- Oi Nego, bom dia!
- Bom dia nega
- Tudo bem?
- Putzz...
- O que foi?
- Precisa algo?... Zequinha me acordou para tomar café na padoca.
- Óh my god!... E aí?
- Meia hora ouvindo ele falar sobre a empresa em que trabalha.
- Hum... e ai?
- E ai que eu quase explodi, mas, para não fazê-lo, uma vez que ninguém tem nada com isso, limitei-me a baixar a cabeça em direção ao pãozinho com manteiga, sem olhar pra ele um minuto se quer... Mas não adiantou nada, apesar das várias vezes que já manifestei minha falta de interesse em assuntos comerciais, ele continuou seu relato em disparada.
- Ah! Quando ele está assim, não tem outro jeito, só falando! E tem vez que nem falando ele se toca... Ele não presta atenção em nada a sua volta.
- O pior é que olhei ao longo do balcão e pude perceber que outras pessoas também falavam de seus negócios... Aí me ocorreu que se boa parte dessas pessoas perdessem seus empregos, além da crise financeira, entrariam numa grande crise existencial.
- Com certeza!
- Isso porque elas identificam a si mesmas como sendo seus empregos.
- Isso é um fato! E vendo isso, como você fica?
- Como não adianta puxar nada de diferente, atualmente fico sem assunto, calado!
- Sim.
- Fico a maior parte do tempo fazendo cara de paisagem e, raramente, de algum sensível escuto:
- “Que se tem hoje? Tá muito calado! Que bicho de mordeu?”
- E o que você responde?
- Para não melindrar o amigo, respondo com um “nada não”... Não tem como falar a real de que nada daquilo que ele expressa me interessa.
- Nada disse tem interesse para pessoas que sentem o que sentimos.
- Pois é, quero algo mais nutritivo; quero saber da pessoa, mas, nunca consigo nada além dos mesmos assuntos periféricos, superficiais, rotineiros, extraídos das capas de jornais ou dos noticiários dos rádios em meio aos congestionamentos. Enchentes de superficialidade, como escrevi num texto da semana passada.
- Sim, eu li.
- Supérfluos e o pior de tudo, é que tem uma parte minha que acha que devo tentar prolongar o assunto, também através do supérfluo. Mas eu a observo e fico calado. Não faz sentido jogar ainda mais lixo nessa enchente.
- Hum.
- Bem, pelo menos, pagou o café.
- Grande coisa.
- Menos mal pra mim e melhor para ele, uma vez que uma hora de analista sai bem mais caro que pagar com o vale-refeição da empresa, os ouvidos de um amigo com uma média e um pão com manteiga.
- Nego, não penso bem assim, pois acho que seria bem melhor que o analista ficasse sem energia e não você.
- São nessas horas que me sinto um verdadeiro E.T num planeta de enchentes... Óh xente!
- Também me sinto assim, meu nego!
- Pensando bem, somos mesmo "extra" terrestres... Não nos conformamos com a rotina social.
- De sócio aí não tenho nada!
- É eu também me sinto assim. Abro minha caixa de e-mails, e, dos poucos que recebo, novamente superficialidade... Demorados PPS com fotos de animais, frases e músicas de terceiros... Ou então, textos de terceiros... Ninguém ousa escrever algo de si. Ninguém quer expor sua própria visão de mundo. Todo mundo lê, copia e cola. Só que, para mim, nada disso cola.
- Percebo que as pessoas não estão nem aí para isso que buscamos. Pelas conversas que escuto, vejo que a maioria pensa que o sentido da vida é uma casa reformada e bem decorada, uma substancial quantia de dinheiro, um pacote anual da CVC, ou quem será o próximo eliminado do BBB.
- Pois é, a maioria vive de Ctrl C + Ctrl V... A maioria prefere viver de atalhos...
- Sim!
- E você? O que me conta? - Algum sentimento ou sacada diferente?
- Nada... Somente essa coisa de querer saber o meu lugar. O sentimento é o mesmo de sempre: qual o sentido de tudo isso?
- Eheheh! Uma das minhas! Mais um extra-terrestre num planeta de enchentes!
- A passagem do tempo me apavora... Saber que pode ser que eu tenha isso que busco somente na hora da morte. Já me ocorreu isso várias vezes.
- Isso seria uma pena de morte em vida, ou pior, uma pena de vida em morte!
- Pois é! Ter que viver assim sabe-se lá quanto tempo mais, sem ver sentido nenhum em nada... Aí vem a cabeça viajante, falando que eu é que sou maluca e que não me adapto a nada. Essa falação mental é terrível.
- Sei bem como é: ela diz que somos anti-sociais... E de fato, graças à tomada de consciência, assim somos.
- Para você ter uma idéia do meu porre matinal, logo cedo, meu colega de trabalho da mesa ao lado, chegou todo animadinho por causa da festinha que vai ter no ônibus ao final do dia... É muito pequeno!
- Que pobreza... Raso demais.
- Aí ele come que nem porco, não deixa nada pra ninguém, e todo mundo reclama, aquela zona de sempre.
- Percebi uma coisa... É preciso que a existência traga catástrofes para que as pessoas, por apenas alguns dias, mudem de assunto ou a rotina de suas vidas! E mesmo assim, o assunto é sempre periférico e as mudanças superficiais e sem consistência.
- É verdade! E sabe o que eu vejo? Vejo a Natureza reivindicando tudo o que o homem tem feito a ela, porque ela é sabia.
- Fico me perguntando onde se encontram as pessoas que, como nós, sentem esse mesmo constante vazio no peito?... Essa “alergia” ao trivial, ao supérfluo, ao conformismo? Onde estão às pessoas que questionam e que não se conformam com as respostas de terceiros? Que vão fundo em seus pensamentos e sentimentos? Que meditam sobre isso?... Onde estão às pessoas que se dão conta do descontrolado movimento de seus pensamentos desconexos e que não tentam anestesiá-los com absolutamente nada? Que ficam frente a frente com esta "merditação" mental?
- Hoje de manhã tentei meditar, não consigo. E o pior é que eu não consigo fazer nada, sem que ligue a sirene de alerta dizendo: mentira, é fuga, deserto total! Por falar em sirene, tenho que desligar, meu chefe me chama.
- Só vejo um monte de gente se distraindo com seus joguinhos de celular, folhas e folhas amassadas de jornais distribuídos gratuitamente em estações de metrô, nas páginas dos livros do romance que esta na moda - nem escolher um livro por si mesmas são capazes -; copiam o livro que a chefa esta lendo!... Por isso que prefiro continuar no meu compasso alienígena... Quem sabe, nesse meu caminhar, ao chegar meu dia, morro original depois de por anos e anos inconscientemente ter sido cópia. Tudo bem, vai lá, um beijo Nega.
- Outro! Se cuida!