Já na Rua Santa Ifigênia, o "putz-putz" das potentes caixas acústicas ditam o ritmo do frenético e estressado público. O clima de tensão emocional, carregado de desconfiança, medo, controle e corrupção é bastante pesado no local. Andar pelas calçadas é quase que impossível, uma vez que de três em três metros, há um montante de pedestres curiosos diante das barracas improvisadas sobre caixas de papelão, onde são vendidos DVD's e CD's de programas piratas, por rapazes mal encarados com bombetas na cabeça, calças largadas e camisetas de times de futebol... É uma verdadeira feira de pirataria, onde todos anunciam seus produtos genéricos e dizendo seu amigo...
- Depois da meia-noite, até mulher vira avião, meu irmão!...
- Cd's de programas e DVD's de filmes, amigo? ...
- Controle remoto, cabo de vídeo RCA, amiguinho? ...
- Roteador, Placa Mãe, Swift, amigo? ...
- Vai cartucho de impressão, amiguinho? ...
- Olha aí irmão: o melhor custo beneficio da região...
Na Avenida Ipiranga, pego um ônibus em direção à Rua Augusta, para onde sigo em busca de uma encomenda num sebo da região. Enquanto a maioria se distrai com os vídeos apresentados pelo "BUS TV", extraídos de um site cujo nome é "vídeos imbecis", em silêncio fico meditando sobre o comportamento humano.
Existem pessoas que infelizmente exercem uma enorme dificuldade de manter relacionamentos nutritivos e por causa dessa dificuldade, mantém um olhar paranóico diante dos acontecimentos do seu dia-a-dia. Por causa desse olhar equivocado, vivem criando inimigos externos e desenvolvendo estratégias competitivas, quase sempre escudadas numa tendenciosa linguagem crítica, rancorosa e grosseira.
Como essas pessoas alimentam o auto-engano de que a natureza exata de seus conflitos esteja sempre no comportamento de um agente externo e não em si mesmas, quase sempre concentram seus esforços na tentativa de ofuscamento do brilho dos seus "ocasionais inimigos de escolha". Diante desse comportamento, alimentado pela cegueira do olhar, perdem a oportunidade de discernirem a sabedoria do dito popular: quando se aponta um dedo para alguém, três dos nossos dedos apontam para nós mesmos.
Em conseqüência, as enormes barreiras internas que as mantém incapacitadas de estabelecerem genuínos e nutritivos relacionamentos, permanecem sempre camufladas, enclausuradas, não expostas a ação da luz e, com isso, criando aquilo que chamo de "bolor emocional". Essa grossa camada de bolor emocional as impede de enxergarem a si mesmas e, por essa razão, seus assuntos invariavelmente decorrem de forma compulsiva sobre as trivialidades ou sobre o comportamento do outro. São verdadeiros "outristas de plantão". Como já dizia o finado poeta: essas pessoas falam demais por não ter nada a dizer. E, enquanto insistem nesse imaturo modo de se relacionar – se é que podemos chamar isso de relação -, não se dão conta de que pouco a pouco acabam afastando as pessoas que delas se aproximam, uma vez que nenhum ser humano suporta o mau cheiro causado pela ação do bolor criado no ambiente de uma mente fechada.
Agora são 17:00. Desço no ponto da Rua Augusta, à poucos metros da Rua Matias Aires, bem em frente de uma pequena galeria de quadros. Caminho em direção à Av. Paulista, onde procuro por um sebo, cujo nome não me recordo, instalado no segundo andar de um prédio. Toco a campainha e a pesada porta de vidro se abre. Do outro lado do balcão, um senhor de cara carrancuda, espera pelas minhas palavras...
- Boa tarde.
Ele somente balançou a cabeça levemente.
- O sebo está funcionando hoje?
- 2º andar. RG.
- O falso ou o verdadeiro? – Perguntei-lhe com um sorriso, numa tentativa de quebra o gelo.
- Isso é com você e não comigo.
- Pelo visto, o bom humor nesta avenida de negócios deve ser um produto em extinção. – Respondi enquanto tirava da carteira o meu RG com seu plástico amassado. – Obrigado.
A porta do elevador se fechou enquanto que o olhar porteiro se perdia em algum lugar longe da Av. Paulista. Depois da tentativa fracassada de encontrar o livro de meu interesse, novamente me dirigi para a Rua Augusta. Em sua esquina com a Av. Paulista, parado na calçada em frente à faixa de segurança aguardo pela abertura do semáforo. Há um grande amontoado de pessoas de fronte tensa. Somente um pequeno grupo de adolescentes demonstra alegria no olhar.
Cômico Vídeo sobre os outristas de plantãoSobre o ato de criticar