Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

12 junho 2007

Conversas básicas com um insatisfeito 100% assumido

flanelinha
Foto: NJRO

Já estava quase encerrando o horário comercial bancário, quando soou o telefone. Para dar uma pausa na minha insatisfação, do outro lado da linha, um velho amigo, também insatisfeito crônico como eu. Há um bom período de tempo já estávamos sem nos comunicar, uma vez que tenho me abstido de ficar no MSN, do modo como antes ficava. Como tenho me dedicado à escrita, pouco tempo tem me sobrado para esse tipo de contato virtual. Nunca fui muito de ficar falando ao telefone, ainda mais agora que as finanças andam bem apertadas. Ele havia me ligado no domingo, por volta das 15:00 horas, no entanto, não pude lhe dar a atenção devida pelo fato de estar com visitas em casa...
- Maurão?... Cara, que bom que você ligou! Desculpe-me por não ficar muito tempo no telefone com você no domingo. Eu estava num almoço com um casal de amigos! Mas diga lá, o que é que você manda?
- Não mando nada! Só liguei para saber como está, uma vez que sumiu e se depender de você, por telefone é que não vamos mesmo nos falar!
- Desculpe-me por lhe responder com a pergunta "o que é que manda"... É que a maioria das ligações que recebo não estão imbuídas do sincero espírito de preocupação com a minha pessoa, mas sim, quase sempre, motivadas pela expectativa de que eu possa solucionar algum interesse pessoal dos que ligam... Ando meio farto disso, principalmente por parte da família. Dá para contar nos dedos as vezes que ligaram somente por que estavam com saudades minha.
- Sei muito bem como é isso! Hoje, minha família resume-se no meu pai, que se lembra de ligar para mim somente no meu aniversário ou em alguma data social. Fora isso, não existe relação. Isso é uma das coisas que mais me ressinto hoje: a dificuldade de manter verdadeiros relacionamentos, aqueles que vão muito além das conversas políticas no balcão de uma padaria qualquer ou do tapete da sala de estar. Vejo que a maioria das pessoas morrem de medo de se relacionarem, fica tudo na superfície... Sinto falta de "conversas nutritivas", sinto falta de intimidade. Essa superficialidade social é um verdadeiro deserto e acho que estou de certo modo, morrendo de sede!...
- E bota sede nisso! Compactuo dos seus sentimentos meu amigo! Até que ultimamente tenho sido abençoado pela visita de vários amigos evolutivos, o que tem me proporcionado boas conversas, as quais tenho tentado compartilhar através do meu Blog.
- Tenho passado por lá! Tenho gostado muito dos textos, principalmente aqueles em que você retrata suas conversas com aquele carinha da bicicleta... - Ah! O Celsão! Esse é dos nossos! Outro insatisfeito! Precisamos marcar uma tarde aqui em casa para vocês se conhecerem! 100% insatisfeito! Sofre de alergia crônica aos condicionamentos sociais! Quando o conheci, estava um tanto revoltado, mas era uma revolta não inteligente... Agora não! Parece que está mais centrado. Acho mesmo que isso faça parte do processo. Lembra-se? Nós mesmos já vivemos esse tipo de revolta... Quando isso rolou comigo quase que o meu fígado foi para o saco!
- E quando rolou comigo, quase que eu é que fui pro saco!... Lembra-se?
- Oh, se lembro! Nem me fale! Eta período dificinho! Confesso que morria de medo que você fizesse uma besteira! Eu mesmo tive várias vezes a vontade de dar um "Game Over", como você sempre dizia. Ainda bem que escolhi apostar mais umas fichas! Mas isso já é passado! Creio que hoje já dá para questionar sem se revoltar! O lance é a rebeldia inteligente e não a revolta inconseqüente!
- Sem dúvida! Hoje estou mais de boa! Só na observação do que é! "O que é", é isso mesmo e acho que não vai mudar nunca. Vai ser sempre assim: banalidade, mediocridade, superficialidade, mesmice e o script social básico... Falando nisso, tenho prestado atenção num fato interessante...
- Diga!
- Você já percebeu que vira e mexe a sociedade vem sempre com uma frase nova?
- Para ser sincero, não tinha parado para ver isso não!
- Pois é! Agora a frase da moda é: "Tô na correria"...
- É mesmo!
- Têm outras que também estão bem na moda, tais como: "Fala sério!", "Tô perdido, não me siga!", "Tô na luta"... Só que tudo isso fica só no modismo, não há uma consciência real sobre o que contém todas essas frases... O cara pede para falar sério, mas ele mesmo não têm seriedade... O cara diz que está perdido, mas nem passa na cabeça dele a realidade desse fato... Está tão perdido que nem sabe que está perdido, e, o pior, é que ainda fala dando risada!
- É vero!
- Apesar de eu estar mais relax, ainda continuo com as mesmas questões que não se cansam de rodar neste cabeção... Liguei também para saber se você já encontrou respostas para aquela velha perguntinha de sempre... Diz aí prá mim: é só isso que viemos fazer nesta merda de planeta?... Pagar os carnezinhos, contas, daí comprarmos algo no qual achamos necessário, mas que é totalmente descartável e depois ficarmos esperando a morte chegar, com aquela veia entupida oriunda de alguma gordura sintetizada em laboratório multinacional?
