam na mesmice, ou como você mesmo diz, na conformose, na doença do conformismo e da zona de conforto. Não sei não se eu mesmo não sofro dessa doença.

- O pior é que enquanto a pessoa não se conscientiza dessa doença, quanta energia e dinheiro desperdiça com a mesma!

- É verdade! Isso me fez lembrar que uma certa vez eu chamei um rapaz que mora em frente de casa – ele é pedreiro – eu o chamei para fazer uns concertos em casa. Você sabe como é, numa casa sempre há alguma coisa para se fazer. Aí, não sei como é que foi a conversa que eu comentei que não tinha o dinheiro suficiente para pagar aquilo que ele estava me cobrando pelo serviço. Disse-lhe que meu dinheiro não dava para cobrir o orçamento por ele dado. E ele, sorrindo me respondeu: "Que é isso seu Elton... Dinheiro na sua mão é igual a coceira em cachorro: não acaba nunca!"

- É uma verdade mesmo, parece que coceira em cachorro não acaba nunca!

- E de resto? Quais as novidades que o senhor me conta?

- Ah!... A gente vai vivendo, né? Vai lendo um pouquinho aqui, um pouquinho ali, mas sempre o menos do que nos é necessário! Sempre menos do que devia!

- E o livro que o senhor é, o senhor está lendo?

- O que?

- O livro que o senhor é... Está lendo?

- Xi! Nem me fale! Esse, pouquíssimo! Eta livrinho chato! Daqui a pouco estou chegando ao seu final e ainda não li nada de interessante!

- Pois é! Mas se o senhor não se atrever a ler com propriedade o livro que o senhor é, nunca será capaz de ter um encontro ao vivo e a cores com o seu autor!

- Tem razão! Rapaz, ando muito relaxado! Houve um tempo em minha vida, que levou longos anos, em que me habituei na pratica da meditação. Nesse período, eu acordava sempre de madrugada para praticar a meditação. Sabe por que?

- Não faço idéia!

- Porque de madrugada é o horário de maior silêncio... É o melhor horário para você meditar!

- Por quer o senhor acha isso?

- Por que a noite sempre tem alguém acordado e de dia, o excesso de barulho atrapalha. Durante o dia, os constantes convites para a solução dos problemas sempre nos chamam... Então, a madrugada é sempre o ideal para a prática da meditação. E já faz um bom tempo que eu ando com uma má disposição para acordar e praticar a meditação; principalmente neste frio.

- Então, o senhor está querendo me dizer que não está querendo "acordar"...

- Isso mesmo! Não estou querendo acordar, quero ficar dormindo, tanto na cama como na vida também!

Risos...

- Não quero sair do conforto do meu sono... Engraçado! Uma das coisas que está escrito nas entrelinhas dos textos do K, é que quando não estamos cansados a energia é muito grande.

- De fato!

- Eu não sei se você está acompanhando como eu, as competições dos jogos do Pan...

- Muito pouco senhor Elton!

- Rapaz! É incrível a energia que o ser humano tem! É incrível o que um ser humano consegue fazer quando sabe fazer bom uso da sua energia natural. É incrível o poder da energia que o ser humano possui e que, no entanto, desconhece.

- De que jeito? O ser humano vive diariamente queimando energia desnecessária com o processo dos seus pensamentos acelerados.

- Sem dúvida alguma, como diz o K, é a própria mente que fica roubando toda a energia! Outro dia vi uma reportagem na televisão sobre dois, assim chamados "super-atletas". Não sei se você teve a oportunidade de ver. Eles vão participar de uma maratona de 40 quilômetros e durante a entrevista, um deles disse que parte do treino é correr uma média diária de 70 quilômetros. Já pensou que coisa incrível? Logo depois deles, teve um comentário de um médico que afirmou que estes super-atletas são grandes candidatos a um AVC, um enfarto, um problema cardíaco. E perguntaram para um dos atletas se ele não se preocupava com isso e ele respondeu que não se preocupava, pois não sentia nenhum tipo de cansaço. Percebe quanta energia tem o ser humano?

- Sem dúvida!

- Sabe meu amigo, o que realmente nos cansa, o que nos rouba muita energia são os nossos problemas emocionais, a depressão, a culpa, essas coisas todas que nos acometem no dia a dia.

- Então? Mas para o senhor, qual é a natureza exata desse desgaste de energia? De onde surge a culpa?

- Boa pergunta? Gostaria que você me respondesse?

- Através de qual instrumento do seu corpo que você a percebe se manifestando?

- Através da minha consciência.

