Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

10 julho 2007

A Mente Tagarela

Manhã de inverno. Apesar do sol e o imenso céu azul, a brisa gélida não permite a totalidade do calor solar. Boa parte dos comerciantes locais, assim como eu, estão na porta de seus comércios "jacareando" e observando o movimento.

Os dois garis, apesar de suas roupas de tom alaranjado, são imperceptíveis para a grande maioria. Apressadamente limpam as guias das calçadas.

O fluxo dos ruidosos automóveis e coletivos, hoje, está bastante intenso, tal e qual o fluir dos meus pensamentos. Há raros momentos, quando ocorre a ausência de automóveis, em que um silêncio fecundo se instala. Nesse silêncio, a observação do ambiente é quase que holística. Digo quase, porque o trafego ininterrupto dos meus pensamentos impede a ação do desfrute em sua totalidade. Momento sagrado deve ser esse em que ocorre a plenitude do silêncio...

As pessoas parecem que não suportam o silencio, a solidão e a vacuidade.

Uma pomba cinza, em vôo rasante, rasga o céu em alta velocidade. Um pequeno vira-lata, de cor parda, com uma desgastada coleira de couro preta, vasculha as calçadas em busca de restos de alimentos. O gemido gritante da serra da fábrica de portões ecoa pelo ar. O vizinho, cabeleireiro, em pé diante da porta do salão lê o jornal "primeira mão". Sem tirar o seu olhar do jornal, exclamou em voz alta, atrapalhando minha meditação:

- Eu não paguei por este sol, mas com certeza, Aquele que é muito maior do que eu pagou por mim!

Uma pequena raia plástica branca, com uma estrela azul em seu centro e uma curta rabiola, baila no céu azul sem nuvens. Um outro pipa, bem maior, vermelho e de rabiola preta, avança rapidamente sobre a pequena raia. O céu está tão límpido que se pode ver facilmente o entrelaçar das linhas brancas. Há um enorme espaço azul para ambos, mas até nisso, o prazer não parece estar nos desfrute, mas sim, na competição pelo poder aéreo. A pequena raia é recolhida as pressas, tal e qual os passos do funcionário da leitura da água.

Um senhor com um uniforme de frentista de posto, desacelera seus passos largos para colher algumas pitangas ainda não amadurecidas. Ele, sem dúvida alguma, é um caso raro de sensibilidade.

Alguns dizem que a pressa é a inimiga da perfeição. Eu acrescento que a pressa é também inimiga da observação. As pessoas estão tão aceleradas que não observam quase nada do que ocorre em sua volta. Não reparam no céu, nas árvores, nos passos, nas pessoas (nem mesmo dentro de elevador do prédio onde moram). Eles estão ligadas no automático, num estado robótico. São presas do automatismo acelerado. Creio que é por isso que a mente é tão tagarela. Todos estão correndo com os problemas criados pelos próprios pensamentos, ou então, inconscientemente correndo dos próprios pensamentos.

Eu mesmo, enquanto medito nestas linhas, sou atacado por um caminhão de pensamentos desta mente tagarela que tenta impedir a ligação com a realidade. Ela me diz que eu "deveria" estar fazendo algo de útil, menos estar observando o fluxo dos acontecimentos... "Você deveria estar pensando em algo que pudesse lhe render mais dinheiro"... "Esse negócio de beleza interior é bom para decorador"... "Até quando você vai ficar nessa de se sentar embaixo dessa árvore e ficar filosofando sobre a vida? O que você precisa é de dinheiro, posição e prestigio!"...

A mente não para de tagarelar as mensagens provenientes do passado, da tradição que insiste num modo de vida pautado na sobrevivência e exploração conformista: "Comerás através do suor de teu rosto"... A vida tem que ser levada com a barriga e não um desfrute... "Esse papo de buscar pela excelência do ser é balela, você precisa é ser uma pessoa bem sucedida financeiramente, isso sim é o que importa!"... Observar o sol, o céu, o clima, as pessoas, os pássaros, as plantas, as pipas, o cão, os garis, em plena manhã de terça-feira... Isso é luxo de aposentado! Um jovem como você deve trabalhar duro para garantir sua aposentadoria... A vida é dureza!

Se isso é um luxo para aposentados, então, me pergunto: por que as pessoas dizem que quem se aposenta morre cedo? Talvez, porque durante a ativa do seu modo de vida autômato e acelerado, nunca se deram a oportunidade de aprender a arte da observação e do desfrute. E mesmo agora, em meio do luxo e do lixo conquistado, não sabem como desfrutar. Vivem inquietas!...

Vou continuar na minha: não quero luxo, nem lixo; meu sonho é desfrutar do total.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!