Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

16 julho 2007

Reflexos do “si mesmo”

Apesar do fato de estarmos em pleno inverno, a noite apresentava-se bastante quente.

Por causa da greve dos metroviários, vários participantes da reunião chegaram bastante atrasados.

Era a primeira vez que aquela jovem estava participando da nossa reunião e, para tanto, havia cruzado toda a cidade, com seu trânsito congestionado. Disse-nos que durante todo o trajeto, por várias vezes passou em sua mente o desejo de deixar de lado a reunião e voltar para o aconchego solitário de sua casa. No entanto, algo no mais profundo do seu ser sussurrava que a transformação pessoal está na arte de se observar e se contrariar. Decidindo seguir as sugestões dessa fala mansa e suave, deixou de lado a sugestão pelo retorno à sua zona de conforto e, contrariada, partiu em nossa direção.

A sala onde são realizadas as nossas reuniões fica nos fundos do prédio de uma instituição espiritualista, no entanto, não temos qualquer ligação com a mesma, sendo que apenas locamos uma de suas salas pelo valor de um aluguel simbólico. A sala que alugamos é a última ao longo de um estreito e escuro corredor.

Quando foi dada a palavra para a jovem visitante, esta começou a "praguejar" quanto à distância do local, da lentidão do trânsito enfrentado, do péssimo estado de conservação do prédio, da escuridão do corredor cercado por grades e portões de ferro e que o mesmo mais se parecia com um daqueles corredores da morte dos campos de concentração em Auschwitz. Deixando de lado a sua tendência à birra infantil de praguejar, havia em sua fala certa coerência com relação a semelhança do corredor com os corredores da morte de um campo de concentração. Para os que estão ali seriamente concentrados, esse corredor pode realmente levar à morte, o velho rabugento "eu" condicionado.

Quanto ao restante do conteúdo de seu praguejar, não passavam de inconscientes reflexos de sua própria realidade interna: uma mente condicionada nunca gosta de se ver de frente com as grades de ferro do corredor sujo, escuro, estreito e limitado que é, além do fato de aquilo que é nunca oferecer uma zona de conforto.

Nossa jovem visitante demonstrou também através da sua fala ansiosa o quanto que está doente do olhar, uma vez que possui olhos de ver, mas que não conseguem ver além da superficialidade dos fatos. Com certeza voltará para casa enfrentando além do trânsito externo, um verdadeiro congestionamento mental.

A idéia de transformação está sempre no tempo psicológico, no vir-a-ser, na não aceitação do que é em suas respectivas fugas. Metas de mudança e critérios de sobriedade fisíca e emocional, não tem o poder de produzir a verdadeira transformação. A idéia de superação gradual das próprias debilidades é um dos maiores fatores estagnantes que impede a percepção da natureza exata de todo comportamento gerador de conflitos.

O compartilhar das experiências de alguns membros mais antigos do grupo, quase sempre se mantém preso nas maçantes e repetitivas histórias do passado, o que representa uma notória fuga da própria realidade do agora. Esse constante repetir do passado nega a essência do "só por hoje" e sem a consciente observação do hoje, torna-se impossível uma real transformação... A máscara da espiritualidade impede a capacidade de contato consciente com a própria realidade do agora e gera um visível estado de hipocrisia.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!