Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

29 março 2008

O mundo dos desmirados

Já estávamos a uns 15 minutos aguardando pelo nosso pedido numa casa de espetinhos próxima de nossa residência, quando na portaria avistamos dois casais de conhecidos nossos. De imediato, acenei para que viessem se sentar conosco. Plínio, o mais velho entre eles, acabara de chegar de sua primeira viagem internacional motivada por "business" percorrendo os países China, Líbano e Emirados Árabes; pensei que com certeza deveria ter muitas coisas interessantes para falar a respeito do povo e da cultura daquela região. Este, quando nos viu com aquele par de olhos azuis, abriu seu sorriso e fazendo sinal para o garçom, dirigiu-se para nossa mesa. A casa estava bastante cheia, o que fez com que eles tivessem que esperar alguns momentos para que o garçom pudesse preparar mais uma mesa junto a nós. Assim que eles se aproximaram, um dos garçons chegou trazendo uma travessa de bolinhos de mandioca, os quais saboreamos enquanto aguardávamos pela colocação das mesas e cadeiras. Já acomodados, tive a impressão de que sua esposa não havia ficado muito contente por nos encontrarmos ali, uma vez que mantinha seu olhar bastante fechado e na boa parte do tempo direcionado para outros ambientes da casa. Passado vários minutos e sentindo-me incomodado com sua postura, tratei de fazer uma brincadeira para ver se ela "aterrizava" ali em nossa mesa:
- Então, você ainda não chegou aqui? Está olhando para a portaria para conferir o momento em que você chega?
Ela limitou-se a levar a mão ao cabelo e dar um rápido sorriso forçado. Durante o resto da noite, quase não dirigiu a palavra e as poucas, em voz baixa, eram para recriminar os erros de português da fala de seu marido, um comportamento bem típico de mulheres e homens que vivem a frustração de relacionamentos fracassados, passando a expor as limitações do cônjuge diante de terceiros. Mas, minha brincadeira foi logo interrompida pelo garçom que desta vez trazia uma tábua com kaftas, acompanhadas pelo molho de alho, vinagrete e fatias de pães, além de duas cervejas bem geladas. Enquanto preparava um pequeno sanduíche para Deca, dirigindo-me para Plínio, exclamei:
- Pois então, conte-nos como foi sua viagem!
- Cara, demais! Foi um grande aprendizado. Valeu tanto quanto uma boa faculdade. Só tenho uma palavra: Show!
- Fora a questão da dificuldade de se comer na China, o que mais te impressionou por lá?
- Sim, realmente, a comida de lá é terrível além de ser absurdamente apimentada... É muita gente! A China é um país que está em expansão acelerada. Todos querem ter sua própria empresa e ampliar suas economias, aqueles que têm uma visão maior já estão conseguindo obter sucesso. Para isso, eles trabalham muito, de domingo a domingo e fazem apenas meia hora de almoço. São extremamente metódicos, diretos, objetivos. Lá não existe esse modo descontraído de ser do povo brasileiro. Para você ter uma idéia, as grandes fábricas constroem aposentos para os funcionários, bem próximos das instalações das mesmas. Eles trabalham muito e as fábricas não param um só minuto. Lá é pauleira, não é que nem aqui não; não tem como fazer corpo mole. Interessante é que quem está na frente das mesas de negociação são jovens entre 25 e 30 anos, pelo fato de terem um inglês bem fluente – os mais velhos, devido ao antigo regime não tiveram acesso a língua. Mas, o que realmente me impressionou muito foi o respeito que eles mantém pela tradição, principalmente no Líbano.
- Mas Plínio, isso que você chama de respeito, na realidade não seria medo?
- Respeito! – respondeu-me enfaticamente.
- Talvez eu possa estar enganado, mas penso que aquele modo de vida não possa ser qualificado como sendo respeito, mas sim, medo e repressão, uma vez que eles adotam políticas extremamente severas com quem os "desrespeita", sendo muitas delas, a meu ver, um tanto pré-históricas. Em nome do fanatismo religioso todos os dias vêem-se atitudes absurdamente desrespeitosas para com os seres humanos que desrespeitam a tradição. Não é por menos que boa parte dos que fazem parte desses povos são pessoas "altamente explosivas", isso quando não são verdadeiramente "homens bombas".
