O dia amanheceu nublado, igualmente a minha sensação de ser. Por mais ciente que estava dos vários compromissos assumidos para o dia, o corpo resistia em colocar-se de pé.
Ainda sonolento e sobre o olhar silencioso de meu pequeno cão, escovava meus dentes, quando uma enorme sensação de falta de sentido tomou-me por completo. Ela parecia apoderar-se de cada célula de meu corpo, fazendo com que os músculos de meus braços ficassem tensionados como se fossem se romper.
Como de costume, dirigi-me para a padaria para meu café matinal. Casa cheia de rostos que pareciam refletir o mesmo estado de mau humor. Com exceção do dono do mercado, juntamente com dois representantes comerciais, todos permaneciam calados, até mesmo os balconistas. Tomado meu café, segui em direção a banca de jornal, na expectativa de algum novo exemplar com conteúdo fotográfico, algo que pudesse me entreter por alguns minutos que fosse daquele persistente sentimento de vazio e falta de sentido... Para minha tristeza, nada de novidades, o que fez aumentar ainda mais o sentimento de vazio.
De volta a casa, o mesmo ritual: limpar as sujeiras do pequenino cão, preparar sua ração e água limpa. Voltar para a sala, ligar o micro, ficar impaciente com a demora da inicialização do sistema... Iniciar o Windows Live Mail em busca de alguma mensagem interessante e constatar uma verdadeira enxurrada de spans: curso supervisão em call center, extrato da Redcard, anúncio de palestra sobre comunicação e comportamento assertivo, convite para o show histórico do lançamento do novo DVD de um grupo que exalta o samba... Nada com conteúdo que me chame a atenção. Tentei o Flickr, sem novidades. Nos jornais, mudaram apenas os locais dos terremotos e o número de vítimas, os alvos dos sapatos lançados em comicios, os rostos temporários dos candidatos ao milhão do Big Brother e o nome da velha e maior banda de todos os tempos a tocar em São Paulo... É um jogo de repetição que todos insistem em continuar jogando, fingindo não ter consciência de que assim jogam.
Por último, o Orkut, comunidades de leitores de Krishnamurti... Pior ainda, um vomitório só de palavras e mais palavras, um tédio só! Tudo imagem e ninguém revelando o negativo!...
A sensação parece aumentar a cada ação. Impossível ficar parado, o corpo pede por alguma ação. São 10h20m e os músculos já se encontram quase que estourando. É terrível ficar parado observando o vazio, a falta de sentido e as reações corporais. Enquanto observo a extrema necessidade de encontrar por uma ação com sentido, lembro-me de uma fala do filme que assiste ontem a noite junto com Deca. O filme, "Reflexos da Inocência" e a fala do personagem Joe Scot (Daniel Craig):
"Quando criança, eu achava que para ser corajoso era preciso agir. E que para sonhar ou progredir na vida era preciso coragem... Mas é apenas para ficar parado que é preciso ter coragem."...
Como não consegui ficar parado, fiz uso da escrita, numa tentativa de aplacar o vazio. Enquanto escrevo, a sensação alivia. Mas tenho consciência que, ao colocar o ponto final neste texto, a velha conhecida sensação ainda estará a minha espera. E, como cão inquieto correndo atrás do próprio rabo, busco por mais ação.
Lá fora, o dia continua nublado e a lentidão do trânsito assemelha-se a energia dos meus movimentos insatisfeitos... Perdura a sensação de incompletude consciente e a contração dos músculos ao redor do pescoço. O corpo pede pela ação de um relaxante muscular, mas, vai ficar na vontade! E, inquieto, a espera pelo impulso da próxima ação, aguardo o silenciar do som do telefone que insiste em tocar.