Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

03 outubro 2007

Os capitalistas de plantão

Os capitalistas de plantão vivem às custas dos que se submetem a serem por eles explorados: querem tudo para ontem, mas com pagamento sempre no amanhã, e de preferência, um amanhã no máximo parcelado.
Eu ainda estava limpando a loja quando ele, com seu branco sorriso contrastando com suas profundas e escuras olheiras, surgiu pela porta de entrada. Por volta dos 40 anos de idade, apresentava o corpo um tanto obeso para a sua altura mediana. Quando lhe conheci, mantinha um físico invejável, uma vez que surfava sagradamente, todos os finais de semana. Agora, seu surf era feito de 2ª à sábado, percorrendo a rede de lojas para quem presta serviços. Suas escolhas fizeram com que trocasse as límpidas e borbulhantes ondas do litoral de Ubatuba, pelas poluídas, barulhentas e congestionadas marginais da capital Paulista. Apesar do seu sorriso inicial de sempre e de sua compulsiva e efusiva temática capitalista, seu semblante e sua linguagem corporal tornavam notória sua realidade insegura e conflitante.
- E aí, meu irmão? Beleza?
- Bom dia Juninho! Como foi seu final de semana?
- Massa! Na correria, mas tive um churrasco que valeu a pena... Conheci uns caras poderosos. Vai pintar muita coisa boa na área. Só para você poder ter uma idéia melhor, um deles tem apenas 26 anos de idade e já está com um patrimônio poderoso; olha só a força do cara: já está com escritório no Uruguai, na Argentina e está abrindo um outro na Venezuela. O cara trabalha com sonorização de alto nível. O cara é fodido! Fica frio que vai pintar muita coisa para você também, irmão... Estou vendo primeiro para a minha esposa. Se entrarmos lá, se prepare que a coisa vai bombar! Desculpe-me por não ter passado aqui no sábado como havia combinado com você, mas, você sabe, uma oportunidade de estar com uns caras desse porte não se pode desperdiçar.
- Tudo bem! Só acho que você poderia pelo menos ter me ligado para me avisar...
- Desculpe-me cara, mas, eu estava adrenado demais! Sabe como é, não sabe? Fica tranqüilo, irmão; você sabe muito bem que comigo você não perde! – Risos...
- Não perco, mas também não ganho, não é mesmo?
- Para com isso! Fala sério! Está me estranhando? Você sabe muito bem que eu sou o cara!
- Não se leve muito a sério, Juninho; estou apenas brincando com você!
- E ai? Aquela arte ficou pronta? Os caras piraram com o seu estilo... Fica frio que vai pintar muita coisa daqui até o começo do ano e você vai ser sempre o meu braço direito. Estamos juntos, eu cresço e levo você junto comigo. Pode acreditar! Você vai ser o meu “Lombarde” e eu vou ser o seu “Silvio Santos”.
- Entendo! Eu fico no anonimato e você leva a fama!... Por mim tudo bem, desde que o meu venha sempre no dia certo e conforme o combinado.
- Fica tranqüilo, não tema, pois com Juninho, não há problema!
- Olha lá! Quem gosta de promessa é romeiro! Desse jeito você um dia ainda vai virar político profissional...
- Estou falando sério! Não sou bafo de boca não! Você me conhece ou não?
- Olha Juninho, comigo funciona que nem o Jack, o estripador: gosto de ir por partes. Acho que cortar a vida em pedacinhos mastigáveis torna as coisas muito mais fáceis de serem digeridas. Deixemos os planos do futuro e fiquemos com aquilo que está rolando no aqui e agora.
- Que é isso, meu irmão! Tem que pensar grande cara!... Você não sabe como é que as coisas funcionam?... Você é do tamanho dos seus sonhos! Não pode pensar de forma limitada! Tem que sempre pensar grande! Você é aquilo que pensa! Você precisa assistir o filme “O Segredo”... Muito massa!
- Já conheço, inclusive, já cheguei a trazer o livro para um cliente amigo nosso... Filminho de sessão da tarde... Mas, e aí, o que é que você manda?
