Mais um dia de outono com bastante sol.
A pequena árvore amanheceu coberta por pequeninos pulgões de cor amarela. Talvez seja essa a razão pela qual suas belíssimas flores de tom rosa estejam assim tão murchas.
Ontem no finalzinho da tarde colocamos um pequeno toldo na sacada de nossa casa, o que pareceu agradar muito nossa maritaca chamada “Tuca”. Krish, nosso pequeno poodle preto, também parece ter aprovado, uma vez que, agora mesmo, encontra-se refestelado na sombra produzida pelo toldo.
Aqui na loja, ao som de um músico chamado “Pacini”, observo o movimento do bairro e o imenso e congestionado trafego de pensamentos e sentimentos. Há pouco me ocorreu um pensamento que em muito me surpreendeu. Por vezes e vezes me pego reclamando pelo fato de haver pouquíssimo movimento em nossa loja no período em que nela fico. Esse tipo de pensamento é logo seguido por sentimentos desconexos de tédio ou de que a vida está passando e que não estou aproveitando-a da melhor forma possível. É uma espécie de pressão interna que insiste em dizer que eu deveria estar fazendo algo mais dinâmico, mais produtivo, mais agitado e com bem mais sentido. Isso me ocorreu logo após uma conversa que tive com um grande amigo, onde ele me colocou (como se me devesse satisfação), da sua “total falta de tempo” para poder se debruçar sobre os textos que diariamente compartilho.
- Olha só, eles estão todos lá... Li apenas alguns deles, mas, prometo que assim que “eu tiver tempo”, com certeza farei bom uso dos mesmos!
(...) Quando eu tiver tempo...
Que paradoxo!
(...) Quando eu tiver tempo...
Que paradoxo!
Os que, como eu, possuem tempo de sobra, quase sempre reclamam do tédio e os que não dispõem de um mínimo de tempo reclamam do stress em que se encontram.
Sendo assim, chego à conclusão de que em ambos os casos, todos se sentem insatisfeitos como eu! Então, sento-me e pergunto:
Qual a razão da minha inquietude, da minha insatisfação?
Por que não posso tão somente sentar-me e observar numa boa a vida se manifestando dentro e fora de mim?
Será que existe um modo de acabar de vez com essa insatisfação?
O que seria capaz de me satisfazer?...
Tenho meu próprio negócio, simples, mas é meu.
Tenho uma ótima família e vivo cercado de bons amigos e colegas!
Tenho uma ótima esposa e companheira que compartilha dos meus sonhos, das minhas buscas e da mesma simplicidade voluntária. Tenho uma vida bastante simples, não pela imposição do destino, mas por uma consciente escolha própria.
Tenho uma ótima saúde e não me ressinto nem um pouco com a minha barba repleta de fios brancos, com o diminuir dos cabelos da juventude e do ressente aumento da minha cintura (essa história de ir de carro para a academia para lá ficar “andando parado” numa esteira eletrônica não me agrada nem um pouco!).
Tenho tempo para ler, para pesquisar, para manter raras e tão necessárias conversas nutritivas, para navegar pelas duas redes: a internet e os meus pensamentos.
Tenho uma saudável vida sexual; sinto que hoje já não são mais quatro pessoas em apenas dois corpos que se encontram sobre o mesmo lençol.
Tenho a liberdade de estar só com a minha própria solidão, uma vez que já não sinto mais a necessidade de me filiar a qualquer grupo formado por solitários organizados. Já não necessito de crenças, dogmas, rituais, simpatias, preces e deuses, ou qualquer outro tipo de anestésico para a minha solidão (muito menos os de forma liquida ou sólida).
Então, novamente me pergunto:
De onde vem esta insatisfação, esta inquietude crônica?
O que é que me falta?
O que é que eu gostaria de estar fazendo de diferente?
Ao som do ventilador, observando a quentura em meu peito, medito sobre estas questões e me deparo com a seguinte resposta:
Eu sei tudo o que não quero mais, mas, o que quero, não faço a menor idéia... O que não quero é ficar aqui sentado numa cadeira de 2ª à domingo procurando por novas drogas de aluguel, como já dizia o Rappa.
Talvez, esse seja o motivo de tamanha inquietação...
Que querer é esse que pode trazer graça para tudo aquilo que já não tem mais graça?...
Percebo neste instante minha mente condicionada querendo gerar sentimentos de vergonha pelo fato de assumir que, aos meus 43 anos de idade, ainda não saber o que realmente quero desta existência...
No entanto, o simples fato de saber que ainda não sei o que quero, mas já saber aquilo que não quero e estar consciente da minha insatisfação atual, de forma limpa, sóbria, já não é um grande sinal de saber?
Ou seria melhor eu ser mais um membro da “sociedade dos sonâmbulos quase mortos”?... Mais um nessa enorme massa de autômatos destituídos da consciência dos próprios condicionamentos, pensamentos, sentimentos e sofrimentos?
Seria melhor compactuar dessa infeliz felicidade normotizada de viver para pagar contas, para esse medíocre culto do "ter" ao invés de "ser"?