Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

24 setembro 2011

Sobre a natureza exata de nossos conflitos

Bom dia a todos! Gostaria de estar compartilhando com vocês umas percepções de ontem a tarde, depois que eu fui fazer uma visita ao escritório de um grupo de auto-ajuda, um grupo de uma Irmandade Anônima, a qual eu devo muito, tenho uma profunda gratidão,  porque, se não fosse ela, com certeza não estaria agora aqui conversando com os amigos. Já faz oito anos que me afastei dos grupos anônimos, onde durante vários e vários anos fui um membro bastante participativo, bastante ativo, por medo de voltar a ter aquela depressão terrível, que foi a minha depressão iniciática, da qual hoje eu sou profundamente grato também, porque se não fosse ela eu não teria a mínima condição de estar descobrindo esse estado de ser no qual me vejo agora. 

Eu pensei que quando chegasse naquele escritório ia encontrar velhos conhecidos com quem a gente teve bastante troca, uma ajuda muito legal,  que foi um grande suporte naquele momento profundamente difícil, profundamente confuso, naquele momento de muito medo, muita incerteza, muitas idéias obsessivas compulsivas, uma total bagunça interna e, quando cheguei lá, não tinha nenhum desses conhecidos, eles não estavam por lá, porque eles todos tinham ido, por coincidência, tinham ido para um encontro nacional que está sendo realizado este final de semana em Santa Catarina, e o tema desse encontro é "Pode haver recuperação sem a prestação de serviços?" Pois eu vou tentar, vou falar um pouquinho sobre isso que é uma das percepções que eu tive durante essa quase uma hora que fiquei lá conversando com uma senhora, que frequentava o mesmo grupo que eu frequentei, e que não me identificou, não me reconheceu quando eu cheguei lá. Perguntou se era a primeira vez que eu estava indo naquele grupo. Eu disse: 

Não, você não lembra de mim? Eu sou, eu era conhecido por "Nelsinho...
Ela olhou para mim assim e falou:
Não pode ser!...
Por que que não pode ser?... Cresceu uma barba, tem uns fios brancos ai, uns bigodes brancos, perdi cabelo, mas estou tão diferente assim?...
— Não, você está diferente... O Nelsinho que eu conheço é aquele Nelsinho bravo, que falava alto com todo mundo... Você está diferente!...
— Que bom que eu estou diferente!
— Você está frequentando que grupo?
— Não eu não frequento mais os grupos, já faz oito anos que me afastei.


Quando falei isso, percebei como ela ficou assustada com essa colocação minha de não fazer mais parte dos grupos. E ela virou para mim e falou assim:

 Mas escuta: você está frequentando alguma terapia? Está frequentando psicólogo? Está frequentando alguma reunião?... Porque não dá para a gente ficar bem sem estar frequentando alguma coisa!...


Eu falei:

— Não, é lógico que dá! Dá sim! São oito anos ai que eu estou sozinho, que eu estou na caminhada sozinho! No início não foi nada fácil, porque formou-se durante todos esses anos uma profunda dependência psicológica entre o grupo, entre as literaturas do grupo e entre as pessoas com quem eu me relacionava nos grupos. Ali havia uma forte rede de segurança emocional. Mas, como a palavra "rede" indica, a rede é algo que nos prende a algo, que não deixa você livre. E, para poder estar dentro desse grupo eu tinha que me ajustar, me amoldar as tradições, aos padrões comportamentais que esse grupo, que a consciência coletiva desse grupo estipula como sendo um padrão de comportamento viável para que você participe desse grupo. Apesar de dizer que você tem toda liberdade, não, existe sim por parte das pessoas, dos membros, uma cobrança de que você se ajuste, se conforme com o padrão de pensamento, o padrão comportamental... Que a sua fala seja encima dos "chavões", dos "temas", dos "lemas", dos "jargões" que são passados de membro para membro durante suas reuniões.

É muito interessante essa questão dela, o modo como ela me colocou, o olhar dela de medo...

— Mas como é que pode você ficar sem reunião? Você não vai transmitir para as pessoas?...


E eu virei para ela e falei assim:

 Escuta: essa programação, se você levar ela a sério, devidamente, se você se aprofundar, se você não ficar na superfície das letrinhas, se você for fundo, isso propicia para você um estado de "Unidade Interna", em que você adquire uma "auto-suficiência psicológica" em que você não precisa mais ficar correndo atrás de "doações de terceiros"... Dá para você começar a caminhar por você! E tem mais: eu descobri nessa caminhada que o mundo é uma "grande sala de reunião"... Está cheio de pessoas ai, atrás dessa mensagem... Cada um está buscando essa mensagem em algum lugar... É um telefone que toca, como falei ontem... 


