Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

22 outubro 2007

O que estamos buscando?

Segunda-feira; 09h30min de uma manha nublada.
Na padaria, um senhor, contrariava os vários pedidos expostos na prateleira, folheando o jornal matinal, sobre o canto esquerdo do balcão do caixa.
Ao meu lado, um jovem com não mais que 30 anos de idade, com grossas correntes e pulseiras de prata, tênis com enormes amortecedores na cor amarela, visivelmente ansioso, anda de um lado para o outro, falando num tom ardido em seu celular de última geração...
- Mas eu já falei para aquele baiano do cacete, o que é que você quer que eu faça... O cara até que é gente boa, só que está pisando na bola desta vez... Eu não sei por que essa gente vem para cá... Eu sei disso! Deviam ficar por lá!... Não vai dar... O que você quer que eu faça?...
Apoiando-se com os dois cotovelos, curvou-se sobre o balcão, com sua mão esquerda apoiando o celular contra o ouvido e com a mão direita coçando o cabelo espetado repleto de gel. Era visível o seu desespero...
- Mas eu já falei com ele agora há pouco!... Não tem nem meia-hora!... O que você quer que eu faça?... Meu irmão, tudo bem se dependesse de mim!... Acalme-se! Você está cobrando do cara errado!... Já pisei com você antes?... O que você quer que eu faça?... Só se eu mandar "subir o gás dele"... Posso te ligar em dez minutos?... Já te ligo já, deixe-me fazer algumas ligações. Fica na boa que resolvo tudo... Você sabe que pode contar comigo!... Ainda hoje, sem falta, pode ficar tranqüilo!... Eu sei disso!... Pode deixar que eu vou dar um jeito nisso! Valeu irmão!...
Após desligar o celular com uma expressão que mesclava medo e raiva, colocou o mesmo sobre o balcão e levou as duas mãos entrelaçando os dedos na parte posterior da cabeça, provavelmente refletindo na delicadeza da situação em que se encontrava e num modo de resolvê-la. Diante de nós, Osmar, o balconista da padaria, apressadamente lavava o acumulo de copos, xícaras e pratos acumulados dentro da pequena pia de inox, deixados pelos primeiros clientes da manhã.
Eu somente observava a cena ao mesmo tempo em que saboreava uma média quente com um pão com manteiga na chapa.
De repente, o rapaz virou-se para nós, como se fossemos íntimos amigos, colocou novamente o celular no suporte de couro preso em sua avantajada cintura e, em alto som exclamou:
- É hoje que eles me matam!... Se não me matarem, vão acabar me deixando louco!...
Com um olhar muito além da padaria, colocou as mãos na cintura e começou a andar em círculos no mesmo lugar. Quando parou, voltou-se novamente para nós e disse:
- Quer saber? Seria melhor que me matassem de fato!... Quer saber? Já estou farto de toda essa merda!... Melhor morrer no quinto dos infernos do que continuar nessa vida de merda!... Com certeza, hoje é o meu dia!...
Sem que houvesse tempo para qualquer comentário de nossa parte, ele passou a mão na ficha de consumo que estava sobre o balcão, apressadamente virou-se em direção ao caixa, deixando para trás um copo de suco de laranja, quase que intacto. Osmar, atenciosamente até que tentou:- Cidadão? Não quer que coloque o suco numa embalagem para viagem?
- Deixa quieto!... Se eu beber essa merda agora, aí sim é que meu estomago vai pro saco!
Não era nem mesmo 10h00min da manhã de uma nova semana e uma cena dessas se apresentava diante de mim. Enquanto silenciosamente observava o jovem no estacionamento da padaria, preparando-se para partir numa enorme e reluzente moto, em minha mente, vários questionamentos se passavam...
O que estaria acontecendo de tão grave para que, logo cedo, um jovem ficasse naquele estado?
Como que as pessoas se permitem viver nesse estado?
O que aconteceria com esse jovem no decorrer do dia?
Apesar do meu sentimento de tédio e incompletude, que logo ao abrir dos olhos se apresentaram, senti-me aliviado por não viver uma realidade semelhante aquela vivida pelo jovem rapaz.
Apesar do alivio, bateu-me também o sentimento de tristeza por ver que aquele rapaz desejava mais a morte do que a vida. Como já estive em situação semelhante em tempos idos nem um pouco saudosos, sei muito bem o que isso significa.
Hoje, apesar de todo tédio e da insatisfação, quase sempre consigo ver lucro onde os outros vêem prejuízo. Essa situação serviu para fortificar ainda mais a certeza que a muito tempo corre em minhas veias: o mais importante é buscar por Vida, e Vida em abundância.
Torço para que a inteligência amorosa e criativa se manifeste na mente daquele jovem... E na minha também!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!