Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

12 dezembro 2007

O mundo das possibilidades é para os físicos quânticos

A contínua chuva fraca que caiu desde a madrugada deu uma trégua e, agora, um forte vento gelado sopra contra os galhos da pequena pitangueira. Do seu balanço caem em gotas, o acumulo da água acolhida pelas folhas, dando a impressão de que a mesma esteja aos prantos.

Há uma agitada movimentação de motos, viaturas e de um helicóptero da policia sobre a região. Segundo um conhecido comerciante local, uma senhora aposentada foi espancada e depois assaltada por dois "saídas de banco", na agência do Itaú. Agrediram-na até ficar esticada no chão, aos olhos dos seguranças, funcionários e clientes da agência. Ninguém se permitiu o movimento. A policia foi logo chamada, mas, acabou chegando ao local quase vinte minutos após o ocorrido. O vermelho, branco e preto do helicóptero faz um contraste com o fundo cinza escuro das pesadas nuvens.

Do outro lado da calçada, um rapaz de camisa listrada caminha apressado carregando um saco plástico repleto de gasolina. Dá para sentir o cheio dela daqui. Um carro de resgate, acompanhado por uma viatura, com sua barulhenta sirene, corta apressadamente o transito local, enquanto que no alto do edifício em construção, os pedreiros, igualmente às pressas, procuram repor o tempo perdido da manhã.

Depois de estacionar seu carro com a dificuldade peculiar de sempre, ainda guardando as chaves em sua bolsa, sorrindo me saldou:

- Olá, JR! Como vai a tarde?

- Tudo bem, caminhando, caminhando! E você?

- Tudo bem, graças a Deus. Desculpe-me por aquele dia não poder lhe esperar, mas, estava morrendo de pressa. Tinha um cliente para atender.

- Sei.

- Você está ocupado?

- Nada! Num dia de chuva como estes, tempo é o que não falta!

- E a Deca, tudo bem?

- Sim! Segundo ela, levando a vida com muita transpiração e pouquíssima inspiração.

- Nem me fale! E as mudanças?

- Estamos aí, em andamento! Solto como naufrago no mar: impotência total!

- Como está se sentindo?

- Francamente? Não sei onde isso tudo vai dar.

- Entendo. Sei bem como é isso: esses momentos são mesclados por sentimentos de luto e impotência.

- Sim!

- Está deixando o barco correr?

- O fato é que não tenho mais estrutura psíquica e nem física para continuar com aquilo que não amo.

- Sei... Isso acaba gastando muita energia.

- Sem dúvida, é muita energia criativa desperdiçada. Agora é um caminho sem volta; tratei de queimar as pontes deixadas para traz.

- Quais são seus planos?... Ou não tem nada em vista?

- Na real? Não tenho planos. Apenas observo os sinais...

- O que está esperando?

- Espero a vida me mostrar para onde devo ir.

- Ainda continua mesmo pensando em mudar de cidade?

- Sim, apesar de não depender somente de mim.

- Se for mudar, posso saber para onde pensa ir?

- Se for para sair da cidade, penso no Vale do Paraíba.

- Legal, gosto daqueles lados.

- Caçapava ou São José dos Campos.

- Mas o que te levou a querer mudar-se para longe?

- Virar a página de verdade... Entrega total!

- O que você quer dizer com "de verdade"?

- Ninguém é profeta em sua terra natal. Sinto que aqui não vai ser o meu lugar. Não tenho ainda nada certo, só intuições.

- Entendo. E sua família? Imagino que todos estejam dando palpites.

- Nada disso. Meus familiares já sabem que sou arredio a qualquer tipo de doação psicológica de fora não solicitada. Por isso, nem chegam perto.

- Nossa.

- Não aceito intromissão e não me intrometo na vida deles. Procuro viver e deixar viver.

- É melhor assim mesmo.

- Nestes anos aprendi a estabelecer limites saudáveis nas minhas relações.

- Sei... Ame seu vizinho, mas construa cercas bem altas.

- Isso mesmo!

- Mas não deve estar sendo fácil, afinal, é a morte de um sonho...

- Ou o inicio de outro. No entanto, confesso que é um processo que gera muita ansiedade, inseguranças, medos e incertezas.

- Muita expectativa...

