Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

12 julho 2007

O jogo da vida

Estamos começando mais um dia. Meu corpo está bastante dolorido devido o esforço físico feito no jogo de ontem à noite. Há um mês voltei a praticar futebol, depois de quase seis anos distante das quadras e sem praticar qualquer outro tipo de esporte. Meu esporte predileto sempre foi o futebol, talvez pelo fato de, através dele, ter vivenciado minha primeira experiência de aceitação, graças a minha habilidade com a bola. No entanto, decidi parar com a sua prática devido o clima agressivo durante as partidas e também pela ausência de boas conversas ao término do jogo.

Na maioria dos "times" pelos quais passei, não encontrava um grupo de pessoas com o objetivo primordial de se divertir com a prática esportiva, mas sim, dispostas a um clima quase que de guerra, sempre com muitas jogadas violentas, discussões e agressões verbais, sempre embasadas no estúpido ditado popular: "futebol é para homem". Como esse tipo de homem não tem nada de inteligente, inteligentemente decidi abandonar as quadras.

Há um mês, enquanto tomava um café na padaria para aliviar meu tédio, fui convidado por um dos balconistas para fazer parte do time dos comerciantes do bairro. A idéia de voltar a praticar, ainda mais com os conhecidos locais, em muito me agradou. Aceitei o convite prontamente. Completamente diferente das minhas experiências passadas, encontrei um grupo bem descontraído, onde, o que mais importa é suar a camisa e se divertir com os amigos. Estou lá há um mês e até agora, não presenciei sequer um bate boca ou uma jogada mais agressiva. Há um verdadeiro espírito esportivo e de descontração amigável.

Tenho jogado sempre contra dois fortíssimos adversários: a pouca idade da maioria dos participantes e o meu péssimo condicionamento físico. Passo a maior parte do tempo, literalmente correndo atrás de ambos. Modéstia a parte, sempre joguei muito bem e tinha um excelente preparo físico. Seis anos foram o suficiente para que eu perdesse a forma, o pique, a noção de espaço e tempo, a flexibilidade, a elasticidade e a capacidade de acompanhar fisicamente os insights das boas jogadas. A visão intuitiva se manifesta, mas o corpo não acompanha. Quando isto ocorre, sinto na pele a impotência física por perceber que os músculos não acompanham a jogada mental.

Outro grande adversário que tenho é a imagem que carrego do meu desempenho passado, que inevitavelmente traz consigo outro fortíssimo adversário: a comparação. Esta quando se apresenta com suas entradas violentas sempre acarreta dores e frustração.

Cada jogo tem sido um trabalho árduo de aceitar a minha atual limitação, mas sempre acompanhada da boa vontade de melhorar meu preparo físico. Quando o time em que estou é eliminado, sento-me na estreita arquibancada e, atento, observo o movimento de cada jogador em quadra. Isso tem sido uma ótima terapia, uma verdadeira escola para quem era viciado em "ter que ganhar a qualquer custo". A cada jogo sinto uma pequena melhora em todos os sentidos e isso é a minha grande vitória. Os resultados mais importantes já não se encontram fora, no limitado espaço entre as redes, mas sim, dentro do infinito e desconhecido espaço que sou eu.

Isso me levou a meditar sobre o atual momento psíquico que atravesso. Durante anos e anos da minha existência, a verdadeira inteligência se manteve em profundo estado sedentário. Nunca houve um treinamento, um preparo ou uma concentração voltada para ela. Fui sempre condicionado pelo pensamento coletivo condicionado. O pensamento condicionado, sempre foi o meu técnico, o meu preparador; foi sempre ele quem preparou a dor que literalmente me deixou no banco, com reservas, impedindo-me o desfrute com totalidade.

Depois de muitos anos despertei para a necessidade de sair do sedentarismo mental e iniciar a prática de um esporte que realmente é saúde, que é vida. Como no futebol, inicialmente, a prática da observação dos meus condicionamentos mentais e físicos, também causou um "desconforto físico", o qual nomeei de "síndrome de abstinência do pensamento compulsivo condicionado". O corpo todo doía, o suor era intenso, oleoso e fétido. Ocorriam distúrbios de sono, dificuldades na noção de tempo e, por vezes, uma profunda letargia.

Como no futebol, também tenho enfrentado fortíssimos adversários: meus velhos condicionamentos mentais e a doentia e, por vezes, agressiva e violenta tentativa de influência de terceiros.

Como esta prática é muito recente, às vezes me pego "marcando falta" numa dessas áreas e eu mesmo aplico o cartão amarelo para continuar no jogo com mais atenção, lembrando-me de não entrar em bola dividida. Por vezes, isso também me causa um sentimento de impotência diante do despreparo psíquico, do condicionamento mental e das forças dos pensamentos acelerados.

Não é nada fácil perceber a distância entre o conhecimento intelectual e a realidade das reações condicionadas. Os músculos psíquicos, por ainda estarem desatrofiando, muitas vezes não respondem com a mesma rapidez com que se manifesta a "visão intuitiva". A mente atrapalha em muito. Quando isso ocorre, sento-me na arquibancada da vida e observo cada movimento, aprendo com meu "técnico interior", que a tudo observa pacientemente; este "técnico" de forma alguma me quer ver isolado e com reservas num banco qualquer da vida: ele quer me ver em constate e autêntica relação.

Ao contrário da minha prática esportiva de todas as quartas-feiras, este jogo não é limitado pelo tempo cronológico do relógio da quadra. Este jogo sempre ocorre no presente ativo, neste eterno agora. A cada segundo do jogo há o trabalho amoroso de aceitar as minhas atuais limitações, sempre acompanhado da boa vontade de melhorar meu preparo psíquico para poder observar com mais clareza, as jogadas do meu adversário, que é o meu próprio pensamento. Isto tem sido uma grande terapia, uma grande escola sobre o "mim mesmo".

A cada observação, percebo uma pequena melhora na amplitude dos meus sentidos e isso em muito me gratifica. Isso tem me dado forças para continuar no disputado jogo da vida, disputa essa que já teve seu inicio com o grupo dos espermatozóides do senhor meu pai. Neste jogo da vida, vou jogando até ouvir o apito final, se é que exista o tal apito final, pois já começo a desconfiar que o mesmo não passe de outro condicionamento, apenas mais uma ilusão.


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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!