Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

19 outubro 2015

Um olhar sobre a vivência do deserto

A palavra "deserto", em hebraico, significa algo ou alguém abandonado — à natureza, às feras —, em russo, deserto, vem de "pusto" "pustota": o vazio. 

Nosso deserto tem seu início quando a Consciência desperta de seu estado de sono profundo, resultante de anos de adulteração psíquica.

Esse deserto se caracteriza pelo que a sociedade acaba rotulando como uma doença, a qual dá o nome de "Depressão". No nosso atual modo de ver — o qual você poderá achar um tanto estranho —, a depressão não tem cura: a depressão é a cura de nosso estado de inversão.

O deserto inicial estaria na perda do antigo estado de ser, o qual era por nós visto como "normalidade".

Nesse estado de depressão, o qual prefiro dar o nome de “crise iniciática”, nos vemos num deserto de uma explicação que nos seja satisfatória para aquilo pelo qual estamos sendo acometidos.

Corremos em vários locais, mas, em nenhum deles, encontramos uma palavra que realmente toque fundo e nos dê um senso de direção diante da enorme confusão aterrorizante na qual nos vemos inseridos.

Aliás, para muitos de nós, cada local que procurávamos para a compreensão daquilo que estávamos vivendo, ampliava ainda mais a nossa imensa sede de respostas; se mostravam como miragens do deserto existencial.

Então, para nosso assombro, conforme vamos nos deparando com materiais que esclarecem a triste realidade na qual estamos inseridos, esse deserto vai se ampliando cada vez mais.

Surge o deserto da compreensão parental; ninguém compreende aquilo que estamos atravessando e, não raro, estes nos trazem suas sugestões que apontam não para o encontro de nós mesmos, mas sim, para um modo de ajustamento ao conhecido insatisfatório.

O mesmo deserto acaba ocorrendo com nossa rede de contatos sociais e relacionamentos, aparentemente mais íntimos (com o caminhar no deserto, descobrimos que não sabemos nada a respeito da verdadeira intimidade).

Esse deserto se amplia no que diz respeito as nossas atividades rotineiras: profissão e Hobbies que antes nos deixavam eufóricos, passam a se mostrar vazios de qualquer sentido e significado, o que, não raro, acaba se mostrando um grande fator de conflito em relação aqueles com quem estamos comprometidos nesses Hobbies e profissões.

Também ocorre para muitos de nós, a tomada de consciência de como estamos espiritualmente estéreis e, mesmo para aqueles que, por causa da influência de seu lar de origem, frequentavam um determinado sistema de crença, o mesmo passa a se mostrar totalmente incapaz de nutrir nossa sede de respostas. Nos vemos vazios daquilo que todos chamam de Deus.

Então, para nossa sorte, em alguma escola iniciática, nos deparamos com nossa “nova família”, aquela que realmente compreende aquilo pelo qual nos vemos inseridos até o pescoço. Com ela começamos a aprender um novo idioma, começamos a ter nosso "bê-á-bá psíquico" (o qual, providencialmente, vai ampliar ainda mais o nosso já enorme deserto existencial).

Então, uma vez despertos, a consciência começa a nos apresentar o falso que temos que deixar pela estrada, o que nos remete a um estado de muita ansiedade, pânico, culpa, ressentimento e incertezas.

Começamos a perceber que muito do nosso investimento foi feito para dar sustentação a uma imagem totalmente irreal de nós mesmos. Nos olhamos no espelho e em nosso guarda roupa, bem como em nossa garagem, nossos hábitos alimentares, e não mais nos encontramos ali... Percebemos que, até então, sempre fomos uma cópia de segunda mão; aqui, muitos de nós mudamos completamente nosso estilo de se vestir, nossos cortes de cabelo, carros e costumes, o que também acaba gerando muito conflito com aqueles com quem de algum modo ainda estamos envolvidos (muitas dessas relações poderão ficar no passado).

Nossos parentes e amigos, quase sempre chegam com frases do tipo: “O que está acontecendo com você? Não vê que esse lugar e essas pessoas com quem você está se relacionando, estão lhe fazendo uma verdadeira lavagem cerebral?” Eles não conseguem aceitar que as pessoas mudam. Eles passam também a hostilizar nossos novos interesses, como nossas leituras, novas preferências musicais, novos amigos,  passeios e atividades. Passam a ter um indisfarçável ciúme agressivo diante de tudo e todos que lhes são desconhecidos.

Apesar do enorme medo do desconhecido, assim como o imenso medo de perder o resto de nossa capacidade de lidar com a distorcida realidade, começamos a perceber a necessidade de abrir mão de vez, e em outros casos, de apenas minimizar o contato com esses ambientes e pessoas que não nos apoiam em nossas novas necessidades mais intrínsecas, o que por sua vez, aumenta ainda mais a nossa sensação de deserto existencial.

A dúvida no que diz respeito se estamos ou não fazendo a coisa certa, nos acompanha a cada passo do processo e, não raro, nos vemos em recaídas comportamentais que acabam sendo providenciais no que diz respeito à confirmação de que temos que “seguir viagem”. Passam a calar fundo em nosso ser, as palavras cantadas pelo poeta: “Amigos a gente encontra; o mundo não é só aqui; repare naquela estrada, que distância nos levará. As coisas que eu tenho aqui, na certa terei por lá; segredos de um caminhão, fronteiras por desvendar. Não diga que eu me perdi, não mande me procurar, cidades que eu nunca vi, são casas de braços a me agasalhar”.