- Cara, estou na correria! Estou implantando uma pesquisa de mercado e ainda tenho que correr todas as lojas para orientar os gerentes. Sabe como é, do jeito que está a concorrência do mercado, é preciso dar sempre o tiro certo. Não se pode dar tiro na água. A coisa aí fora está ficando cada vez mais brava, é nego comendo nego, tem que se matar um leão por vez. Estou tendo uma oportunidade de ouro nessa rede de lojas que peguei para trabalhar a parte de marketing... Tenho que mostrar serviço logo de cara, não há espaço para oportunidades perdidas... Estou trabalhando uma planilha poderosa e acho que em mais uns dias, já estou com ela nas mãos... Com ela, teremos o controle de tudo nas mãos... Estou também agilizando uma nova maneira de captação de rendas para implementar ainda mais os valores para o marketing... E quem vai pagar são os fornecedores... Tem que se estudar tudo... Cada metro quadrado da loja vale ouro... Sabe como é, quando se tem nas mãos uma rede, o poder de mando é bem maior... A galera está fazendo de tudo para conseguir seu espaço no mercado... Tem que se aproveitar isso...
- Aproveitar... Sei! Parece que esse é o “mantra” mais utilizado pelos homens de negócios...
- Fazer o que? Infelizmente, é assim que a coisa funciona: quem tem mais pode mais... Quem paga a banda escolhe a música a ser tocada!
- Coitado dos músicos!
- Fica frio que quando você começar a ver a cor do dinheiro na sua mão, tenho certeza que vai começar a ver as coisas por outro ângulo...
- O que você está querendo dizer com isso, Juninho?... Por um acaso você anda lendo Zibia Gasparetto? Acha que realmente tudo e todos tem seu preço?...
- Deixa isso pra lá! Vamos falar do que realmente interessa. Então? A arte para o cartão de crédito personalizado da loja já está pronta?
- Já sim, desde sábado como havia lhe prometido.
- Já está gravado em CD?
- Sim!
- Posso levá-lo?
- Sim!
- E a arte do boton? Já começou a bolar? Tem que correr com isso, pois também tem a arte do crachá e dos adesivos. Eu já te passei?
- Só do boton.
- Cara, está vendo? Estou tão adrenado que me esqueci de te falar. Tem muita coisa pela frente. Pode acreditar, não vou te dar sossego nem um só dia. Trampo é que não vai faltar!
- Ok! Você trouxe o valor combinado pela arte do cartão de crédito?
- Não; podemos acertar tudo no final? Vamos fazer um pacote, um bem-bolado...
- Parece que as coisas não mudam mesmo... Parece funcionar assim em todo lugar. Desculpe-me, mas, não trabalho dessa forma. Comigo é toma lá, dá cá!
- Cara, para trabalhar com as redes tem que ter jogo de cintura, tem que ser flexível, se não, a coisa não vira!...
- Você está querendo dizer que eu devo ser um cara manipulável?
- Nada disso! Tudo é um jogo... Você precisa saber jogar... É preciso muita inteligência para participar desse jogo.
- Não creio que a palavra correta para esse caso seja inteligência, uma vez que não vejo inteligência nenhuma nessa forma de se permitir ser controlado. Chamo isso de sagacidade.
- Sei lá! Use o nome que quiser!
- Mas, diga-me mais uma coisa: que jogo é esse que só um cara tem a bola, escolhe o local onde você pode ou não jogar, o uniforme, os participantes e ainda dita as regras do jogo? Sem falar que o mesmo só “joga” se tiver a absoluta certeza, trazida por pesquisas de mercado, parecidas com essa que você acaba de implantar.
- Sim, esse jogo é sempre manipulável! É pegar ou largar! Se você não quiser, está cheio de gente na fila atrás de você.
- Sei! É uma verdadeira arena de gladiadores e ouso dizer, muito mais selvagem do que aquelas dos tempos de Roma. As únicas diferenças é que aumentou em muito o número de “Cesares”, e o nome do Coliseu, que agora, chamam de Shopping Center ou Calçadão.
- Você é foda, cara! Não pode ficar só vendo o lado negativo das coisas... Procure ver o lado bom de tudo isso. Já pensou em quantos empregos diretos e indiretos essas redes acabam criando?
- Criando empregos ou “criados”? São meros criados para a diversão dos Cesares, que não se importam nem um pouco com os leões selvagens do capitalismo. Eles não criam sistemas de empregos, mas sim, sistemas de escravatura branca, oficializada por uma tal de CLT. Ridículo!
- Sabe, cara, na boa: você pode se dar o luxo de pensar assim, por que nunca teve filhos!
- Juninho, essa me parece ser a justificativa mais usada pelas pessoas. É incrível como as pessoas possuem uma postura fatalista. Ou é o destino ou então, é por que Deus quis assim. Parece que é muito mais fácil aceitar do que questionar as coisas.
- Cara, as coisas estão tão aceleradas, que não dá tempo para se questionar nada... É pegar ou largar!
