Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

07 setembro 2007

Nutrindo-se com sopa de letrinhas

O dia amanheceu com uma beleza indescritível; o céu de um azul vivo, sem uma nuvem se quer, fazia ofuscar as vistas e todas as flores pareciam se entregar aos fortes raios solares.

Krish, nosso pequenino e negro cão, como de costume, refestelava-se à sombra do canto direito das escadas da entrada de nossa casa, enquanto que Tuca, nossa maritaca, parecia querer brindar a beleza da manhã através da sua barulhenta cantoria.

Há uma leve brisa que não consegue fazer frente à forte temperatura dos raios solares e, mesmo embaixo da sombra da pequenina pitangueira, o calor é bastante intenso, quase que insuportável.

Como parte da minha rotina das manhãs, eu estava apreciando uma boa leitura quando, ela com sua amiga, no mesmo horário de sempre, dirigiam-se para uma das agências bancárias local. Desta vez, quebrando o protocolo da rotineira expressão "bom dia", questionou-me:

- Quantos livros você lê por dia?

Com seriedade no olhar lhe respondi:

- Quantos livros você lê por ano?

Ela bastante surpresa com o teor da minha resposta, um tanto sem graça e tentando esconder sua vergonha diante de sua amiga, respondeu:

- Nenhum! Quer saber? Eu não leio nada!

- Por que você faz isso com você?

- Sei lá! Na real, prefiro ouvir FM.

- Não sente necessidade de nutrir sua mente?

- Não, de modo algum.

Com o olhar reflexivo e coçando a rala barba de meu queixo, lhe respondi:

- Sei! Eu também já fui assim um dia...

Pude perceber pela mudança da qualidade do seu olhar, que a minha resposta lhe deixou meio que fora do ar. Ela virou-se para a sua amiga que apenas observava nossa conversa em silêncio, numa tentativa de perceber o que sua amiga tinha entendido do teor da minha resposta e, como ela não proferiu uma palavra se quer, voltou-se para mim e novamente questionou:

- O que você está querendo dizer com isso?

- Nada não! Estava apenas pensando alto! – Lhe respondi com um leve sorriso.

- Sei! Então tá! Deixe-me ir, pois a fila do banco já deve estar saindo para fora da agência; você sabe como é o banco nas vésperas do dia dez.

- Fique a vontade! Aproveite a fila do banco para pensar no que vou lhe dizer agora... Creio que enquanto você está perdida em seus pensamentos na espera da fila, está desperdiçando uma ótima oportunidade de conversar com homens e mulheres que enxergaram a vida muito mais longe que a mediana humanidade. Creio que não é só de alimento sólido que todos nós precisamos: nossa mente também precisa de alimentos nutritivos; uma sopa de letrinhas de vez em quando, em nada pode lhe fazer mal...

Puxada pela sua inseparável amiga, com um sorriso um tanto sem graça, fez-me um ligeiro aceno e seguiu com seu caminhar acelerado.

Assim como ela, durante minha adolescência, nunca nutri o hábito salutar por uma boa leitura, dessas que nos impulsionam em direção à excelência do ser que somos. Limitava-me quase que diariamente ao colorido das imagens das revistas eróticas ou ao resultado do caderno esportivo de um jornal qualquer, sendo que este último não tanto dedicado quanto às primeiras. Meu hábito pela leitura teve seu inicio com o advento do meu primeiro inverno existencial e confesso que dentro daquela atmosfera nublada com seus inúmeros trovões emocionais, não me foi possível uma boa assimilação do conteúdo. Minha imperiosa necessidade de encontrar respostas para os meus conflitos provenientes de uma adolescente existência sem vida é que gerou em mim esse hábito salutar pelas leituras nutritivas. Hoje, aos meus quarenta e três invernos, já não sinto a mesma necessidade de fazer uso dos livros de terceiros para poder ler o livro que sou.

Ao olhar para aquela jovem, caminhando freneticamente pela calçada ao lado de sua amiga, meu sentimento foi de tristeza. Por não ter desenvolvido o hábito da leitura, talvez passaria uma existência inteira –assim como muitos -, sem chegar nem ao menos no prefácio do livro que é e, desse modo, se boicotando de um dia, conscientemente criar a abertura necessária para o rompimento do anonimato de seu autor, o mesmo que há séculos vem nos brindando com a beleza das manhãs.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!