Não raro,
aquele que se depara com a confusão inicial proveniente do ingresso no caminho
do autoconhecimento, se vê constantemente bombardeado por pensamentos e
sentimentos de que tudo o que ocorre com ele, mostra-se totalmente diferente
dos demais, quando na realidade, isso é só mais uma das ilusões da mente, uma
manifestação de seu antigo e inibidor vício de comparação.
Quando nos
vemos tomados pela crise iniciática, a qual vira nosso mundo por completo de
ponta cabeça, inumeráveis são os sintomas torturantes a que somos forçosamente
acometidos. Os sintomas são quase sempre os mesmos, variando tão somente, o
grau de sua intensidade.
É interessante
perceber aqui que a palavra “crise”
— segundo o Dicionário Aurélio —,
significa uma manifestação violenta e repentina de ruptura de equilíbrio, uma
fase difícil, grave, na evolução das coisas, dos fatos e das ideias, o que nos
remete também à palavra “crisálida”,
que significa um estado intermediário
por que passam os lepidópteros para se transformarem de lagarta em borboleta. Em
outras palavras, a crisálida é um período de manifestação de algo em nós que já
se encontrava em estado latente. Em nossas palavras, é o período em que nos
encontrávamos na linha da horizontalidade, vivendo feito lagarta, comendo tudo
que aparecia pela nossa frente: todas as crenças, preconceitos, imagens... comendo tudo que nos ofereciam, sem o menor
sinal de questionamento e, de repente, sem saber o porque, estamos dentro dessa
crise com sua crisálida. A crisálida é aquele período em que entramos num
processo de isolamento social, em
que nos fechamos em nós mesmos dentro de nosso quarto e começamos a digerir, em
meio de profundas e significativas dores de parto, as coisas que começam a
surgir em nossos corpos mental, emocional e físico (além do corpo sutil),
coisas essas que nos assustam porque, muito do que vai surgindo se mostra como
verdade. Não sabemos de onde surgem essas vozes que queremos silenciar a todo
custo, as quais nos trazem à consciência a realidade de situações que se
mostram dolorosamente difíceis de serem engolidas e assimiladas. Nesse solitário
e doloroso período de crisálida, não temos a consciência de que a fala mansa
carregada de duras, porém libertárias verdades, são na realidade as vozes da
Consciência Única que somos. Como não conhecemos essa Consciência, ficamos
perdidos dentro das vozes contraditórias que se apresentam na mente. A
Consciência que somos se manifesta sempre com uma fala mansa, suave e integrativa,
enquanto que a voz da mente adquirida, se mostra profundamente berrante e
separatista. Apesar da fala da Consciência se manifestar de modo suave, traz
consigo uma propriedade de verdade que se apresenta de modo profundamente assustador
para a mente adquirida, que ainda por ela iludidos, acreditamos que somos.
Em última
análise, a crise nada mais é do que o medo de assumir o padrão, a mania, a
tendência comportamental que desenvolvemos de modo inconsciente e inconsequente
durante vários anos de nossa existência sem vida. Na crise, a Consciência vem e
nos fala: “Você é isso”... E de imediato a mente se rebela e não querendo
aceitar, grita para a Consciência: “Não, eu não sou isso!”... E contínua a batalha
com o anjo caído... “Sim, você é isso, perceba as evidências que amorosamente lhe
trago”... “Não, eu não sou nada disso!”... E aí entramos numa espiral de vozes
de negação, de imagens, memórias e projeções, os quais de forma muito rápida,
sugam nossa estabilizante energia vital em meio de um conflito de desejos
opostos, manifesto entre o que emerge da Luz da Consciência. O que emerge para
que seja observado, aceito, compreendido é para que se tenha a libertária
transcendência; mas o pavoroso e paralisante medo gerado pela mente adquirida,
manifesto na possibilidade de ter que assumir aquilo que a Consciência nos
apresenta como sendo real, a ser carregado como um fardo para o resto da vida;
e que se tivermos que assumir isso que se apresenta, teremos que ter riscada a
imagem pela qual tanto trabalhamos em todos os nossos relacionamentos, durante
logos anos de nossa vida. A mente adquirida nos apresenta projeções de
ostracismo, na qual nos vemos totalmente sós, desamparados e mais uma vez
expostos à dor da conhecida vergonha tóxica, a qual em muito comprometeu nossa
sensibilidade criativa e nosso poder de expressão, tendo como resultado um modo
de estar na vida de relação onde desconhecemos por completo a realidade da
genuína Felicidade, Liberdade e Compaixão Integrativa. Nesse estado de nossa
evolução, não conseguimos perceber que o “fardo da Consciência é leve e suave” e que o mesmo é o único
que “torna nova todas as coisas”.
