Vi uma criança usando uma camiseta com a seguinte frase estampada no peito:
"Dinheiro não é tudo mas é 100%"
Disseram-me que tal camiseta faz parte de uma série vendida por um programa da TV, chamado Pânico. O que parece engraçado, deveria causar pânico. Não creio que uma criança tenha o discernimento necessário para distinguir entre o falso e o verdadeiro (basta ver o incontável número de adultos crianças que consomem 100% de seu tempo - ainda com saúde - na busca do hipervalorizado dinheiro). Se para poucos, já é triste ver a enorme quantidade de sonâmbulos, inebriados pelo desejo de consumo, ávidos pela ânsia do querer, que querendo ou não, aceleradamente os consome, que se dirá da visão da propagação dessa inversão de valores por meio de "pequenos-outdoors" ambulantes?
Vivemos uma era onde, com os alardes da mídia e da tecnologia, a população toma como fato, a ilusão de que dinheiro é tudo. A mídia e a tecnologia incentivam a aceleração, a brevidade e o descarte dos valores. Há o paradoxo de uma tecnologia que se diz a serviço do tempo, onde, na realidade, o real valor do tempo é totalmente desvalorizado. O tempo é desperdiçado em nome de mais tempo e dinheiro. O desfrute do tempo há seu tempo, se dará em incerto tempo futuro, chamado “aposentadoria”. Desperdiça-se o tempo para se terminar num aposento...
Não! A totalidade, não está no dinheiro. E há que se dedicar tempo para o conhecimento e desfrute dessa totalidade. Mas, para isso, ninguém tem tempo, muito menos a ânsia do querer. E, aqueles que dedicam boa parte de seu tempo em busca da consciência dessa totalidade, não são levados a sério, ao contrário, quase sempre são rotulados de modo pejorativo, quando não renegados ao ostracismo. Permitir-se uma vida com mais tempo é sinal de comodismo, de alguém não sério, irresponsável, o que não é fato, visto a tamanha responsabilidade necessária para se levar uma vida com mais tempo a custa de menos dinheiro. Os que são valorizados são aqueles que em nome do dinheiro dedicam a totalidade do seu dia dentro do acelerado ambiente do trabalho, não importando se sobra ou não tempo para o essencial: a vida de relação consigo mesmo, com o próximo e com a natureza. Ser um grande trabalhador proporciona de todos, o respeito, com o qual se disfarça o amargor da inveja pela capacidade alheia de consumo. E ninguém percebe: é o medo que acelera o tempo.
Essa acelerada estrutura que nos rouba o tempo necessário para o desfrute de um qualitativo viver, e nos impõem um estressante existir, foi sedimentada de tal forma, que os poucos que dispõem de tempo, por vezes se sentem culpados, quando não, indignos de respeito. O softer da culpa, antigamente era instalado pela religião e seus dogmas, ou pelos adultos com suas histórias como a “formiga e a cigarra”. Hoje, a culpa pelo bom uso do tempo se faz via a cabo. Somos aceleradas formigas, em caros enlatados num trânsito lento, correndo por todos os lados, nos consumindo por valores rapidamente consumidos pela força psicológica da mídia e da tecnologia. Nosso tempo é tão escasso, que mal temos tempo para ler os manuais de funcionamento daquilo que, a custa de nosso tempo, em prestações consumimos.
Enquanto, por todos os cantos, servindo uma rainha que mal conhecem, formigas proliferam de forma acelerada, as cigarras, com seus cantos, se tornam cada vez mais raras.
Nasci cigarra; não sirvo a Rainha alguma. Morrerei cantando 100% meu direito a vida em liberdade. Isso sim, para mim é tudo.
Nelson Jonas