É bem interessante isso, como as pessoas parece que, para você poder dividir um pouco de você, tem que quer num determinado lugar, tem que estar preso num determinado horários, numa determinada prática durante a semana, quer dizer, isso ai não pode ser feito em todas as nossas atividades?... Então, eu descobri isso que "o mundo é uma grande sala de reunião, o mundo é uma grande sala de pessoas conflitadas e que você pode estar passando, do seu modo, com sua originalidade, com sua autenticidade, do modo que você sente que lhe é melhor, mais folgado,... passar essa experiência. E eu pude perceber, no ato, a resistência dela diante dessa minha postura, diante dessa minha visão... E isso é muito natural, porque dentro de qualquer instituição, você é incentivado, é condicionado que você "tem que" estar ali,  participar, dar continuidade... A maioria dos lugares parece que nem a família, eles não criam você para o mundo, para soltar você para o mundo... Querem você ali, você tem que estar ali para dar continuidade aquele grupo, aquele limitado grupo... Você não pode sair do grupo!

Foi muito interessante, que quando, no início dessa depressão, houve uma identificação iniciática, que através do fundo de poço... É muito interessante, a pessoa que tem o problema do alcoolismo, que tem o problema de jogo, que tem problema da compulsão sexual, da dependência psicológica de relacionamentos, ou do comer compulsivo, quando ela chega no fundo de poço dela, o que está causando a dor é aquele determinado comportamento. Então, é natural que a identificação iniciática seja encima de um padrão comportamental. Então, a gente vai se reunir dentro de um grupo que trabalhe esse padrão comportamental, que seja um fator determinante... Então, no meu caso ali foi a depressão, eram as minhas emoções descontroladas que estavam me causando todo aquele conflito. Então, quando cheguei nesse grupo e eu vi pessoas falando sobre o padrão comportamental que estava acontecendo comigo, houve uma identificação natural: "Pô! Achei a minha turma!... Esse é o problema e a natureza exata dos meus conflitos são as minhas emoções!"... E isso é importantíssimo!... Isso é importantíssimo!...

Sem essa identificação iniciática com um padrão comportamental de sofrimento, que causa o sofrimento, Não tem como a pessoa começar a ter uma percepção, não tem como a pessoa começar a desenvolver o auto-conhecimento, o processo de meditação sobre si mesmo... Não há como! E, hoje fica muito claro para mim que se a pessoa for "séria", em qualquer instituição que ela entrar, ela vai encontrar as ferramentas iniciais, básicas, para o início desse processo de auto-conhecimento. E, se ela for "séria", com essas mesmas ferramentas, ela vai perceber a limitação dessas ferramentas e ela vai precisar buscar por "novas ferramentas". Não vai dar para ficar ali parado... Como num processo de educação, você começa lá no pré-primário, vai para o primeiro aninho, depois vai para o ginasial, — nem sei agora como são as classificações na escola, — até chegar a um "Ensino Superior"... Onde você se sente pronto para ir para o mundo e dividir aquilo que já tem dentro de você e que foi ajudado por todas essas ferramentas.

Então, se a pessoa for "realmente séria", seja lá no grupo em que ela fizer parte, estiver fazendo parte, ela vai perceber, ela vai começar a desenvolver, aquilo que alguns homens já colocaram como o "observador". Todo início de conflito é por causa da ausência total, da ausência desse observador!... Você está tão identificado com a mente, com seus pensamentos, com suas emoções, com seus sentimentos, com suas compulsões, com seus medos, que você "age no automático", num estado quase que de sonambulismo... Você vai fazendo tudo conforme, você vai reagindo, reagindo, reagindo emocionalmente... Não há esse estado de observador. E, nessas reações, é lógico que só pode se instalar conflito atrás de conflito, conflito atrás de conflito... Um círculo vicioso de conflitos e que, para esses conflitos, você vai precisar de algum padrão de comportamento compulsivo, obsessivo, para aplacar a dor causada por esse constante conflito se instalando.

Já com a "instalação" desse observador, a coisa começa a amenizar... Esse observador começa a, pela observação, a não se identificar com várias das coisas que vão se manifestando, já começa a perceber o falso... Já começa a instalar, com esse observador, a prática de um inventariar relâmpago do que está ocorrendo dentro de você... E, esse inventariar já começa a dar condições de você não se identificar, não criar conflitos, não criar tanta resistência... Aqui já é um grande passo no processo — como nessas irmandades falam, todas elas, no A.A., nos Neuróticos Anônimos, Narcóticos Anônimos, Dependentes de Amor e Sexo Anônimos, Comedores Compulsivos Anônimos, Jogadores Compulsivos Anônimos — todos eles vão colocar isso, a palavra que é muito utilizada, a "recuperação"... Que, aparentemente, de início, é esse recuperar de, não mais, de se "manter limpo", como é falado nessas irmandades, limpo desse padrão de comportamento compulsivo. Mas, isso é muito primário, isso é muito primário! Isso não tem nada a ver com "cura"... Isso ai é só o parar para começar a perceber o que é a realidade interna sem ser anestesiada. "Recuperação" é muito mais do que isso! Porque tem um monte de gente ai detendo seus padrões e, como no A.A. eles falam, o cara para de beber e vira um "bêbado seco", emocionalmente bêbado... Não tem o químico mas é emocionalmente bêbado. Isso é em qualquer das irmandades. Isso é um fato! O parar com seu padrão de comportamento compulsivo não é recuperação. É interessante perguntar: recuperar o que?... Hoje eu tenho essa consciência dessa resposta, já está dentro de mim... Muito bem marcada, muito bem vivida! Eu vou falar um pouquinho mais diante disso.