Conforme vamos avançando, entramos em contato com atividades, manias e tendências que alimentam nosso doentio estado de ser e que, dessa forma, impedem o avanço no processo do estado de contato consciente com a realidade que somos. Torna-se clara a necessidade de abrir mão desses comportamentos, os quais durante muito tempo se fizeram de profunda importância para a nossa estabilidade psíquica, e, como resultado, nos vemos jogados no que é conhecido por “síndrome de abstinência”, com seus terríveis sintomas físicos e emocionais, o que se mostra como mais uma enorme duna no deserto do ser que somos.

A primeira fase de deserto se faz compulsória, ou seja, uma imposição natural do próprio processo de crise iniciática; mais adiante, com o maturar de nossa percepção e com a prontificação exercida pelo enorme trabalho de base emocional, chegamos num determinado momento da caminhada, em que nos vemos diante de uma bifurcação: ou nos conformamos ao nível psíquico da consciência coletiva dessas escolas iniciáticas — a quem somos imensamente gratos — ou nos aventuramos de modo totalmente solitário, no deserto do real. Raros são aqueles que conseguem dar esse significativo e tão necessário passo no processo da retomada da consciência que somos. É aqui que serão lançadas as bases de nossa real integridade, de nossa autonomia psíquica. 

Não raro, aqueles que, nessas escolas, nos receberam de braços abertos, do mesmo modo que em nossa família original, passam a hostilizar também nossa nova observação de mundo, nossos novos interesses, nossas novas leituras, nossas novas atividades e, nossa atual necessidade de retiro e solidão. Do mesmo modo que no início do processo, a dúvida ronda sobre nosso espírito, além do doloroso sentimento de que possamos estar sendo ingratos com aqueles que, num momento tão delicado de nossa existência, foram os únicos capazes de nos estender as mãos, de forma realmente significativa. É um momento realmente muito delicado em nossa caminhada rumo ao encontro consigo mesmo. Mas, se tivermos realmente atingido o estado de prontificação — apontado por essas escolas —, não nos sobrará nenhuma opção a não ser, novamente, optar por “levar adiante” o processo de compreensão do sentido de nossa existência. 

Com o avanço de nossa decisão de novamente “seguir viagem”, começamos a perceber lucro, onde até então, devido a nossa enorme dependência emocional dessas escolas, só conseguíamos ver por prejuízo. Aqui, novos mestres, novas escolas se apresentam para nos trazer novas percepções bem mais sutis quanto ao processo de funcionamento de nosso mental e emocional.

Se, no início, já era enormemente difícil encontrar por ouvidos capazes de compreender nossa percepção de mundo, aqui se torna mais difícil ainda. É realmente a trilha menos percorrida, a jornada solitária do herói. Mas, com a continuidade da caminhada, vamos percebendo que isso é algo muito, mas muito providencial. É um modo de fazer com que soframos o mínimo de influências externas em nossa maneira de aprender a observar, tanto a nós mesmos, como a tudo com que entramos em relação. É aqui que vamos nos dedicando cada vez mais a ficarmos firmes nessa nova etapa do deserto, e, sentir de maneira substancial, a necessidade de encontrar “dentro de nós”, a palavra, o sopro que nos confirme cada passo de nosso caminhar. 

Aqui, cada vez mais se apresenta a necessidade de "retiro e solidão", o que também é visto como uma atitude doentia, até mesmo pelos nossos mais recentes contatos, provenientes de nossa busca espiritual. Nossas novas percepções, não se mostram compreendidas pelos atuais companheiros de jornada e, mais uma vez, somos lançados no deserto do real, o que amplia cada vez mais a necessidade de encontrar algo de valor Infinito, realmente substancial, em nós mesmos. Nesta etapa da jornada, livres de qualquer preconceito ou ranço religioso — tão importante para a travessia desse momento —, começamos a entender os dizeres contidos em vários sistemas de crença que apontam para a necessidade da escuta de uma “voz no deserto”, a qual muitos se referem como sendo a voz da verdade, a voz de Deus.

Neste momento de nossa caminhada, dá-se uma enorme necessidade da prática da meditação e da oração, sendo que, por oração, não mais compreendemos como sendo aqueles antigos cacoetes orais petitórios, para determinados pontos de interesse autocentrado. Aqui, o que vemos por oração, é um estado de silenciosa escuta atenta, onde a única coisa que se espera é o conhecimento de nossa real vocação, ou em outras palavras, “da voz do coração”, pela qual possa nos ser apresentado os passos e ações que deem um real sentido e significado a todo o processo, bem como à nossa existência. 

Este também é um momento em que nossa sanidade, em que nossa seriedade entra em questão; a mente nos bombardeia com ideias de que de nada valeu a pena, de que a jornada foi toda em vão. Antes, quando essas dúvidas surgiam em nossa mente, sempre estávamos rodeados de outros caminhantes, os quais acabavam por confirmar e incentivar nosso avanço no processo. Aqui, nosso momento se faz muito semelhante com aquele que é narrado nos textos bíblicos, referentes ao total sentimento de solidão e abandono vivenciado por Jesus, no Getsêmani. As enormes dunas do deserto sensorial, emocional e mental já ficaram para trás; não há a mínima possibilidade de retorno, afinal, quem em sã consciência se entregaria a repetir tudo de novo? Aqui, apesar de termos aprendido a como lidar com suas tempestades de areias psíquicas, ainda não encontramos um local, dentro de nós, que se apresente como um abrigo seguro. Sabemos que a resposta, de modo algum será encontrada no externo, mas, no entanto, ainda não a encontramos de maneira significativa, dentro de nós. Talvez esse, seja o momento de maior deserto em nossa caminhada, momento este que pode ser traduzido pela essência da expressão cunhada por João da Cruz em seu poema intitulado “A noite escura da alma”, ou então, nos dizeres de Agostinho: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. Aqui, como nos demais momentos do processo, a única opção que nos resta é a de caminhar, com a certeza de que, “muito mais nos será revelado”.

Outsider

Gostou? Então compartilhe!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!