Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

18 abril 2008

Fantoches e Marionetes

Comecei o dia de forma bastante agradável, com a visita de meu amigo Franco, que há poucos dias vive o ócio forçoso do desemprego. Franco, ao interpelar o responsável pelo RH da empresa, ouviu a mesma ladainha que em situações anteriores, tivera que contar para vários dos seus subordinados; pela primeira vez em sua vida estava conhecendo o lado sem brilho de uma moeda de uma única face: os desumanos interesses empresariais.
Confesso que fiquei bastante surpreso, quando a noitinha me procurou dizendo que havia sido mandado embora, inclusive sendo dispensado do aviso prévio, não por ter sido despedido, mas pela maneira calma com que apresentava o ocorrido. Como há longos anos mantemos conversas nutritivas, sabia que não estava bancando o sujeito equilibrado. O fato de ter sido mandado embora não foi surpresa alguma para nenhum de nós, uma vez que há dias vínhamos conversando a respeito de seu descontentamento e sobre a questão da vocação e de um modo de servir dotado de real sentido. O interessante foi que os fatos foram ocorrendo de tal modo como se Franco já tivesse sendo preparado para este momento, visto que há dois meses uma porta já estava se abrindo, a porta do mundo da arte dos fantoches e marionetes feitos em papel marche.
Franco tinha profunda consciência de que, naquela empresa, assim como nas demais que havia passado até então, nunca havia sido mais que uma peça a ser substituída a qualquer momento. Das outras vezes, ao contrário do que agora se apresentava, deixou-se levar por medos irracionais quase que paralizantes. Em conversas anteriores, já havia manifestado o seu descontentamento com a empresa, uma vez que a mesma não demonstrava o mínimo interesse de investir no desenvolvimento de seus profissionais, além do que, em suas atividades, não conseguia se reconhecer...
- Cara, quer saber? Estou cansado. Durante todos estes anos, sempre trabalhei na área de exatas. Tudo bem que foi através dela que consegui tudo aquilo que conquistei até aqui. Se não fosse por esses trabalhos, não teria conseguido quitar meu apartamento, que como você sempre diz, de forma bastante precoce. Apesar de tudo, sinto-me profundamente carente de relações mais humanas.
- Pois é, não conheço muitos jovens que na sua idade conseguiram ter seu apartamento quitado, quase que no pé desta serra maravilhosa, que aos poucos, seus vários tons de verde vem sendo substituídos pelos tons das casas de tijolos a vista, com suas antenas repletas de rabiolas embaraçadas.
- Sinto falta de relacionamentos significativos, de pessoas que queiram saber, um pouco que seja, daquilo que sou e que não se relacionem comigo apenas pela função que consigo desempenhar na empresa. Quero uma relação profissional onde eu possa crescer como pessoa e, através do meu crescimento, de certa forma colaborar com o crescimento do outro. Não sei se isso é utopia, mas sinto que é possível. Você acha que isso é querer demais?
- Se eu seguisse a visão que corre por aí, diria que sim. Começaria a dizer das dificuldades do mercado de trabalho, do quanto que está difícil conseguir uma carteira assinada, uma estabilidade numa empresa e toda aquela lenga lenga característica dos mais antigos. Mas, como você já convive comigo há muito tempo, sabe bem as mudanças pelas quais optei durante estes últimos anos... Sou um amante da rebeldia inteligente. Se quer saber, não creio que isso que você almeja seja utópico, na real, acho que é o mínimo que uma pessoa dotada de um pouco de sanidade mental possa querer para si mesma, afinal de contas estamos falando de uma escolha que vai direcionar a qualidade do tempo dedicado a quase que a metade de seus dias.
- Pois é, JR!
- Bem que o dito popular já diz: tome cuidado com as suas orações... Elas podem acontecer antes mesmo que você pense estar preparado para elas... Você não estava à procura de algo melhor? O momento é agora. Até parece que você já estava prevendo a rota dos acontecimentos. Ainda bem que você estava aberto para o universo e os fantoches e as marionetes apareceram...
- Você não sabe de nada... Não tinha nem dez minutos que eu havia saído da sala do RH, quando em minha sala tocou o telefone.
- E aí?
- Cara, era de uma empresa concorrente, onde eu havia deixado um currículo há quase dois anos atrás. Confesso que por frações de segundos cheguei a bambear com a proposta dos caras... Ofereceram-me R$300,00 a mais do que ganhava nesta empresa, só que teria que trabalhar aos sábados e domingos... Só que me lembrei de tudo que temos conversado durante os últimos meses e aí, não teve como virar os ouvidos para a fala mansa do coração... Acabei dispensando o emprego.
- Sério? Sinto isso como uma espécie de teste enviado pela Grande Vida para ver se você é ou não fiel com relação ao que profere em suas orações. Tem muita gente por ai que é só bafo e, como sempre digo: bafo de boca não cozinha ovo.
- Sim, sério, só que ninguém mais sabe sobre isso, só você! Não contei em casa por que senão ia ser o maior pé no saco.
- Pois é, quando se trata de família, todos sabem disparar os seus palpites, mesmo quando a vida deles esta visivelmente naquela situação de dar dó! Quer saber, na real, acho mesmo que você não dispensou uma proposta de emprego...
- Como assim?
- Acho que você inteligentemente dispensou uma proposta a mais para ser ver novamente "pregado". Não sei se você parou para notar, mas, as pessoas quando estão muito cansadas não acabam se referindo como estando "pregadas"?
- É mesmo! Eu mesmo já me vi dizendo estar "num prego só"...