Mas, o interessante desse processo de desenvolvimento, de auto-conhecimento interno, você percebe num determinado instante a limitação do próprio observador... Que aonde tem observador e a coisa observada, ainda há fragmentação, ainda há espaço, ainda há tempo, ainda há conflito, ainda há um querer "vir-a-ser" algo, que cria ansiedade, que cria angústia, que cria inveja, que cria todos aqueles sentimentos... E aqui é um momento muito difícil da caminhada, pelo seguinte: quando se chega aqui, se você ainda está preso a uma entidade, a alguma organização, a alguma instituição, pelo conhecimento adquirido, diante dos demais membros você começa a ter a formação de uma "personalidade, de uma respeitabilidade". As pessoas começam a te respeitar como um "veterano", como alguém que tem "bastante conhecimento", que "já andou bastante". E, essa respeitabilidade, muitas vezes, limita que a pessoa fale a realidade de seus sentimentos internos. Então, esse observador ai faz com que a pessoa perceba, mas ela não coloca de modo aberto, como os membros que vão chegando pela primeira vez, a realidade interna de seus conflitos. Então, a pessoa passa a viver um estado de isolamento emocional por causa da respeitabilidade adquirida nesses grupos. Ela não tem a liberdade de falar abertamente, como chega o novo, por isso que nesses grupos eles falam que "o novo é a pessoa mais importante". Por que é a pessoa mais importante? Mais importante porque ela vem original, ela vem sem os condicionamentos, mesmo com uma originalidade adoentada pelos seus padrões de comportamento"... Ela chega ali e fala tudo! Ela fala exatamente o conflito dela, o que ela está vivenciando, ela não tem a preocupação em adequar o comportamento dela aos jargões, aos padrões, aos lemas, que aquela irmandade, que aquele grupo, que aquela instituição coloca como sendo o comportamento de uma "pessoa espiritualizada", de uma "pessoa equilibrada", de uma "pessoa iluminada", ou sei lá o nome que for... uma "pessoa realizada".

Então, esse é um momento muito difícil porque todo esse conhecimento adquirido, na busca da solução dos conflitos internos, faz com que a pessoa"não seja autentica, não seja original", para defender essa personalidade "espiritualista" que foi criada dentro desses grupos. Então, essas pessoas, esses "líderes" ele vão ter que ficar sempre fazendo "reuniõenzinhas" fechadas, falando num cantinho qualquer, com um ou outro, para que não fira aquela imagem que foi criada, até para não "assustar" os mais novos... "Fulano de tal teve uma recaída emocional? Mas como? Com tantos anos ai?"... "Fulano de tal recaiu no álcool, recaiu na droga, recaiu no padrão de comportamento, mas como?"... Esse é um momento bastante difícil, bastante limitado, e que acontece muito e que muitas vezes, o que acontece?... Essa respeitabilidade faz com que a pessoa se afaste de vez daquela ambiente que ela frequentava, porque o orgulho, não deixa a pessoa voltar e dizer: "Gente: eu preciso de ajuda!... Estou limitado nesta área"... Esse é um momento bastante difícil, inclusive, existem recaídas que acabam, dependendo do padrão comportamental, acabam sendo recaídas fatais, que acabam levando a pessoa à loucura ou à morte prematura. 

Então, aqui, é uma outra identificação muito interessante: que é a impotência diante do observador, que o observador não tem condições de levar a gente além daquele estado do próprio observador. O observador , em si mesmo, é limitado ao seu poder de observação. Há a necessidade da instalação de "algo" maior, de algo" que não pode ser traduzido pela limitação das palavras. Sem essa instalação desse algo, e a instalação desse "algo" só vem com a rendição total, com esse fundo de poço diante desse observador, sem isso, sem isso, sem esse abaixar as mãos, sem a percepção direta da limitação do conhecimento, de tudo que foi adquirido em todos esses anos de busca para tentar solucionar aquele padrão comportamental inicial, sem isso, a pessoa não consegue adentra num outro "estágio", num outro "portal", um portal de cura. Em todos esses lugares, isso ficou claro para mim, nenhum deles prepara você para a liberdade do espírito humano. Eles te querem ali, preso, eles não querem você: "Olha, vá ao mundo e transmita sua mensagem, a sua experiência, isso que você vivenciou... Vá!... Não se prenda a nós, não! Vá!... Vá e faça esse trabalho! Vá lá e seja VOCÊ MESMO e passe para o "outro" o que você descobriu!... Não! Não fique preso aqui!"

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!