- Não sei, prefiro achar que seja respeito, pelo menos foi isso que eu senti, principalmente no pequeno vilarejo no interior de Trípoli onde fiquei hospedado no Líbano. Confesso que é um pouco assustadora a realidade do exército pelas ruas, com seus homens fardados carregando pesadas armas com poder de fogo para derrubar aviões... Tinham armas cujas balas mediam quase que um palmo de mão bem esticada. Já na China, fiquei em Xangai, uma cidade tipicamente industrial, uma cidade de negócios que lembra muito São Paulo. Só agora é que a população chinesa está despertando para o "poder de consumo". Lá vai ser um grande centro de negócios, uma vez que só para poder alimentar a fome de consumo da população local, haja comércio para atender uma média de 18.000.000 de pessoas. Lá corre muito dinheiro, mas nada comparado com o que vi nos Emirados Árabes... Lá sim a riqueza é faraônica, só mesmo vendo para acreditar. Prédio de 165 andares, pista de esqui com neve, teleférico e tudo mais bem no meio do deserto... Tudo lá é impecável e de última geração, até mesmo os táxis. Se quiser saber, eu mesmo senti inveja dos taxistas locais: carros importados de última geração, com banco de couro e ar condicionado, trabalhando em ruas com asfalto melhor do que a Rodovia Bandeirantes, sem semáforos e ainda ganhando gorjeta em dólar. Lá não tem essa pobreza que aqui absurdamente chamam de "carro popular". Lá é uma cidade movida pelo turismo para magnatas. É outro mundo, um luxo só. Você fica besta de ver tanta riqueza por toda parte, chega a dar raiva da vida que levamos aqui. Lá, o complexo hoteleiro de luxo é uma coisa realmente faraônica, com mega-estruturas e arranha-céus por todos os lados. Para onde quer que você olhe, encontra sempre uma grua.
- O que é isso, grua?
- São aqueles guindastes enormes sobre o topo dos edifícios.
- Ah, Sim!
- Você fica pasmo de ver a concentração de dinheiro que existe naquela região. Só para você ter uma idéia, eles possuem um estoque de petróleo para mais de 100 anos. Tem idéia do que isso representa em números? Imagine o valor financeiro disso considerando os atuais U$105,00 pagos por um barril de petróleo!... Cara, é muito, mas muito dinheiro. Fora o que aprendi lá em termos de visão mercantil, acabei me divertindo muito. Meu patrão tem a preocupação de me ver ampliando a visão, quer que eu tenha uma macro-visão para que possamos ampliar as fronteiras comerciais. Já está tudo bem programado: a meta deste ano é ampliação de visão. Só para você ter idéia, ainda este ano, devo voltar para a China, conhecer o comércio espanhol e participar de uma feira na Alemanha... E já temos planos para no próximo ano conhecer melhor as possibilidades na Austrália.
- Sei!...
Enquanto ele, empolgadamente relatava a beleza artificial do mundo criado pelos petrodólares, inacessível para a maior parte da população global, silenciosamente eu observava os pensamentos, palavras e símbolos que insistiam em passar pela minha mente de forma acelerada e sem o menor esforço de minha parte: "Macro-visão comercial, escravidão branca formatada numa jornada de trabalho de domingo à domingo explorada sempre com baixos salários, concentração egocêntrica de renda, ostentações faraônicas, fanatismo religioso com seu apego à tradição ritualística e aos seus dogmas que roubam a espontaneidade, originalidade e individualidade do ser humano, que insiste em manter a desigualdade e a exploração do chamado sexo frágil, a banalização diante do absurdo fato de crianças de armas na mão e por aí vai...
Confesso que estava bastante feliz por Plínio estar conseguindo realizar algo que para ele - assim como para os outros que estavam naquelas mesas -, com exceção de Deca, ainda possui profundo significado e sentido. No entanto, para nós, confesso que nada significam, são valores de vitrine, que do mesmo modo que os antigos castelos medievais, outrora poderosos, estão fadados aos museus de um passado morto. Por um momento cheguei a me questionar se o meu total desinteresse por aquela realidade apresentada não estaria sendo motivado por inveja. No entanto, após profunda meditação, digo de coração aberto que não. De modo algum invejo esses valores pois, de nenhum modo, ao chegar meu momento de dar o pulo para fora deste planeta os poderei levar comigo. Não invejo essa preocupação pela aquisição de uma "macro-visão" comercial, uma vez que o que se vê é que a mesma acaba construindo uma imensa parede, muito maior que os enormes arranha-céus de Dubai, a qual impede a manifestação de uma mínima "micro-visão interior". Se por um lado fiquei feliz por ele, por outro fiquei bastante triste por constatar que a cada dia que passa, nossa macro-visão e sentido de vida se distancia cada vez mais. A superficialidade desse mundo emirado nunca fez e nunca fará parte da minha mira.

