Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

02 outubro 2007

Dignidade Aburguesada

Manhã de sol.
Enquanto organizo minha agenda do dia, uma discussão acalorada inicia-se bem ao lado da loja, entre uma jovem gestante e meu vizinho cabeleireiro. Seu salão, durante a madrugada, serve de garagem para o carro do filho da proprietária do prédio. Quase todas as manhãs, apesar da guia da sua calçada ser rebaixada e pintada com o amarelo de atenção, além de ser uma porta de garagem, sempre tem alguém que insiste em estacionar seu carro diante do salão. Já se tornou comum, pela manhã, ver o jovem cabeleireiro ou o proprietário do veículo estacionado em sua garagem, saírem de porta em porta a procura do dono do veículo estacionado de forma extremamente irregular (detalhe: há uma placa de proibido estacionar a cinco metros daquele local). Apesar da placa, como nunca há a presença de policiais neste local, ninguém respeita a sinalização.
Depois de quase quarenta minutos de atraso e a perca do primeiro cliente devido o fato de seu salão ainda não estar preparado para o atendimento, seus ânimos começaram a aflorar.
Numa tentativa desesperada de fazer com que o dono do automóvel aparecesse, ambos começaram a balançar a Pajeiro preta com a esperança de conseguir seu contento através do disparar do seu alarme. Bem no instante em que ambos começaram a balançar o automóvel, a jovem gestante, proprietária do automóvel, vinha pela calçada a passos curtos. Ao ver os dois “marmanjos” balançando seu automóvel, começou a gritar de forma estérica. Apesar de pequenina, sua fúria era gigantesca.
- Quem você pensa que é para colocar a mão na propriedade alheia? Está maluco?
- Você estacionou em local proibido a mais de quarenta minutos, não está vendo? – Disse-lhe apontando para a placa afixada no poste.
- Não interessa! Quem você pensa que é para colocar a mão no meu carro?
- Você está completamente errada e ainda se acha no direito de cantar de galo?
- Você não é digno da vizinhança que tem...
- Meu, você estaciona o carro em local proibido durante mais de quarenta minutos, diante de uma porta de garagem, com guia rebaixada e quer me falar de dignidade? De ser digna da vizinhança... Se você é realmente da vizinhança como não sabe que aqui funciona um estabelecimento comercial? Você não passa de uma burguesinha metida, de nariz empinado que não respeita o espaço alheio porque só consegue enxergar o próprio umbigo. Como que uma pessoa que nem consegue ser honesta com as próprias falhas que comete com os outros pode querer se dar o luxo de falar em dignidade?
- Veja lá como fala comigo, seu calhorda, se não vou chamar a policia para você. Você não tem o direito de mexer na propriedade alheia.
- E você? Tem direito de atrapalhar o que é de propriedade alheia? Quem você pensa que é, sua fedelha?
- Você está falando isso por que sou mulher... Por que não mexe com um cara barbado, seu pedante?
- Meu, você está errada! Por que não cala sua boca, limita-se a um disfarçado “sinto muito” e segue o seu caminho numa boa!... Quer saber, eu devia era ter feito o que minha cabeça pedia... Devia ter furado seus quatro pneus, cuspido em sua maçaneta e arrebentado seu retrovisor... Ou então, ter empurrado seu carro para o meio da avenida... É isso que gente da sua laia merece... Dignidade! Quem é você para ousar falar sobre dignidade? Quem se acha digna de respeito, deve praticar o respeito! Espero que você não se atreva novamente a estacionar seu carro por aqui... Se o fizer, vou procurar fazer aquilo do que você é realmente digna!
- Que é?... Está me ameaçando?... Você sabe quem eu sou? Está querendo encrenca?...
Do outro lado da rua, começou a aglomeração de pessoas e comerciantes locais, que de braços cruzados e sorrisos no rosto, a tudo testemunhavam... As pessoas adoram uma confusão! Ela, sagazmente aproveitou-se do fato de ser mulher e ainda estar gestante, para aumentar ainda mais o clima da situação.
- Você devia mexer com algum cara barbado e não com uma mulher grávida!
- Se liga! Você está a fim de fazer escândalo? Está afim de confusão? Então, agora vai ter o que está procurando...
Ele entrou as pressas para o seu estabelecimento comercial, em busca do seu aparelho de celular. Voltou-se para a calçada enquanto discava para a base da policia comunitária local.
- Espere um momento que já vamos resolver essa questão... Quero ver você dar seu showzinho daqui alguns instantes... Está pensando que o fato de ser mulher e de estar grávida lhe dá o direito de passar por cima dos direitos alheios? Espere só uns minutos... Quer um conselho? Acho bom tratar de procurar umas testemunhas, porque para mim não vai faltar... Estamos fartos de pessoas egocêntricas como você, que se acham donas do mundo, atrapalharem a vida das pessoas e depois anda quererem falar de direitos, dignidade e outras palavras mais. Espere só mais uns minutos...
Nesse instante, a aglomeração de pessoas já estava bem maior e o trânsito já começava a dar sinais de lentidão devido a curiosidade dos motoristas que pelo local passavam. Repentinamente, a jovem gestante fez um movimento circular para ver o que estava se passando. A passos largos e violentos, dirigiu-se para sua Pajeiro Importada, insulfimada. Entrou no carro batendo a porta com violência. Ligou-o apressadamente, saindo acelerando com tudo. As pessoas do outro lado começaram a gargalhar, enquanto voltavam para os seus afazeres. O jovem cabeleireiro, visivelmente perturbado, passava a mão direita sobre o couro cabeludo. Virou-se para mim, que silenciosamente a tudo assistia – se bem que não me faltou a vontade de falar umas boas para a jovem garota – e me perguntou:
- Será possível?... Que fizemos para ter que passar por isso todos os dias? Que bairrozinho do cacete!
- Acho melhor da próxima vez você chamar pela policia. Numa situação dessas, pode acabar sobrando para você... Até você explicar que focinho de porco não é tomada...
- Bem que se eles viessem, valeria a pena chamar. Isso é pura perca de tempo, pois já tentei isso várias vezes. Tem sempre um infeliz para descarregar sua infelicidade em cima dos outros.
- Fique atento para não deixar que o comportamento do outro, faça você alterar seu próprio comportamento. Não vale a pena esperar por aquilo que o outro não tem para oferecer. O lance é usar a inteligência... Pense numa maneira de evitar com que isso se repita. Eu já deixei de esquentar com isso, uma vez que as pessoas não respeitam mesmo o estacionamento alheio. Você pode colocar placa, que ele estacionam assim mesmo e o pior, é que se acham no direito de passarem por cima do que é de seu direito. É um problema cultural... No país de impunidade como o nosso, é falta de inteligência esperar por dignidade e respeito... O lance me parece ser, tomar o máximo de cautela para não ser vitimado por essas egocêntricas criaturas.
- Não é fácil!
- Diga-me uma coisa: o que você estaria fazendo agora se tudo isso não tivesse acontecido?
- Certamente estaria confortavelmente sentado, lendo gibi ou fazendo palavras cruzadas a espere do meu primeiro cliente.
- Pois bem! Sugiro que você desfrute de algumas pitangas e não se leve muito a sério! Não deixe que a normose alheia lhe contagie!
- Não vale a pena mesmo!... Mas que dá vontade de cortar o pescoço dá!
- Se dá! Se eles soubessem o que passa pela cabeça, com certeza pensariam duas vezes antes de invadirem o espaço alheio!
- Agora relaxa! Seja digno do longo dia que temos pela frente!

Gostou? Então compartilhe!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!