- E essa, Juninho, me parece ser uma das frases mais correntes na boca dos capitalistas de plantão!... Acho que isso continua acontecendo, por que, ao anoitecer, as pessoas chegam tão estressadas de seus “em+prégos”, que não possuem a menor disposição para questioná-lo. Ao contrário, ainda se sentam diante dos “manipulaticiários” da tv, que acabam por assustá-los ou então distraí-los da verdadeira realidade em que sobrevivem.
- Você está sempre questionando as coisas...
- Acho que esse é o grande problema: nunca fomos incentivados a questionar nada. Crescemos numa sociedade que sempre nos forçou a acreditar de forma cega, sem o menor questionamento, uma vez que isso não é do interesse do status quo. Os capitalistas de plantão não querem pessoas que pensem, uma vez que essas pessoas não se permitem serem exploradas. Quanto a arte do cartão de crédito, como lhe disse, já está pronta, mas, como não trabalho com sistema de crédito, não posso lhe creditar a arte do tal cartão de crédito. Você já tem o valor da arte do mesmo e já sabe do valor da minha arte. Se você quiser me valorizar, não precisa gastar palavras com promessas de trabalhos futuros: basta mandar a quantidade de notinhas avaliadas por mim previamente. Comigo não se trata de um jogo, mas de negócios: eu neguei meu ócio pelo valor cobrado, portanto, nada mais certo do que me pagar aqui e agora.
- Sei que você está certo, mas acho muito difícil hoje em dia se chegar a algum lugar de sucesso dentro de tal filosofia.
- Posso lhe fazer duas perguntas: o que significa para você a palavra “sucesso”?... Não sei para você, mas, para mim, nada me parece ser mais condicionado do que a idéia de sucesso. Sucesso é o resultado, a conclusão de algo que se busca, portanto, o que é sucesso para você, para mim, pode ser um verdadeiro insucesso. E a segunda pergunta é um pouquinho mais difícil de ser respondida, uma vez que as pessoas estão quase sempre tão adrenadas que nem sabem para onde estão correndo: o que é que você busca?... Por favor, não me responda, pois as respostas para essas perguntas só cabem a você. Você pode pensar nas respostas para elas enquanto busca pelo valor para o acerto da arte do cartão de crédito.
- Sério mesmo que você não vai me dar a arte do cartão agora?
- Se eu for numa das lojas do seu empregador, pedir por um par de tênis e prometer voltar outro dia para trazer o valor do mesmo, será que ele me daria tal crédito? E se ele dá esse tipo de crédito, por que então gasta tempo, dinheiro e energia na confecção de um cartão de crédito e na contratação de uma financeira particular? Sinto muito meu amigo, mas você terá que voltar outro dia para pegar essa arte. Saber dizer não é uma arte negligenciada por muitos hoje em dia. Não tenho escolhas: tenho que seguir meu coração se não quiser ser jogado aos leões dos capitalistas de plantão. Em nome do meu crédito pessoal, terei que lhe pregar essa arte e lhe negar a entrega da sua arte.
- Cara, eu não acredito!
- Pode acreditar! Sei que a minha maneira de jogar é totalmente diferente, mas é a que eu encontrei para levar uma vida menos adrenada e muito mais qualitativa, por isso que não vivo na correria. Sei por experiência própria que a exposição prolongada a essa espécie de jogo que você está jogando agora, é um jogo onde apenas se perde, mesmo quando ilusoriamente se pensa estar ganhando.
Ao ouvir isso, o sorriso branco desapareceu de seu rosto e seus ombros deixaram de estar altivos. Estendeu a mão sem a aquela energia característica dos homens de negócios. Um simples palavra de apenas três letrinhas foi o suficiente para confirmar sua frágil realidade interna.
- Ok. Então volto depois para pegar a arte. Vou nessa.
- Da próxima vez já estarei com a arte dos botons para a sua apreciação. Lembre-se do que lhe falei antes: não se leve muito a sério! Vai na paz!
Enquanto ele, com um ar desconcertado dirigia-se para o seu carro, veio-me a mente a seguinte reflexão: estamos vivendo uma época sem precedentes em nossa história em que os valores humanos estão sendo deixados totalmente de lado em nome de valores financeiros e virtuais. O "deus" dos capitalistas de plantão parece-me ser a tecnologia e os “padres” os marketeiros e gerentes; a "religião oficial" é o resultado das vendas. A "lei" é ditada pelo mercado; os “templos” são os shoppings centers e os calçadões; a “graça” é o lucro privado sobre a desgraça da exploração alheia; os “dogmas” são as pesquisas de mercado e a “óstia” o cartão de crédito, o qual, para ser digno de recebê-lo tem que se estar impecavelmente limpo.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!