Nesse período,
onde buscamos a todo o momento por possibilidades de desabafo, não raro, em
meio de nosso atordoante vitimismo, afirmamos para nós mesmos e para os demais,
não saber ao certo os motivos de nosso sofrimento. Para cada um com quem desabafamos
nosso conflituoso enredo, o mesmo sempre é apresentado com meias verdades e com
grandes doses de ilusão. Afirmamos não saber o porquê de nosso sofrimento,
quando na verdade, sabemos no mais íntimo de nós, que na realidade, estamos
mentindo. Todos nós sabemos quais são as vozes que alimentam o conflito, o qual
é o resultado da Consciência nos apresentando um padrão de dependência
psicológica comportamental — onde atrás dele se escondem outros tantos os quais,
em seu devido tempo, teremos acesso no transcorrer do caminho do
autoconhecimento — em contrapartida a recusa da mente adquirida em assumir a
realidade que nos é apresentada pela Consciência. A mente adquirida quer dar
continuidade em seus segredos e mentiras, em seu “lado B”, o lado que só o seu
banheiro, seu quarto e seu travesseiro conhecem; uma vez que a mente adquirida
vive uma vida de fachada, a qual tenta a todo custo manter hermeticamente fechada,
tanto para si mesma como para os demais. Só que chega um momento em que a
Consciência entre em ação e nos diz: “Não! Chega! Olha só: tem isto aqui para ser
reparado... Tem essa compulsão... Tem essa debilidade para ser sanada... Não
tem mais como fugir disso... Ou você olha pra isso, ou então, o resultado da continuidade
disso te mata!”... Então, a mente se assusta porque, pela primeira vez
lhe é apresentado com propriedade e de forma incontestável a realidade de sua
debilidade comportamental, a qual lhe mantém num mundo de irrealidades, que se
não for imediatamente detido pode acabar levando a um ato de loucura ou até
mesmo na morte prematura. Por causa do medo de assumirmos a realidade da debilidade
comportamental que a Consciência nos apresenta é que faz com que a mente crie e
estabeleça esse conflito de opostos de não querer ser aquilo que lhe é
apresentado e buscar por um vir-a-ser, conflito este que uma vez instalado,
parece nunca ter fim.
Então,
enquanto não ocorre a aceitação da realidade dos conteúdos apresentados pela
Consciência, com o intuito de nos apresentar uma possibilidade de libertação;
enquanto não ocorre essa rendição, essa aceitação do que é, que a
Consciência vai nos apresentando... E o processo do autoconhecimento é sempre
esse... A Consciência sempre nos apresentando aquilo que não faz parte de nossa
real natureza, que faz parte somente dessa irreal personalidade, dessa mente
adquirida, a qual se mostra como a enorme trave de tropeço para a manifestação
da Realidade Única que somos. Então, enquanto não ocorre esse levantar dos
braços, essa rendição, esse prostrar-se ao chão, não há a mínima possibilidade
de sair do estreito casulo do conflito e ganhar asas de liberdade para a
constatação de um mundo de infinita beleza e múltiplas possibilidades.
No entanto,
quando ocorre a aceitação, a qual se apresenta tão somente pela rendição holística
e não por meio de algum cálculo da sagacidade mental; quando realmente nos
prostramos diante do sagrado espaço dessa fala mansa e suave da Consciência que
somos, quando a mente de fato se rende, imediatamente emerge um estado de
Bem-aventurança... Imediatamente a Paz se instala... Imediatamente entra —
talvez pela primeira vez em nossa vida — um estado de Felicidade... De Alegria incausada...
