Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

06 junho 2007

Qual é o seu medo real?

O telefone tocou por volta das 11:11min. interrompendo minha meditação sobre um texto de Krishnamurti, extraído de uma palestra feita em Ojaí em 1931. Do outro lado da linha, um jovem amigo evolutivo, um tanto chateado devido a noticia do quadro clinico de uma grande amiga nossa...
- Bom dia Roberto!
- Bom dia JR!
- E aí? Melhor? Como é que está a sua aceitação hoje?
- Que nada! Continuo na mesma. Se quiser saber, acho que até pior; estou só o pó! Não estou conseguindo aceitar a morosidade dos acontecimentos. Esse sentimento de impotência está me comendo aos poucos... Consegui uma consulta para hoje de manhã com um oncologista de renome, um dos mais conceituados do momento, mas nossa amiga não aceitou a consulta. Só para você ter uma idéia da dificuldade de se conseguir uma consulta com este profissional, se fosse pelos trâmites normais, só conseguiria uma consulta para o final do mês de agosto. Consegui para hoje, bem cedo, no entanto, ela não aceitou a minha ajuda. Não consigo entender o porquê da recusa. Não consigo compreender a postura dela e isso me deixa muito mal.
- Meu querido, sinto-lhe dizer, mas, creio que você está um tanto equivocado. Você está colocando o foco na pessoa errada. Não é a postura dela que você precisa compreender, mas, a sua própria. Você acredita mesmo que o seu sofrimento esteja sendo criado pelo comportamento dela, ou mesmo pela doença que acometeu nossa amiga?... Creio que você precisa sair da superfície dos acontecimentos e se embrenhar de vez na natureza exata dos fatos.
- Como assim?
- Diante de você, apresenta-se uma grande oportunidade para a libertação da pessoa que realmente você é. Isto pode ocorrer se você não se desfocar e não se derramar no sentimentalismo criado pela possibilidade da perda. Você precisa de muita energia para olhar a natureza exata do seu sofrimento e o sentimentalismo impede a concentração dessa energia vital. Creio que você precisa compreender qual é o seu medo. Primeiramente, tente vencer o medo de olhar com propriedade para o seu medo, oculto no desenrolar dos acontecimentos.
- Mas...
- Por favor, não é para mim que você precisa responder!... Isso diz respeito somente à você. Diante desta situação que se apresenta, na realidade, do que é que você tem mais medo?
- Tenho medo que ela venha a falecer.
- Por favor, não limite-se à superfície... Procure ir mais fundo! Vá para o centro de você; vamos, você não está só! Procure olhar mais fundo...
- Cara, não consigo olhar! É muito doloroso!
- Confie e olhe, você pode! Não perca essa oportunidade... Qual é o seu medo real?
- Acho que tenho medo de perdê-la!
- Você tem medo de perdê-la ou de ficar só?
(...) Neste momento, permaneci em total silêncio, na expectativa de que as palavras criassem um profundo eco dentro de si... O silêncio só não era total devido os chiados da ligação celular.
- Na real, acho que tenho um imenso medo de ficar só! Pensando bem, acho que esse sempre foi o grande fantasma da minha vida. Percebo que quase tudo que fiz até hoje, de certo modo, tinha como base esse medo maldito.
Pude perceber certo constrangimento em sua voz.
- Meu querido amigo, não é preciso olhar para isso com o sentimento de culpa ou de vergonha... Quem não viveu isso que atire a primeira pedra. É preciso muita coragem para olhar isso de frente e muito mais ainda para poder admiti-lo francamente para outra pessoa. Boa parte dos seres humanos - se é que podemos chamá-los de humanos -, fazem um esforço quase que desumano para manter isso bem distante da própria consciência, bem como dos demais. Não é nada fácil arrancar as máscaras e deixar de representar papéis! Todos nós temos um imenso medo de olhar para o que realmente somos, quanto mais, expressar o que vemos, e que por tanto tempo encobertamos. São essas atitudes de honestidade e vulnerabilidade que nos aproximam de nosso verdadeiro ser, portanto, não há do que se envergonhar... Eu valido seus sentimentos e sei que você não está sozinho com eles; agora, só falta a principal validação, a sua.
- Para mim, isso é muito confuso... Meus pensamentos agora mesmo me dizem que isso não tem nada a ver com medo da solidão, mas sim, com o amor que sinto por ela.
