Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

29 março 2011

Fotografando em Modo Zen

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Manhã de sol, céu azul e poucas nuvens. Depois de um saboroso café, com frios e pães especiais, partimos em direção ao Templo Zu Lai, para a primeira saída fotográfica de um casal de sobrinhos. A ansiedade deles fez-me lembrar dos meus primeiros dias de relação com a fotografia. Durante o caminho, fui falando um pouco da minha visão sobre o que a fotografia fez comigo, como ampliou minha maneira de ver o mundo, de perceber que existem variados ângulos pelos quais podemos vê-lo, ao contrário da forma obtusa com a qual antes o via. Falei também de como a fotografia nos torna muito mais sensíveis, atentos e abertos para situações nas quais a grande maioria, por estar quase sempre ligada aos 220 watts, não se dá conta. Falei sobre a importância de fazer da fotografia, muito mais do que um mero “retratar” de beleza, mas sim, um “denunciar” da falta de coerência e dignidade humana tão presente em nossos dias. Meu desejo era poder passar tudo de bom que trago comigo, mas, a boca não consegue dizer mais que uns poucos bocados do que trazemos no intimo; acho que só a terça parte e, talvez, esse seja o simbolismo da palavra “dizimo”: dividir o que diz o intimo.

Chegando ao local, encontramos vaga logo no estacionamento da entrada. Hora de dividir equipamentos. Pela primeira vez, fiquei sem minha máquina, o que sobrou, foi carregar o tripé. Sob a sombra de uma pequena mas bela árvore, passei as explicações sobre como fotografar em modo manual, como encontrar o valor da exposição, da importância da poesia fotográfica formada pelas linhas, retas, curvas, perspectivas, cores e formas. Da importância de captar o “espírito” que paira no ar, bem como as emoções que o mesmo causa nos presentes. Depois da explicações, paramos diante das primeiras estátuas para alguns testes. Para minha surpresa, ambos pegaram as explicações na primeira. Hora de partir à campo. Usei os turistas que ali estavam para mostrar para os “aprendizes” como o olhar humano é acelerado e automatizado, como quase sempre vê o mundo na mesma posição, como não sai do seu lugar para arriscar a beleza de se deparar com novas formas de ver as formas. Apresentar aos acelerados as formas por outras formas: essa é a grande arte do fotógrafo. Dito isto, lancei-os, juntamente com meus internos e silênciosos votos de que a fotografia fizesse com eles, tudo aquilo que vem fazendo por mim.

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Começamos as fotos pelo jardim de entrada do templo, para depois partir em direção ao mesmo. Abaixo do umbral de entrada, havia uma caravana atenta as explicações do monitor. No templo, ocorria um cerimonial do qual se podia ouvir os cantos. Havia também no local um grupo de fotógrafos da cidade mineira de Pouso Alegre. Enquanto meus sobrinhos e esposa fotografavam, fui olhando as imagens do andar do Templo. Uma grande estátua, parecendo ser de bronze me chamou atenção. Enquanto a observava, pude ver meu sobrinho se aproximando. Pedi para que me passasse sua máquina para que eu avaliasse suas fotos tiradas até então. Enquanto, pelo visor apontava alguns de seus erros e acertos, pude perceber um cidadão, de fisionomia oriental, numa negra roupa monástica, com sapatilhas pretas, meias brancas e num acelerado e raivoso andar “dez paras duas” vindo em nossa direção. Quanto mais se aproximava, mais seu olhar se fechava. Sem expressar nenhum cumprimento, gesticulando muito, disparou seu mal-estar:

- Já falado não fazer fotografia cerimônia. Não poder fotografar.

Com muita calma, respondi:

- Senhor, não estou fotografando.

- Está sim, vi fotografando.

- Não estou fotografando, se quiser posso lhe mostrar. – Disse-lhe apontando o visor da máquina, a qual ele empurrou de forma brusca, negando-se a conferencia.

- Não querer ver.

Como ele quis virar as costas e sair bruscamente, segurei em seu braço e disse:

- O senhor não tem o direito de me chamar atenção por algo que não estou fazendo.

Dito isto, empurrou meu braço e saiu em disparada, feito uma negra mariposa transloucada, em direção a entrada do templo, onde, com ajuda de vários incensos, deu continuidade a sua participação no culto. Sua postura só fez confirmar em mim, aquilo que já trago comigo: a desconfiança de situações envoltas na necessidade de cerimônias e roupas especiais que não condizem com o dia a dia.

Meu sobrinho olhou para mim e disse:

- Esse tal budismo não deve estar funcionando com ele.

Com um riso malicioso, respondi:

- É um tipo diferente de Zen budismo... Zenpaciêncianenhuma!...

O que aprendi com o ocorrido? Aquilo que não necessita de um olhar fotográfico: Que belas roupas, um belo templo e uma perfumada e florida cerimônia, de modo algum fazem um monge.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!