Só vivenciamos isso quando se dá o estado de prontificação resultante
da total rendição, impotência e entrega incondicional por parte da mente aos
cuidados da soberana e centrante vontade da Consciência que somos, da Realidade
Única que anima a tudo que é. Em outras palavras, tal
estado de maravilhamento e centramento só se torna possível quando a mente adquirida
abre mão de suas sagazes justificativas reativas, as quais se tratam de uma
desesperada tentativa de não deixar transparecer ao exterior, a realidade de
sua estagnante debilidade. Por mais que a mente adquirida lute para que se
manifeste o contrário, aqui, não mais ocorre a possibilidade de a Verdade não
vir à tona, porque a Verdade precisa vir à tona, ela precisa sair, ela precisa
alcançar novos ares... A Verdade não foi feita para ficar trancafiada no
desarrumado guarda-roupa de nossa adoentada personalidade... Ela precisa sair e
transitar livremente, porque ao permitir a manifestação da Verdade, libertamos
também ao demais, quando eles entram em contato com a qualidade dessa Verdade. Então
a mente, quando percebe que não tem mais como fugir, que não tem mais como
postergar sua rendição, quando percebe que terá que “sair de dentro do guarda-roupa,
de dentro do porta-máscaras”, nesse momento apresenta-se o terreno fecundo para
a manifestação de um estado de Transmentalização, a qual nos brinda
com uma extraordinária compreensão de mundo e de suas leis, de modo nunca antes
imaginado como possível. Em muitos casos, diante de tal momento de Graça, nosso
crônico, disfarçado e debilitante padrão comportamental é milagrosamente
arrancado de nossa mente e de nossos instintos. Para outros menos afortunados, se
faz necessário um longo e doloroso processo, a ser vivido de forma minuciosa e
destemida, o qual é denominado pelos profissionais da área de Saúde Mental como
sendo a “Síndrome de Abstinência Prolongada” a qual coloca em contra marcha,
aquilo que um grande amigo nosso se refere como sendo o “SPA – Síndrome do Pensamento
Acelerado”. Em todos os casos, seja de forma imediata ou paulatina, se
apresenta um novo estado de ser e de se relacionar com o mundo, para o qual não
encontramos outra palavra melhor para expressá-lo, do que o significado da
palavra milagre.
Então, a crise
é simplesmente isso: a recusa de olhar de forma incondicionada para a
debilitante e estagnante realidade a que estamos acometidos. Se nos encontramos
em crise, então, paremos e observemos, sem qualquer escolha de resultados,
aquilo que não estamos querendo aceitar, compreender e transcender. Olhemos com
os olhos bem abertos para aquilo que não estamos querendo aceitar, indo ainda
um pouco mais longe e compreendendo as vozes do medo e suas exigências que acabam
sustentando a continuidade do estado de crise, a qual impede a manifestação da
revelação da verdadeira liberdade do espírito humano. Deixemos de uma vez por
todas de alimentar o vício de contar histórias recheadas de vitimismo, tanto para
nós mesmos como para os demais que se mostrem menos precavidos. Tomemos
consciência do fato de que em nada adianta ficarmos contanto histórias, nos
fazendo de pobres vítimas incapazes de perceber a natureza exata da fonte do
mal-estar a que nos vemos acometidos, pois, na realidade, sabemos muito bem
qual é a dependência que está nos sendo apresentada e que está impedindo a
manifestação de um estado de ser dotado da livre expressão de nossa energia
sutil, a qual vivida em sua integridade, nos apresenta Felicidade, Liberdade,
Criatividade, Sensibilidade restaurada entre tantas maravilhas mais. É preciso
de forma emergencial tomar consciência de que, enquanto não abrirmos nossos
olhos para a Verdade, os mesmos permanecerão voltados tão somente para o
contínuo processo de sustentação do falso, o qual é a natureza exata de todos os
nossos padrões de comportamento dependentes e seus inevitáveis conflitos
separatistas.
Outro fato
importante de tomarmos consciência é a percepção de que a crise iniciática,
para alguns de nós manifesta-se por uma dose excessiva de remorso e de
auto-repulsa devido as ações e experiências do passado. Para outros, a crise
iniciática se apresenta com uma expandida dose de vitimismo ácido rancoroso;
estes não possuem a crônica dor do remorso e da auto-repulsa (que por vezes se
mostra fatal); estes se veem como eternas vítimas do mundo. No entanto, quando
nos aprofundamos no conteúdo dos materiais que vão surgindo em nosso caminho do
autoconhecimento, quando nos debruçamos sobre os dizeres de homens e mulheres
que tiveram restaurada a capacidade de ser amor, um doloroso processo de
reversão começa a se instalar. Não raro, aqueles que se mostravam com uma dose
excessiva de remorso e auto-repulsa, ao passarem os olhos em seu histórico
psicológico, se deparam com a realidade de lares profundamente disfuncionais e,
prontamente passam a alimentar o outro lado do conflito de opostos, manifesto
pelo exercício do vitimismo ácido rancoroso. O mesmo acaba ocorrendo com o “outro
lado da moeda”, fazendo com que o vitimista depare-se com a realidade de seu neurótico
comportamento reativo, fazendo com que o mesmo, de forma também neurótica passe
a buscar pelo prazer mórbido da auto-punição. Do “Olha o que fizeram comigo”,
salta-se para o “Minha culpa, minha tão grande culpa”.
