Foram necessários apenas 10 minutos de forte chuva de granizo para que, o dia seguinte amanhecesse com a rua, calçadas, sarjetas e quintais repletos de pequeninas folhas ainda bem verdinhas. Depois de um fim de tarde como o de ontem, o dia parece muito mais vivo, colorido, rejuvenescido, com suas plantas, flores, e gramas – apesar da surra do granizo -, muito mais eretas, como se em sinal de agradecimento pelo frescor proporcionado pela água da chuva. Agora são 12h50min e o azul celeste está tão vivo que chega a doer os olhos e o calor parece fazer o asfalto tremer e derreter.
Do outro lado da rua, duas balconistas da agência do correio caminham vagarosamente, desfrutando os poucos minutos restantes do horário de folga do almoço, com o doce sabor dos sorvetes de palito, desses vendidos de porta em porta em pequenos e coloridos carrinhos de mão.
Para um inicio de tarde de sexta-feira, o tráfego de carros bem como de pedestres, apresenta-se bastante reduzido em vista do normotizado movimento da semana.
Na entrada do salão, encostado na recente porta de vidro, observando o movimento ao mesmo tempo em que toca uma pequena gaita de bolso, um jovem cliente do cabeleireiro vizinho aguarda a sua vez. Ao observar há poucos metros a bela jovem dos longos cabelos castanhos, virou-se para mim com sorriso malicioso e exclamou:
- Com este sol, tocando esta gaita e vendo o corpo desta princesa que vem vindo, sinto-me o próprio Vinicius de Moraes.
- Por quê? – Perguntei-lhe sorrindo quase que antevendo sua resposta.
- Ah! Se ela soubesse que quando ela passa a Zunkeller inteirinha se enche de graça... – respondeu-me melodicamente e com muito mais ênfase bem no instante em que ela por nós passava.
Dando um breve momento para que ela se afasta-se um pouco, com o intuito de não ouvir o meu retorno, lhe respondi:
- Você tem toda razão, é realmente uma bela jovem.
- Bonita e gostosa demais! – Respondeu-me com um olhar de consumo fixado em sua silueta cadenciada, ao mesmo tempo em que, com uma das mãos, massageava levemente a própria genitália.
- Cuidado, meu irmão! Cuidado!
- Cuidado por quê?
- Porque muitas vezes, aquilo que a primeira vista se mostra gostoso aos olhos, com tempo, pode acabar se mostrando insuportavelmente amargo para o coração... A realidade do ser é invisível aos olhos; não se encontra na estética da pele e do olhar, muito menos na formosura das curvas de um corpo de academia.
Ele deu um rápido sorriso, deixando transparecer sua vergonha, virou-se para o outro lado e novamente com sua gaita voltou a entoar seus hinos e melodias gospel.