George Bernard Shaw, escritor, IRL, 1856-195


Domingo de sol.
Almoço em família.
Pratos, copos, talheres, a colorida toalha de mesa vinda do outro lado do oceano e a saborosa carne assada com batatas douradas que só as mães sabem fazer.
As vozes soam altas, descompassadas, tornando impossível o encontro e a real comunicação.
Na ponta da mesa, o pai, num silêncio perdido, enquanto a mãe, como sempre, a última a se acomodar.
As crianças, uma de cada lado da mesa, permanecem física e emocionalmente espremidas, em meio de adultos perdidos que inconscientemente repetem os mesmos tipos de abusos recebidos, os quais insistem em rotular como “educação”.
A mais velha das crianças, tem seu rosto ruborizado ao ser exposta por sua mãe diante de todos, com olhar raivoso, pelo péssimo resultado obtido num exame feito numa escola particular para a tentativa de uma bolsa de estudos.
- Se você se dedicasse mais aos seus livros, seria muito melhor! – Esbravejava a mãe, com olhar dilacerante.
A pequena e tristonha menina limitou-se a levar o braço esquerdo sob os cabelos, numa tentativa desesperada de esconder sua vergonha.
- Você precisa se dedicar aos estudos com mais seriedade, caso contrário será um fracasso. Se quiser ter sucesso na vida e ser uma pessoa importante e ter bastante dinheiro, precisa se dedicar.
Nesse instante, me vi talvez no mesmo conflito vivido um dia por Benjamin Franklin: é falta de educação calar um idiota e crueldade deixá-lo prosseguir. Então, o que fazer?
Como não creio que a verdadeira educação tenha como objetivo real a busca de prestígio e poder tentei amenizar o sofrimento interno da menina diante de tamanha pressão irrefletida:
- Eu sempre fui um péssimo aluno. Lembro-me bem que ainda adolescente me revoltava com a metodologia de decorar e repetir símbolos que nada simbolizavam para mim, como por exemplo, o raio da tabela periódica e os tipos de metais... Por favor, me respondam: quem daqui realmente usa 10% daquilo que lhe foi empurrado goela abaixo nos tempos de escola?
- Acho importante tudo isso. Como uma criança pode se despertar para a química se não for apresentada a ela? – Respondeu o pai da criança com olhar sisudo.
- Sempre detestei física e química! – Bradou minha esposa Deca que também se via incomodada com a crueldade da pressão exercida sobre a menina.
Olhando para a encabulada criança, com um sorriso repeti:
- Sempre fui um péssimo aluno, graças a Deus! Não creio que boas notas seja realmente sinal de criatividade. Existe um excelente livro escrito por dois “homens de sucesso”, Rubem Alves e Gilberto Dimenstein, cujo título é “Fomos Maus Alunos”. Ainda bem que não deixei a escola matar minha sensibilidade e criatividade com aquele sistema imbecil de decoreba comparativa.
- Uma coisa é ser mau aluno, outra bem diferente a ter tino para a liderança. – Respondeu o pai em tom empresarial.
Tendo em vista seu profundo medo de entrar em contato com seus condicionamentos e sentimentos, preferi não dar continuidade ao assunto. Limitei-me a dar uma olhadinha para a menina, dando-lhe uma piscadela e um sorriso amoroso. A constatação do velho padrão educacional de meus pais sendo repetido pelo meu irmão causou-me um amargor na boca, o qual amenizei com um bom gole de suco de uva.
- Dinheiro, dinheiro, dinheiro... Só nisso se preocupam as pessoas hoje em dia. De fato, a cada dia que passa, mais se extingue a possibilidade de uma educação voltada para a compreensão da vida. – Externei em baixo tom para não agregar mais polêmica a já estabelecida.
É triste perceber que a maioria das pessoas só se preocupa com a conquista de lugares na sociedade, com ótimos emprego e excelentes remunerações; com os resultados a serem conquistados com as operações na ansiolítica bolsa de valores e nos altos valores pagos para a eliminação da bolsa de gordura localizada. É incrível que, em pleno findar de 2008, pais ainda não consigam fazer a leitura dos sentimentos de seus filhos, estes externados através dos resultados ditos negativos de suas notas. Que ainda insistam em abafar a sensibilidade de seus filhos em nome de uma patética conformidade com este manipulante sistema disfuncional. Que ainda acreditam na repressão, no autoritarismo, na violência física e emocional como instrumento de educação. Que ainda insistem em aprisionar seus filhos em sistemas de crenças organizadas. Que não conseguem perceber que o resultado de suas notas é um grito de alerta, um pedido de atenção e real cuidado, um grito de desespero vindo de sua essência, um apelo de sua inteligência criativa que se vê aos poucos sendo enclausurada sobre as grossas camadas de condicionamento social e parental.
De fato, as sábias palavras de Alexander Schutherland Neil fizeram eco aos meus sentimentos mais profundos, as quais ouso parafraseá-las:
Gostaria de ver a educação familiar produzir um varredor de rua feliz do que mais um neurótico erudito em busca de uma receita mensal para seus psicotrópicos de tarja preta.
E meditativo sobre tudo que havia ali presenciado, sai daquele almoço de domingo interiormente exclamando:
Abençoados sejam os maus alunos!...