- Mas já conheço o conhecido. Não quero meus cinco próximos anos como foram estes dois últimos anos. Não dá mais, cheguei ao ponto de saturação total. Grande parte das pessoas prefere um pouquinho de merda a merda nenhuma, pelo simples fato de já estarem habituados com o cheiro da merda conhecida... Só que não nasci para viver juntando merda. Sabe, insanidade é fazer sempre as mesmas coisas esperando por resultados diferentes. Quer saber o seu futuro? Olhe para o seu dia de hoje. Quer saber sobre seu dia de hoje? Olhe para o seu ontem.

- É justamente esse ponto de saturação total que dá lugar para novas possibilidades...

- Para saber algo novo, é preciso começar pelo não-fazer o velho... E se entregar ao não-saber... Não-saber e não-fazer... Soltar... A mente só funciona nos limites do conhecido e o conhecido, já não me serve mais. Sinto-me num ponto zero. Todas as crenças, todos conhecimentos ficaram por terra feito pele de cobra. Todas as praticas do passado viraram cinzas na boca, não alimentam mais... Quero novos ares, novos olhares... Desafios... Aqui, sinto-me estagnado. Isso é um grande perigo, uma vez que o contrário de saúde não é doença, mas sim, estagnação. Sinto-me com um potencial enorme reprimido. Preciso saber onde e como fazer com que ele venha a tona. Com certeza, não será mais por aqui.

- Entendo. Só não se esqueça dos amigos.

- Fim da linha. Encruzilhada total. Quando se chega numa encruzilhada sem mapas o que se pode fazer é esperar pelos sinais. É assim que me encontro: como um naufrago de mim mesmo, de minhas crenças, conhecimentos e praticas. Se continuar olhando para traz, corro o risco de virar uma estátua de sal, que não serve para nada. Estou numa encruzilhada bem no meio do deserto do meu ser.

- Em meio a um mar de possibilidades...

- Voltar é deixar de ser. Não, não existe essa idéia da moda das infinitas possibilidades. Isso é só idéia. Onde há possibilidade, há escolha. Onde há escolha, há dualidade. Onde há dualidade, há conflito. Não se trata de escolher. Trata-se de se deixar ser escolhido, deixar ser levado e honrar esse compromisso.

- Entendi.

- Confiar na existência, saber que ela tem um motivo para mim, cuja minha visão nublada pela ação dos meus desejos ainda não consegue enxergar. As ditas infinitas possibilidades são para os físicos quânticos, e esses, em sua grande maioria, há muito já estão mortos em vida.

- O que eu só posso desejar do fundo do meu coração é que você encontre o que está buscando...

- Agradeço, mas, na verdade, acho que estou buscando ser buscado. E confesso que não sei se esse buscar não possa estar me atrapalhando.

- Nesses momentos é preciso se render por completo.

- Isso já foi. Há só o observar e o condicionamento da mente a dizer que "tenho que" fazer algo... Um mar de fortes ondas de "tenho que"...

- Sei como é isso!

- É uma forte pressão na cabeça...

- Conflitante afinal.

- Só não está sendo conflitante devido a observação ser sem escolhas.

- Um lado quer relaxar e o outro não deixa.

- Pois é. Enquanto existirem os dois lados, sempre haverá conflito.

- É verdade!

- Tenho que esperar o mar se abrir... E passar pelo meio sem olhar para traz... As cebolas do Egito já não me alimentam mais.

- Forte esse momento, heim?

- Estou parado no monte da razão... Olhando o digladiar dessas ondas

- Imagino que seja uma pressão muito forte.

- Sinto que só por agora, o que posso fazer é levantar os braços e esperar o mar se abrir... E ver para que lado que ele abre... E não vou ser eu quem vai abri-lo e muito menos escolher a direção. Esses são os meus mais profundos sentimentos.

- Entendo. Mas, você sabe muito bem que se precisar de uma amiga, estamos por aqui.

- Sou um homem agraciado por amigos.

- Bem, agora tenho que ir. Você pegou aquele filme com o seu amigo?

- Ainda não. Ele ficou de passar por aqui no final de semana, só que acabou não passando.

- Tudo bem. Avise-me quando estiver com o filme por aqui. Agora tenho que ir. Logo mais tenho uma paciente para atender. Vê se se cuida!

- Fique tranqüila. Estamos bem!

- Até! Deixe um beijo para a Ida e a Deca.

- Deixa comigo!

- Até mais!

A chuva voltou a castigar novamente. Transito e pedreiros estão em total lentidão. Os carros da policia já se foram, mas o sentimento de impotência ainda paira pelo ar.


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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!