Enquanto
funcionamos com base numa mente adquirida, com uma mente fundamentada no medo e
no cálculo autocentrado; enquanto por não identificarmos, de imediato, o
mecânico e não solicitado fluxo do imaginal-sensorial condicionado pela
cultura, nos identificamos com os neuróticos impulsos emotivos reativos. Por
causa de tal adulterante identificação, nos comprometemos com situações,
empregos, atividades e relações, os quais não tem a verdade e o amor como
fundamento, mas sim a busca de segurança, de prestígio, de satisfação
sensorial, de validação social, que acabam por se transformar, inevitavelmente,
em falsas dependências. Por nos faltar a amorosa, espontânea e integrativa
lucidez, vivemos num constante círculo de adulterações, as quais vão se
acumulando até chegar um ponto em que as mesmas nos sufocam, retirando todo o
sentido de nossa existência e nos levando à um constante estado de ansiedade,
conflito, pensamentos contraditórios, medos e confusão. Enquanto não percebemos
essa total ausência da amorosa, espontânea e integrativa lucidez, permanecemos
alimentando esse círculo de adulteração, cuja base é o cálculo autocentrado.
Quando nos tornamos conscientes desse mecanismo pelo qual funcionamos durante
toda a existência, percebemos a nossa real impotência, a qual se manifesta na
ausência dessa amorosa e integrativa lucidez, desse espontâneo percebimento
libertário que nos aponte a ação correta, pela qual uma nova intencionalidade,
uma nova qualidade de sentir, possa se apresentar diante das situações,
atividades e relacionamentos com os quais estamos comprometidos.
Sem a eclosão dessa amorosa, espontânea e integrativa lucidez, continuamos perdidos, reagindo imaturamente, ainda que tentado acertar, mas alimentando novas formas de ilusão. Quando percebemos, com a totalidade de nosso ser, a ausência dessa amorosa, espontânea e integrativa lucidez reparadora, nos vemos envolvidos por um misto de ansiedade, angústia e medo; a ansiedade pela mudança libertária, a angústia de não saber como realiza-la e o medo de perder as situações a que nos apegamos.
Perceber que não sabemos o que é amor, felicidade, liberdade, comunhão e genuína criatividade é algo extremamente doloroso. Ver a natureza exata dos sentimentos que sustentam nossas atividades e relacionamentos, se mostra algo assustador: medo da solidão, medo do desamparo, medo do desconhecido, medo de não ter as necessidades sensoriais satisfeitas, medo de perder as conveniências que os mesmos nos fornecem, uma má vontade para com quase tudo que nos força a um estado de simulação. Diante de tal percepção dolorosa, surgem as perguntas: como mudar tudo isso? Como conhecer outra forma de intencionalidade diante dos mesmos? Como dar um novo sentido a tudo? Como ver tudo com novos olhos? Como tocar de um novo modo, já que, pelo esforço, percebemos que não produz a naturalidade que sentimos ser necessária para que tudo se mostre com real significação e afetação? A ausência de respostas amplia a ansiedade e a angústia.
Tudo aponta para a necessidade de uma ocorrência de algo que nos é desconhecido, que ultrapassa nosso limitado conhecimento, esforço e intenção. Algo que não se encontra nos livros, nos filmes, nas programações, nos sistemas, nas crenças, nas palavras dos mestres, no que nos é conhecido. Sem a eclosão desse revolucionário e transcendente algo desconhecido, permanecemos nesse limitado movimento conhecido que só produz adulteração, insatisfação, tédio e frustração. Essa me parece ser a maior impotência do ser humano: produzir um revolucionário e significativo salto de si mesmo; um salto que o retire do estado disfarçado de má vontade diante das situações, que o lance numa capacidade de escuta amorosa e não reativa. Ciente de tudo isso, e preso nessa qualidade de sentir e interagir, viver neste mundo torna-se algo extremamente patético.
Outsider