- E a sua consciência é um aglomerado do que?

- Pensamentos!

- Claro! Por isso é que temos que ficar de olhos bem abertos para os mesmos! Pode ver que esse negócio de culpa é tudo mentira. Mentira é fruto de uma mente irada e a mente é como um macaco pulando de galho em galho na selva do condicionamento humano, como já dizia Buda.

- Gostei!

- A culpa faz parte do arquivo morto! O senhor já viu um empresário, ao deixar sua empresa, carregar para casa em suas costas o pesado arquivo morto?

- Não nunca! Você disse uma coisa interessante: a culpa está sempre no passado!

- Pois é! Arquivo morto!

- Então para que carregá-lo? Parece que a gente gosta de carregar peso desnecessário na mochila, não é mesmo?

- Fomos condicionados desde a nossa infância a isso! Os métodos de educação era sempre baseada no medo e na culpa. Ao invés de uma educação voltada para a formação de uma consciência amorosa libertadora, fomos educados num paralisante sistema de medo, culpa e vergonha. Isso para mim é um fato! Sempre uma educação punitiva. E uma criança educada nesses moldes, não tem a menor chance de não se transformar num adulto "culpável".

- Olha meu amigo, digo-lhe que para mim, isso é um verdadeiro inferno. Na minha infância e na minha adolescência eu fui criticado muito e fui criticado por pessoas que tinham importância psicológica para mim.

- Pessoas emocionalmente significativas!

- Sim! Então, eu recebi aquilo com um impacto muito forte. Então, hoje, estou batalhando muito para não ser mais influenciado pela culpa. A minha maior luta, o meu maior esforço, você não vai acreditar é com a minha culpa. Eu sou uma pessoa muito imperfeita e isso, por vezes, me deixa doente de culpa. A culpa vem rápida, sem avisar, e, para sair, só eu sei o quanto demora! Percebo que a culpa e a raiva andam de mãos dadas pelas estradas da vida. Quando criança me jogaram muita culpa nas costas e confesso que nunca soube como lidar com ela, bem como com a raiva. Na ocasião que me jogaram eu fiquei com muita raiva por que não podia de forma alguma reagir; não podia enfrentar, as condições não me permitiam. Diante da culpa, a minha reação sempre foi a de sentir raiva e eu acho que é uma coisa muito ruim sentir raiva de si mesmo. A raiva é sempre um mau negócio.

- A neurose da culpa é uma coisa fora do comum, judia demais.

- Rapaz... É fogo!

- Bota fogo nisso!

- Mudando de assunto... Coisa pequenas que eu vejo, que eu leio, que eu ouço, que eu observo, que eu assisto em palestras, em livros, em conversas... Qualquer coisa que vejo no cotidiano, se for interessante eu escrevo sobre aquilo. E já tenho alguma coisa escrita de trechos de livros que leio. Nem tudo num livro é bom, nem tudo é especial; tudo que me é especial eu escrevo. Eu tenho, por exemplo, vários cadernos com coletâneas de pensamentos, poesias, crônicas de vários escritores. Tenho também muita coisa minha, muita não: um pouco! Agora, eu tenho muita coisa de outras pessoas. Essas coisas boas, se eu der para você, tenho certeza de que irá gostar. O que eu escrevi, se você for submeter a um julgamento, com certeza vai me mandar jogar tudo fora.

- Dá uma olhadinha na imagem que o senhor tem de si mesmo! Por que o que o senhor escreve não pode ser tão bom ou melhor do que aquilo que foi escrito por outras pessoas?

- Não sei! Para mim é bom, mas a humanidade é muito ingrata, eles não dão valor a alguém que não tenha vários diplomas espelhados pela parede de uma sala qualquer... A humanidade tem um péssimo gosto: crucificaram Jesus, tacaram fogo na pobre da Joana D'Arc, no Giordano Bruno e no Galileu, pregaram Pedro de ponta cabeça, envenenaram Sócrates... Rapaz, a humanidade está muito sonada, prova é que nos últimos anos, ainda reelegeram o Lula...

Risos...

- Pior ainda: reelegeram Collor de Mello, Maluf e vai companhia limitada... Que coisa terrível!

- Pois é! Desse sono chamado política, parece que nosso povo não vai querer acordar mesmo!

- Nossa prosa está muito boa, mas tenho que ir para casa, pois já está quase na hora do almoço e se me atraso, a patroa reclama. Foi muito bom estar aqui com você! Tchau JR, tenha uma ótima semana!

- Até a próxima senhor Elton!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!