- Sim é verdade!
- Cara, apesar do medo, tive que ousar fazer diferente... Sinto que através da arte poderei entrar em contato com o mundo mágico das crianças...
- Mágico e incontaminado!
- Sim! Apesar do medo do desconhecido, decidi entrar de cabeça.
- Ousar: esse é o preço do sucesso! Gosto muito desta frase de Victor Hugo que em momentos difíceis da minha vida me serviram de inspiração... Acho que você fez bem em seguir seu coração... Deixar a máscara do fantoche profissional encaminhado, mera marionete do sistema e mergulhar de vez no mundo da arte, da ousadia, da autonomia e da criatividade... Deixar de ser um fantoche para se divertir divertindo aos outros através da arte dos fantoches... Isso me parece uma ótima virada de mesa, você não acha?
- Meu coração diz que sim, mas a cabeça... Bem, você sabe como é, fica aporrinhando o tempo todo que não. Fica dizendo que essa história de eu querer viver da venda da arte de bonecos feitos de papel marche vai acabar mesmo dando num futuro escuro embaixo de alguma ponte qualquer, acompanhado por vira-latas a catar papel amassado.
- É natural! Faz parte do processo da mente, afinal de contas, vivemos no país do sonho maravilha da carteira assinada. Para a grande maioria, mais vale a escravidão branca de uma carteira assinada do que a ousadia libertária do ócio criativo.
- Cara, não é possível que eu não vá conseguir por um modo de me sustentar sem ter que novamente me ajoelhar para as chicotadas do cartão de ponto ou por causa de uma bóia quente paga com um ticket restaurante qualquer.
- Franco, sendo franco com você, claro que as dificuldades vão sempre existir... No entanto, minha experiência tem demonstrado que elas se tornam muito mais suaves quando não contrariamos os dizeres do nosso coração. Digo isso com muita propriedade, pois não troco o pior dia de hoje, pelos mais gloriosos dias do meu passado. Hoje, em vista do ontem, tenho pouco, mas no pouco que tenho, existe qualidade. Sinto-me livre e isso meu caro, não tem holerite que pague. Não tenho 13°, férias previamente marcadas, muito menos fundo de garantia... A única garantia que tenho é a de que hoje vivo a minha vida e as pessoas que dela participam com muito mais intensidade. Desfruto de tempo durante o ano todo e não apenas num mês determinado por terceiros, onde quase sempre, a maioria, se encontra profundamente estressada. Hoje, posso de verdade "estar" com as pessoas, sem manter interesses ocultos. Hoje, tenho amigos de verdade e não como antes, meros conhecidos de negócios momentâneos. A cada dia sou brindado de uma maneira nova e não preciso me esconder atrás dos vidros de um carro brindado. A simplicidade do meu modo de vida é o meu grande seguro de vida. Os infartados tem me alertado para estes fatos. Não troco isto por nada.
- Confesso que por muitas vezes, já senti inveja do seu modo de vida.
- Franco, sua recente experiência veio confirmar ainda mais o sentimento que tenho de que hoje, mais do que nunca, aquele que não for vocacionado terá que se ver em constante estado de angústia, gerado pelo medo do desemprego galopante, mascarado pela mídia... Está vendo aquele carteiro vindo em nossa direção?
- Sim, o que tem ele?
- Está vendo aquele pacote branco em suas mãos?... Espere só para ver...
- Bom dia Jr, beleza?
- Na boa e você?
- Fora o sol, tudo nos conformes! Deveria ter vindo de bermuda! Hoje tem um pacote recheado para você!
- Acho que já sei o que é. Obrigado!
- Deixa ir que estou na correria!
- Vai nessa e bom serviço!
- Até amanhã!
- Vamos ver... Ao escritor Jonas Ramos de Oliveira... São livros de um escritor de Goiânia com quem tenho mantido contato através do site da Cuidar do Ser.
- Olha só, este aqui tem uma dedicatória para você!
- Este também... Está vendo? Percebe os sinais que a vida nos apresenta?... Como lhe disse antes, todos os dias tenho sido brindado. Antigamente, as únicas dedicatórias que eu recebia eram as que vinhas ao final das folhas dos talonários de pedidos e em suas faturas posteriores, que chegavam aos montes pelas mãos de outros carteiros. Foi só deixar de ser fantoche que a arte começou a se apresentar por todos os lados e esses que se diziam meus amigos, sumiram de vez... O que acreditava ser amigos, na realidade, eram verdadeiros sanguessugas. Fique tranqüilo, irmãozinho! Está tudo certo! Creio que tudo que você precisa fazer agora é segurar com firmeza os fios que movimentam seu coração... Caso contrário, pode ter certeza que alguém tomará o controle do mesmo. Neste império consumista, o que mais existe são pessoas ávidas por transformar você num fantoche a mais para proveito próprio, até que você venha a ter o que eles insanamente chamam de um "súbito" ataque cardíaco, que na realidade, foi surgindo ao longo dos anos de uma vida de escravidão.
- Pode crer! Bem, vou nessa, pois me estomago já está reclamando. Final de semana passo por aqui. Dê uma beijoca na Deca.
- Vê se relaxa!
Dito isto, meteu as mãos nos bolsos sacudindo sua bermuda de kanvas cinza. Depois, ajeitou os cabelos e a camiseta preta estampada com imagens de um grupo de rock. Olhou para os lados, abaixou-se e deu-me no rosto um beijo fraterno. Depois, seguiu sua caminhada com seu par de tênis alaranjado, feito criança ansiosa na espere de um presente. Enquanto isso, como nos dizeres de meu recente amigo Felício, em seu livro Memorial do Medo, "a grande maioria segue como agitados fantoches de andar tragicômico, neste imenso palco de tolos"... E assim caminha o que se diz ser a humanidade.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!