
A manhã chuvosa torna ainda mais lento o caótico trânsito paulista. Ainda na parte da manhã estamos alcançando a segunda maior marca de congestionamento da história paulista. No entanto, apesar da chuva e a lentidão do trânsito, para mim, a manhã está bastante agradável. Pela janela embaçada observo as pessoas aglomeradas sob o teto acrílico da parada de ônibus, já encardido pela ação do tempo. Logo atrás do local em que estou sentado, um jovem mantém aos ouvidos um aparelho de mp3 em tal altura que mesmo sem os fones posso acompanhar a melodia da música de Pear Jean.
Ainda em casa, enquanto me trocava ao som dos pingos da chuva sobre as telhas da cobertura plástica do nosso pequenino quintal dos fundos, pude perceber o tamanho do meu condicionamento referente a um dia chuvoso. Para mim, desde cedo, dia de chuva tornou-se sinônimo de problemas. Não me lembro de ter sido alguma vez incentivado por algum adulto dotado de sensibilidade para observar a beleza de um dia como este. A mente tenta logo se justificar ressaltando os problemas vividos ou presenciados através das lentes da teleilusão que literalmente vivem de tempestades em copos de água.
Num instante me passou na mente que, assim como eu, talvez a grande maioria das pessoas também devam ter enraizado em seus fundos psicológicos várias formas de condicionamentos quanto aos dias de chuva. Será que se as pessoas tivessem consciência de tais condicionamentos muito desses chamados problemas não poderiam ser amenizados? Outra coisa que tenho me dado conta é o fato de como nós humanos estamos condicionados a reclamar de tudo... Se chove é porque chove, se faz sol é por que faz sol, se venta é por que venta e por aí vai um infindável rosário de lamúrias. Tenho visto que a mente tem a nefasta tendência de sempre achar pelo em ovo. Vive projetando dificuldades e conflitos que, na maioria das vezes, nunca acabam por se realizar. A mente trava monólogos e diálogos internos num verdadeiro palco de ilusões, cujo enredo versa quase sempre em situações perdedoras, negativas e por vezes violentas.
Agora são 8:30 da manhã e os vagões do metrô se apresentam absurdamente lotados, parecendo vomitar pessoas de estação em estação. Com muita propriedade sinto que vários dos nossos assim chamados "problemas" poderiam deixar de ser encarados dessa forma se houvesse uma mudança comportamental alicerçada na prática da observação dos insanos monólogos da mente. Tenho percebido que tanto os nossos pensamentos como as emoções deles resultantes não suportam serem observados. Aliás, quando essa prática se torna natural, sem esforço algum de nossa parte, a julgar pela minha experiência atual, não é raro rir-se de si mesmo e, então, quando menos percebemos, a vida começa a se apresentar de forma bem mais leve, livre e solta.
Enquanto a grande maioria caminha a passos largos pela rampa de saída da estação São Bento do Metrô, há poucos metros de seus portões, dois camelôs sorriem com as vendas de sombrinhas coloridas a R$5,00 e enormes guarda-chuvas pretos por R$10,00. Como venho percebendo, trata-se apenas de uma questão de ótica e atitude. Com certeza, vivem melhor que consegue ver lucro, onde todos apenas conseguem ter olhos para prejuízos.
Nelson Jonas