Era uma senhora de idade avançada. Seus cabelos mesclavam os tons de branco, prata e castanho claro. Trajava uma blusa simples com estampas florais e uma surrada saia de algodão clara. Nos pés, as marcas do tempo: calcanhar com rachaduras embranquecidas e com destacadas veias sobre o peito do pé. Tinha a face bastante marcada com profundos sulcos devido a falta de dentes. Carregava a tira-colo duas grandes sacolas plásticas brancas, contendo as almofadas que fazia para garantir alguns trocados. Batia de porta-em-porta, além de abordar as pessoas na calçada. Aproximou-se de mim, no instante em que eu me deliciava com a dança de uma pequena borboleta amarelada, tom coincidente com as paredes do meu estabelecimento comercial. Sem ao menos abrir suas sacolas e mostrar as cores de sua arte, que pudessem despertar meu interesse, com seu olhar profundo me perguntou:
– O mocinho não gostaria de comprar uma das minhas almofadas?
– Hoje não senhora, mas, muito obrigado e boas vendas!
Ela me agradeceu alegremente e retomou seu caminho. Repentinamente deteve-se; olhou para trás, sorriu e novamente se dirigiu a mim:
– Que Jesus proteja o senhor e a sua lojinha! O senhor vai vender muito hoje, pois vou orar muito para o senhor em nome do Senhor Jesus Cristo!
Agradeci-lhe com um sorriso e um movimento afirmativo com a cabeça.
Virou-se na direção da padaria, retomou seu caminho, parando logo na frente para abordar um senhor que passeava pela calçada com seu pequeno cão.
A busca da segurança financeira está presente na maior parte das conversas cotidianas. Confunde-se o bem-estar emocional, com o bem-estar financeiro, como se nosso coração estivesse localizado em nossa carteira. As religiões, principalmente as de fundo cristão, promovem com grande alarde os seus feitos de grandes sucessos e viradas milagrosas na situação financeira de bem preparados e escolhidos membros. Seu condicionamento neurolingüístico cada vez mais alcança as pessoas confusas graças a ação da mídia televisiva. A neurolingüística somada ao poder da repetição das imagens funciona como uma espécie de “canto das sereias” que aprofunda ainda mais o sono daqueles que dormem.
A senhorinha já aí sumindo do meu campo de visão, ao final da avenida. Não havia conseguido seduzir a nenhum dos passantes, talvez, por nem sequer mostrar a sua arte. No entanto, seguia seu caminho embalada na sua infeliz felicidade...
Bem-aventurados aos que dormem, pois deles é a cama de palha mantida pelos “religiosos”.