Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

13 junho 2007

Brincadeira de matar

(...)

- Então, deixe-me ver se eu entendi bem sua pergunta... Você quer saber se eu comemorei o dia dos namorados? Por que eu deveria comemorar o dia dos namorados? Qual o sentido disso?

- Ah! Fala sério! Isso é bom demais, dá um toque de cor em nossa vida cinzenta!

- Ah, sim! Até parece que você não me conhece!

- Já sei a resposta. Perguntei só para encher o saco! Só estou brincando!

Risos.

- Nem de dia dos namorados eu gosto!

- Minha filha foi para o shopping e disse que lá estava lotado! Uma loucura! Não tinha lugar para estacionar o carro, disse que ficou 40 minutos procurando vaga!

- Pois é, e o bairro vazio!...

Ficamos vários minutos em silêncio. Deu para perceber que o silêncio estava lhe incomodando pelo fato de ficar batendo a chave contra o vidro do balcão. De repente exclamou:

- Você ficou sabendo o que teve na Av. Paulista neste final de semana? Teve a "Parada Gay". Lotou, mais de três milhões de pessoas. A Paulista estava forrada dos dois lados!

- Você foi até lá?

- Eu não! Assisti pela televisão! Esta cada vez mais aumentando o número de gays assumidos.

- Pois é, gays assumidos!...

Novamente manifestou-se aquele silêncio de quando não se tem mais nada para se falar...

- Você não me parece bem... Está com algum problema?

- Peguei uma forte gripe e estou com a cabeça pesada e o corpo todo dolorido. Parece que trombei com um elefante!

- É ruim ter que ficar na loja com gripe não é mesmo?

- Fazer o que? Tenho contas para pagar!

- E não é chato por causa dos clientes?

- A gente disfarça, afinal de contas, foram eles que me trouxeram a gripe até aqui!

- É bem provável que foi alguém que entrou aqui!...

Novamente o silêncio, que agora não era total devido o som do escapamento de um carro de boy.

- E aí? Tem feito alguma coisa de bom? Visto algum filme novo?

- O último que assisti foi o "Dejavu".

- Ainda não assisti. É bom?

- Valeu pela pipoca que ganhei na locadora!

- Não está no cinema? Está na locadora? Pensei que ainda estava no cinema!

Mais longos minutos de silêncio!...

- É ruim trabalhar com gripe não é mesmo?

- Se é!

- Quando fico assim como logo um dente de alho; ajuda muito!

Mais longos minutos de silêncio torturantes!...

- Sabe o que eu fiz neste final de semana? Você não vai acreditar!

- Se não vou acreditar nem me conte!

- Não, não, faço questão de contar! Fui jogar Paint Ball, já jogou?

- Nunca tive o mínimo interesse!

- É aquele esporte de guerra!

- Sim, esporte!...

- Meu sobrinho foi comemorar lá o seu aniversário de 16 anos... Chamaram-me na última hora... Estava faltando uma pessoa para completar aí me chamaram...

- Então chamaram você por que estava faltando uma pessoa... Não te chamaram por que realmente queriam sua presença... Você foi como uma tapa buracos, não é isso?

- Não é bem assim!

- Entendo!...

- Levei um tiro, só um, que me acertou aqui na coxa... Deixa eu te mostrar o estrago... Está vendo esta mancha roxa de quase 5 cm de diâmetro? Pois bem, é o resultado de uma bolinha só. Meu cunhado levou quatro dessas na lateral das costelas. Está tudo roxo...

- Esporte!... Entendo!

De repente nossa conversa foi interrompida por um senhor com certa dificuldade no falar...

- Eu não vou comprar não! Só quero saber se o senhor tem algum livro do Buda?

- Hoje senhor, não tenho nenhum livro do Buda!

- Eu pensei que fosse fácil de encontrar. Aqui o nosso povo está terrível, selvagem, matando os pais, matando os filhos, matando os irmãos, a namorada... Não existe mais respeito! O japonês já é diferente, por isso que eu quero um livro do Buda! O japonês é um pouco mais equilibrado!

- Não sei não! Por acaso o senhor assistiu aquele filme sobre o ataque a Pearl Harbor? Viu algum equilíbrio naquilo? E o que dizer do índice de suicídio entre os jovens japoneses?

- Eu estou falando dos nossos japoneses, eles são diferentes dos demais!

- Ah, sim! Entendo!...

- Obrigado assim mesmo!

- Obrigado senhor, precisando disponha! Tenha um ótimo dia!

O silêncio se manifestou novamente enquanto observávamos o velho senhor retirar-se da loja...

- Viu, voltando ao que eu estava falando, olha só... Eu levei só um tiro, um só e olha só como é que ficou – e isso por que já estou a três dias passando pomada!...

- Gostou do "esporte"?

- Na hora ficou só uma marquinha... À noite!... Estava tudo roxo!

- Que beleza de esporte!

- Não fui lá por causa do esporte; fui lá para conhecer!

- Pois bem, agora você pode afirmar que está com o conhecimento à flor da pele e com uma flor bem roxa!

- Pior é que no mês que vem o pessoal vai novamente! Só que desta vez eu não vou! É muito caro! Creio que o pessoal deixou por volta de uns R$500,00 nessa brincadeira...

- Belo esporte!

Ele continuou durante uns quinze minutos explicando-me como era o local, as roupas, as armas, as bolinhas e tudo mais com a maior empolgação, mesmo eu já tendo demonstrado a minha falta de interesse sobre tal esporte. Fiquei na expectativa que em determinado momento ele cometesse um deslize e começasse a falar um pouquinho de si e que saísse da superficialidade do esporte Paint Ball. Ficou só na expectativa mesmo! Quando eu pensava que ele havia esgotado tal assunto, começou a me falar das regras do jogo. Lá se foram mais 10 minutos de Paint Ball... Justamente comigo que estava lendo o livro do Krishnamurti, chamado "Fora da Violência"...

- O que não gostei é que havia várias crianças com menos de 10 anos jogando esse esporte agressivo...

- E quantas crianças acima dos 40 estavam jogando?

- Aí é diferente! O problema são as crianças. Esse tipo de esporte incentiva a violência!

- Você acha errado a prática de um esporte que incentive a violência!

- É claro!

- Então, por que é que foi jogar? Por que desembolsou R$20,00 para isso?

- Fui só para conhecer! Eu tenho controle, só gastei esse valor! O pessoal não! Deixaram a carteira no local!

- Entendo! Só para conhecer... Com controle...

- Essas crianças, amanhã ou depois podem estar ai no meio das ruas querendo fazer igual ao que fazem lá!

- Entendo! As crianças...

- O pior é que se você quiser marcar para este final de semana, não consegue; tem que marcar com quase um mês de antecedência, de tanto que é a procura...

- Acredito! Mau gosto não é exclusividade de poucos!... A vontade de matar virou esporte!

- Você não faz idéia do quanto que o esporte é procurado e de como o pessoal gasta com a compra das armas e demais acessórios... As armas são muito parecidas com as de verdade! A mais barata custa quase R$900,00 e você precisa ver como tem saída!

- Entendo! R$900,00, barata...

Novamente o silêncio, só que desta vez foi mais breve...

- Vou nessa! Outra hora passo com mais calma! Estimo suas melhoras!

- Obrigado!







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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!