Transcrição do discurso de Severn Cullis-Suzuki, de junho de 1992:

"Olá! Eu sou Severn Suzuki. Represento, aqui na ECO, a Organização das Crianças em Defesa do Meio Ambiente. Somos um grupo de crianças canadenses, de 12 e 13 anos, tentando fazer a nossa parte, contribuir. Vanessa Sultie, Morgan Geisler, Michelle Quigg e eu. Foi através de muito empenho e dedicação que conseguimos o dinheiro necessário para virmos de tão longe, para dizer a vocês, adultos, que têm que mudar o seu modo de agir.

Ao vir aqui, hoje, não preciso disfarçar meu objetivo: estou lutando pelo meu futuro. Não ter garantia quanto ao meu futuro não é o mesmo que perder uma eleição ou alguns pontos na bolsa de valores. Estou aqui para falar em nome das gerações que estão por vir. Estou aqui para defender as crianças que passam fome pelo mundo e cujos apelos não são ouvidos. Estou aqui para falar em nome das incontáveis espécies de animais que estão morrendo em todo o planeta, porque já não têm mais aonde ir. Não podemos mais permanecer ignorados!

Eu tenho medo de tomar sol, por causa dos buracos na camada de ozônio. Eu tenho medo de respirar este ar, porque não sei que substâncias químicas o estão contaminando. Eu costumava pescar em Vancouver, com meu pai, até que, recentemente, pescamos um peixe com câncer. E, agora, temos o conhecimento que animais e plantas estão sendo destruídos e extintos dia após dia.

Eu sempre sonhei em ver grandes manadas de animais selvagens, selvas e florestas tropicais repletas de pássaros e borboletas. E, hoje, eu me pergunto se meus filhos vão poder ver tudo isso. Vocês se preocupavam com essas coisas quando tinham a minha idade?

Tudo isso acontece bem diante dos nossos olhos e, mesmo assim, continuamos agindo como se tivéssemos todo o tempo do mundo e todas as soluções. Sou apenas uma criança e não tenho todas as soluções; mas, quero que saibam que vocês também não as têm.

Vocês não sabem como reparar os buracos na camada de ozônio. Vocês não sabem como salvar os peixes das águas poluídas. Vocês não podem ressuscitar os animais extintos. E vocês não podem recuperar as florestas que um dia existiram onde hoje há desertos. Se vocês não podem recuperar nada disso, por favor, parem de destruir!

Aqui, vocês são os representantes de seus governos, homens de negócios, administradores, jornalistas ou políticos; mas, na verdade, vocês são mães e pais, irmãs e irmãos, tias e tios. E todos, também, são filhos.

Sou apenas uma criança, mas sei que todos nós pertencemos a uma sólida família de 5 bilhões de pessoas; e que, ao todo, somos 30 milhões de espécies compartilhando o mesmo ar, a mesma água e o mesmo solo. Nenhum governo, nenhuma fronteira poderá mudar esta realidade.

Sou apenas uma criança, mas sei que esses problemas atingem a todos nós e deveríamos agir como se fôssemos um único mundo rumo a um único objetivo. Estou com raiva, não estou cega e não tenho medo de dizer ao mundo como me sinto.

No meu país, geramos tanto desperdício! Compramos e jogamos fora, compramos e jogamos fora, compramos e jogamos fora... E nós, países do Norte, não compartilhamos com os que precisam. Mesmo quando temos mais do que o suficiente, temos medo de perder nossas riquezas, medo de compartilhá-las. No Canadá, temos uma vida privilegiada, com fartura de alimentos, água e moradia. Temos relógios, bicicletas, computadores e aparelhos de TV.

Há dois dias, aqui no Brasil, ficamos chocados quando estivemos com crianças que moram nas ruas. Ouçam o que uma delas nos contou: "Eu gostaria de ser rica; e, se o fosse, daria a todas as crianças de rua alimentos, roupas, remédios, moradia, amor e carinho". Se uma criança de rua, que nada tem, ainda deseja compartilhar, por que nós, que tudo temos, somos ainda tão mesquinhos?

Não posso deixar de pensar que essas crianças têm a minha idade e que o lugar onde nascemos faz uma grande diferença. Eu poderia ser uma daquelas crianças que vivem nas favelas do Rio. Eu poderia ser uma criança faminta da Somália, ou uma vítima da guerra no Oriente Médio; ou, ainda, uma mendiga na Índia.

Sou apenas uma criança; mas, ainda assim, sei que se todo o dinheiro gasto nas guerras fosse utilizado para acabar com a pobreza, para achar soluções para os problemas ambientais, que lugar maravilhoso a Terra seria!

Na escola, desde o jardim da infância, vocês nos ensinaram a sermos bem-comportados. Vocês nos ensinaram a não brigar com as outras crianças, a resolver as coisas da melhor maneira, a respeitar os outros, a arrumar nossas bagunças, a não maltratar outras criaturas, a dividir e a não sermos mesquinhos. Então por que vocês fazem justamente o que nos ensinaram a não fazer?

Não esqueçam o motivo de estarem assistindo a estas conferências e para quem vocês estão fazendo isso. Vejam-nos como seus próprios filhos. Vocês estão decidindo em que tipo de mundo nós iremos crescer. Os pais devem ser capazes de confortar seus filhos dizendo-lhes: "Tudo vai ficar bem, estamos fazendo o melhor que podemos, não é o fim do mundo". Mas, não acredito que possam nos dizer isso. Nós estamos em suas listas de prioridades?

Meu pai sempre diz: "Você é aquilo que faz, não o que você diz". Bem... O que vocês fazem, nos faz chorar à noite.Vocês, adultos, dizem que nos amam... Eu desafio vocês: por favor, façam com que suas ações reflitam as suas palavras.

Obrigada!"

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!