Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

30 junho 2010

Tudo pode acontecer



- Oi negô!
- Oi. E aí?
- Legal aquele vídeo!
- Também gostei muito; tenho muita coisa aqui. Fiz uma puta pesquisa sobre esse assunto... Simplesmente apaixonante. Gravei tudo num DVD prá gente assistir mais tarde.
- Legal!
- Mandei prá sua filha.
- Ótimo! E você? Como está hoje? Menos entediado?
- Nada! Quase você não me pega! Estou quase de saída; vou comprar um livro chamado CRIANÇAS DO CONSUMO - INFÂNCIA ROUBADA. Não sei por que mas, esse tipo de assunto sempre me inflama.
- Não sabe? Sei!
- Enquanto lia e assistia os vídeos, quase entrei em pânico ao pensar na Vivi e o quanto que ela me parece já estar influenciada.
- Verdade! Senti o mesmo!
- Ufa! Pensei que só eu!
- Uma criança naquela idade já sendo motivo de risos por movimentos sexualizados...
- Pois é! Pior é que a maioria está assim. Basta você entrar no Orkut e dar uma espiada nas fotos da meninada.
- Tenho visto. Pior que não podemos dizer nada.
- Sim, somos os caretas, os babacas, os falidos que não servem de modo algum como exemplo.
- Não somos dignos de atenção séria, porque não fazemos parte da badalação.
- É triste ver a mecanização das crianças, em grande parte destituídas de criatividade.
- Sim, automatizadas, robotizadas por uma infância de "telas quentes". Não sabem dizer nome de flores, plantas, muito menos distinguir uma árvore frutífera. Mas conhecem de olhos fechados, os corredores da maioria dos Shoppings.
- Lógico! Não viu domingo? Preferem uma volta no Shopping do que uma tarde num Jardim Botânico ou no Butantã.
- É triste!
- Com certeza!
- A coisa está ficando cada vez mais triste; adolescentes sem vínculos com familiares, somente com estranhos e o pior: só virtualmente.
- Sim.
- Estão prá lá de americanizadas.
- Por isso que vivem querendo ser loiras! Protótipo do capitalismo selvagem!
- Com pais que não colocam como prioridade, o tempo para estar com seus filhos... Tudo vem em primeiro lugar, os filhos em segundo plano.
- Quando ficam em segundo plano até que é bom! Para a maioria, não sobra tempo mesmo.
- Pois é... É o serviço, a igreja, o esporte, o carro... filhos, depois. Em correlação, os filhos aprendem a não querer estar com eles de fato.
- Sim.
- Quando se aproximam, na maioria das vezes estão com segundas intenções de consumo.
- Sim, só para poder "consumir".
- E os trouxas dos pais, acabam "se consumindo" ainda mais em nome de alimentar tal consumo.
- Por sinal, essa é uma ótima desculpa, pela menos é o discurso mais aceito.
- Aí, com tudo isso, descobri um impulso para me aprofundar nesse assunto de criança e consumo... Mas foi rapidinho, até surgir a questão...
- Qual?
- Esse interesse em me aprofundar nesse assunto, não pode ser uma espécie de "droga" para esquecer a realidade da insatisfação que sinto? Não poderia estar atrás do "abraçar uma causa" um modo de escapar da própria realidade interna?
- Pode ser! A que conclusão chegou?
- Que, no meu caso, é uma fuga. Uma tentativa de dar um significado à uma existência sem vida.
- Não é fácil!
- De fato, uma causa nobre.
- Mas não se sabe qual seria o resultado de se entregar a isso.
- Mas não é nobre os motivos de tal entrega. Não é algo que nasceu de mim; teria que ler sobre isso.
- Entendo.
- Copiaria, imitaria... Nada original.
- Sem dúvida.
- Não é algo que "jorra" de dentro.
- Sei.
- Ao ver isso, fiquei contente por perceber o quanto ter conhecido Krishnamurti, me ajudou a não entrar em barca furada... Essa percepção de mim mesmo, dos motivos que me move... Quanto ao resultado, creio que seria o mesmo de quando me entreguei ao trabalho com "adictos".
- Pode ser...
- Te pergunto: como um "adicto de si mesmo", pode ter a energia necessária e realmente eficaz para ajudar outro "adicto"?
- Não sei.
- E o pior, depois de assistir ao vídeo sobre o consumismo infantil, surgiu mais lenha para meu conflito quanto a questão profissional, que está totalmente ligado a fazer com que meu cliente venda cada vez mais.
- Não pense assim! Pense que seu serviço está gerando e mantendo empregos!
- Sei!... Talvez seja esse então o sentido da vida: gerar e manter empregos... Manter todo mundo pregado com vergonhosos salários para alegria e crescimento do empreendedor, que também vive sempre sem tempo...
- Você é hilário. Você deveria ficar feliz por isso, afinal, as pessoas não acham o máximo não terem tempo para nada? Nunca reparou nisso?
- Estou ficando careca de tanto ouvir isso.
- É que isso dá um senso de importância para a falta de importância que talvez sintam ser suas vidas.
- Que você acha de eu alegar que estou ajudando no aumento do tal "Produto Interno Bruto"?
- Seria uma justificativa original.
- Pois é! Aumentando o produto interno bruto e sufocando o desconhecido "Produto Interno Sutil"... O lance é manter a todos na brutalidade...
- Pois é Sr. Nelson!... Nesta Babilônia, ser ocupado é sinônimo de sucesso e utilidade. Ócio criativo é sinal de vagabundagem. Vou desligar, senão perco a carona. Você me busca?
- Sim... E vai chegando mais um fim de dia e na mesma: enquanto vivendo na esperança aguardando a vinda de uma idéia salvadora. O poder da glória da normose é para sempre.
- Nem me fale! Essa secura também está acabando comigo!
- Puta deserto, nega!
- Não fica assim não nego! Tudo pode acontecer... Basta você comprar um desses tênis de borracha com tecnologia de impacto que seus passos passarão a ser perfeitos! O caminho está logo aí! No Shopping mais próximo!
- Só falta você me pedir para jogar colheita feliz, participar de grupos de discussões on-line, acompanhar "zentas" pessoas no Twitter, dar risadas com o CQC, ficar na expectativa de um novo ídolo (tem que ser de São Paulo) e ficar fumando um cigarro atrás do outro por causa do jogo de sexta-feira. A propósito: já passei minha camiseta oficial da seleção que comprei a prestação e com a vuvuzela verde e amarela no jeito.
- Não faça isso com você! Depois disso, pelo que parece você está com um pezinho lá e outro aqui.
- Sim pertinho de ser feliz, de entrar para o coro dos contentes, mesmo com o preço de me tornar um demente. Já ia esquecendo: dois engradados de Brahma por que sou guerreiro! Sabe como é, sem elas isso tudo não desce redondo.
- Ok! Então, chego lá pelas 19:00 horas. Se cuida! Um beijo!
- Outro, minha nega!


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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!