Risos...
- Esse é o velho Mauro de sempre! Desculpe-me, mas, para essas perguntas, ainda não tenho respostas claras! Mas continuo como você, na observação!
- Eu por vezes fico me questionando se nós não estamos cobrando demais?
- Como assim Maurão?
- Será que não é só isso mesmo? Será que o lance não é se conformar como a grande maioria faz?
- O que? E terminar os dias assistindo Faustão, Gugu, Ratinho e Big Brother?... Tô fora!
- Cara, olho pros lados e só vejo neguinho doido atrás de prestígio, poder, sexo, contas, carnês e tudo mais que possa lhe dar certa respeitabilidade social... Isso para mim é muita mediocridade; não leva a nada! Já passei por essa estrada e não volto mais... O pedágio é muito caro e o fim dela, dá num brejo fedorento, sem vida!
- Conheço isso muito bem! Mas me recuso a acreditar que é só isso... Nem tem como! Já vivenciamos outra realidade. Tudo bem que foi uma amostra grátis, mas para mim, foi o suficiente para não me entregar nesse insano e egoesclerosado modo de vida!
- O que tem me ajudado é que ultimamente tenho viajado muito pela empresa, o que me dá a oportunidade de conhecer vários lugares, pessoas e culturas. No entanto, não me iludo com isso... Sei que logo logo tudo isso também vai virar rotina! Mas, até lá, estou curtindo!
- Maurão, eu estou por aqui, me assumindo como um cara 100% insatisfeito. É um barato como as pessoas reagem quando faço essa afirmação. Elas pensam que estou "deprê" quando afirmo isso. Não têm nada de "deprê"! O que tem é a real, o que é! Ninguém está a fim de ficar com a real, com o que é. Tenho percebido que a honestidade emocional assusta de tal maneira que algumas pessoas até preferem se afastar.
- Ah, JR! Precisa ter saco roxo para afirmar isso diante dos normóticos e mais saco roxo ainda para se assumir como 100% ateu e a toa.
- Vixi! Se falar isso, neguinho sair batendo em retirada, dizendo que você é endemoniado, que falta Jesus em seu coração, que você está com o capeta no corpo e toda aquela papagaiada proveniente de pessoas que possuem seus cérebros atados, feito marionetes sociais... Ninguém quer pensar sobre isso; dá dor de cabeça e para esse tipo de dor, não existe remédio nas prateleiras das farmácias não!
- Eu sei muito bem como é isso! É bem aquela frase que você vivia repetindo e que acabei colocando no site da Cuidar do ser: "Fomos treinados desde criança para sermos o que não somos... agora chegou o momento ser o que eu realmente sou e a lacuna que é criada entre o que sou e o que não sou é a sensação de solidão... É o lado escuro da alma".
- Um dos meus consolos JR, está numa das frases do Schopenhauer... "A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais". Prefiro mil vezes buscar pelo excepcional a me conformar com essa mediocridade coletiva. Definitivamente, tô fora! Eu não troco o meu pior dia de hoje, pelo melhor dia de ontem! Se cheguei até aqui, vou pagar o preço para ver onde é que isso vai dar! Podem até me rotular de excêntrico, de anormal; isso já não me pega mais. Aliás, da normalidade, quero distância!
- Maurão, pode contar comigo que também estou nessa! Não vejo mal algum em ser um excêntrico, ou seja, ser um ser que não está no centro da sociedade, minha rotação é de outra natureza... Me considero um proscrito. Não quero ser mais um que se conforma em dizer que "está na correria"... Isso é o mesmo que dizer que não está pensando! Eu prefiro mesmo apostar as fichas na recuperação da minha individualidade original, mesmo que aos olhos dos outros, ou seja, visto como um cara esquisito. As pessoas falam as palavras, mas limitam-se na sua superficialidade. Elas não vão mais fundo em sua etimologia... Você alguma vez abriu um dicionário para ver o significado da palavra "esquisito"?
- Não JR!
- Pois bem, "esquisito" é o cara que não é usual, que é fora do comum, que é raro, precioso, fino, invulgar, excelente, delicioso, requintado, delicado, apurado... O que há de ruim nisso?
- Só não gostei muito do adjetivo "delicado"!
Risos...
- Legal JR! Agora tenho que desligar!
- Vê se aparece! Pode ter certeza que isto não é uma daquelas frases do script social básico para encerrar uma conversa! Já ia me esquecendo: obrigado pelas castanhas, estavam ótimas!
- Não por isso! Qualquer dias marcamos uma picanha no seu terraço... Como os normóticos dizem, "vou até aí te encher de carne... Um abraço por trás"!
- Se liga!
- Tenho que ouvir essas piadinhas direto aqui no meu local de serviço!
- Piadinhas de mau gosto, power point com frases de auto-ajuda, Jesus e outras babaquices mais, não é privilégio seu meu caro, pode ter certeza! Vê se se cuida!
- Mande um abraço prá Dé! Vou nessa!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!