- Você acabou de me dizer que seu medo de perdê-la é por causa do medo de ficar só. Como pode ser amor se isso parte de uma preocupação excessiva com o seu próprio bem-estar?... É difícil ver a realidade de que, de fato, não estamos preocupados com o bem-estar do outro, mas sim, com a possibilidade de perdemos a quem nos proporciona a garantia de bem-estar. A natureza disso é egoísmo e não amor. Mas fomos condicionados a achar que isso é amor. Percebe? Faz sentido para você?
- É doloroso, mas tenho que dar o braço a torcer!
- Fique tranqüilo! Esse me parece ser o fundo psicológico da grande maioria dos seres humanos: medo da solidão. Temos medo de ficarmos sós, nus diante de nossa própria insuficiência. E não é para menos, pois nunca fomos incentivados para isso. Fomos sempre influenciados e incentivados para um modo de vida codependente. Hoje, para mim isso é um fato. Creio que é por isso que tememos tanto a morte; ela é a plenitude da solidão. Não há como fazer essa viagem acompanhado; nesse pedágio passamos a sós. Todos têm um grande medo diante da morte... É como diz o ditado chulo: "Quem tem (...), tem medo!" -
É verdade!
- E não é para menos: nunca tivemos uma pedagogia para a inteireza, mas sim, para a fragmentação, para o conflito. Nossa educação não nos permite ver beleza e naturalidade na morte. Olhe para a sua reação diante da expressão: "ver beleza na morte"... Nada natural, com certeza! Não fomos incentivados a olhar para ela, a conviver com ela, nos acontecimentos do dia a dia. Sempre procuraram fazer com que nunca a olhássemos de frente... Sempre a encobertaram, literalmente. No tocante a morte e a solidão, fizeram conosco tal qual o pai que durante a vida permaneceu tampando as tomadas elétricas na expectativa de que seu filho nunca viesse a sofrer um choque violento. E, por não termos aprendido a lidar com a morte e a solidão durante o transcorrer de nossa existência, é que muitos de nós permanecem num verdadeiro estado de choque. A morte ou a simples ausência do outro provoca um enorme vazio em nós que nos revela o tamanho da nossa própria insuficiência – o que mostra a nossa falta de maturidade. Permanecemos como eternas crianças amedrontadas em nossos corpos de adultos. Diante da possibilidade da morte e da solidão, agimos tal e qual a criança perdida de seus pais num corredor de um supermercado qualquer. E são tantos os corredores da vida... E mesmo assim, não aprendemos com nenhum deles.
- Acho que você tem razão!
- Então? O que você decide fazer?
- Não sei!
- Ir para si mesmo ou evitar esse tardio e emergencial contato através da fuga do sentimentalismo? Por que não arriscar fazer diferente? Por que não se abrir para o desconhecido? Por que não abraçar a própria solidão? Por que não compreender o medo da maior das ilusões? Por que não abraçar a própria impotência para poder despertar sua verdadeira potência adormecida?...
- Acho que está mais do que na hora!
- Essa experiência não é só sua; estamos todos juntos nela. Tanto você, como eu, como nossa amiga e seus familiares estamos todos inseridos nela. Cada um está diante de uma preciosa oportunidade. O que vamos escolher? Ficar nos chafurdando no brejo escuro e lamacento do sentimentalismo ou vamos juntos criar "pontes" para a descoberta única, pessoal e intransferível do Ser que nos faz ser? O que vai ser?... Eu já fiz a minha escolha, agora, é com você! E essa escolha, só em solidão você poderá fazê-la. E tem mais, na própria escolha encontra-se a experiência do que é a morte; vive-se para o que se escolhe e morre-se para o que se deixa para trás.
- Isso é profundamente lógico!
- Pois é! Morte e vida estão diante de nossos olhos e em nossas narinas em cada respiração. Então? O que vai ser?...
Novamente houve um breve momento de silêncio acompanhado dos chiados da ligação. Ele soltou um pesaroso suspiro e exclamou:
- Meu amigo, é só por hoje! Vou tentar abraçar isso com carinho!
- Isso mesmo meu amigo... É como diziam na Sociedade dos Poetas Mortos: Carpe Diem, Carpe Diem!

Gostou? Então compartilhe!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Postagens populares

Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!