Infelizmente, esse
período de reversão, que poderia ser apenas um breve rito de passagem, devido a
sagacidade da mente, a qual se apodera de toda informação para poder da
continuidade ao seu processo de retroalimentação, acaba se mostrando além de bastante
longo e doloroso, repleto de recaídas ao original estado anterior, o que para
muitos, não raro, se mostra como um diabólico mecanismo de auto-boicote, com o
qual justificam a inconsciente e inconsequente ação de se distanciar de vez do
caminho do autoconhecimento. No entanto, para aqueles que de forma prudente,
momentaneamente fazem uso da experiência de outras pessoas que já atravessaram,
com sucesso, os pedregosos primeiros passos dessa trilha do autoconhecimento,
surge a percepção de que o caminho dos opostos deve ser deixado de lado, tendo
como salutar opção, a sugestão que nos chega das sábias palavras de um grande
mestre, Siddharta Gautama, o Buda, cuja essência está em sempre optarmos pelo
caminho do meio: “Se esticar demais a corda da cítara se rompe, se não a esticarmos
suficientemente ela não produz música”. Quando insistimos em pender
para um dos lados, quando de forma insana optamos por novamente mergulhar nas
fétidas águas desse pântano escuro, acabamos por infligir a nós mesmos e aos
demais, desnecessários momentos de fragmentação, os quais por vezes, não raro,
se mostram totalmente impossíveis de serem reparados. É somente por meio do
equilíbrio que podemos seguir viagem, rumo a libertação do passado e a
restauração de um agora pleno de presença e em comunhão com nossa real Natureza
Única.
Não é difícil
constatarmos que todo conflito tem por natureza essa contradição de desejos
opostos, mesmo quando ainda estamos totalmente identificados com a mente
adquirida, quando ainda nem sequer entramos em contato com o observador de si
mesmo. Mesmo quando somente na mente adquirida, a mesma sempre cria um desejo
para logo a seguir, criar uma opção contraditória, isso de instante em
instante, até se avolumar na quantidade de opções que nos sufocam por completo;
não sabemos mais quais das vozes seguir e então, mais uma voz cria outro desejo
de buscar pela voz de alguma autoridade e, sem perceber, ao nos permitirmos
esse jogo da mente, alimentamos ainda mais nosso estado de confusão.
Em vista
disso, se mostra por demais importante, sempre nos questionarmos quanto ao que
realmente estamos buscando e o porquê da busca. Se olharmos com propriedade,
veremos que toda busca é em sua essência, uma maneira de fugirmos da não
aceitação daquilo que é, daquilo que se apresenta mediante as falas da
Consciência que somos. Toda busca visa silenciar essa voz da Consciência e,
mesmo a busca por espiritualidade, mesmo a leitura dos livros tidos por
espirituais, podem ser usados pela mente com o intuito de neles encontrar por
uma breve frase, com a qual possa sustentar a continuidade de algo que a
Consciência lhe apresenta como sendo necessário de se abrir mão. Do mesmo modo
que fugimos pelas drogas receitadas ou não, do mesmo modo que fugimos pelo sexo
e pelo relacionamento, do mesmo modo que fugimos por meio de tantos outros
padrões de comportamentos obsessivos compulsivos, podemos também eleger a
própria espiritualidade como a droga anestesiante de nossa escolha. Em todo o
processo de prontificação, nunca podemos subestimar o poder da sagacidade da mente
adquirida, poder este a qual ela sempre lança mão para evitar as devidas
reparações que se mostram urgentemente necessárias, sobre tudo aquilo que foi
construído em momentos de profunda inconsciência reativa. Então, muitos de nós
vamos na busca dos ensinamentos de mestres espirituais de nossa preferência,
não para facultar a possibilidade de autoconhecimento, do conhecimento da
Verdade, mas sim, para de forma irresponsável amenizar o conflito de opostos
criado pela mente adquirida.
Em vista
disto, de nada adianta fazer da espiritualidade, fazer do autoconhecimento uma
droga de escolha para amenizar os nossos conflitos, pois não adianta: mais cedo
ou mais tarde, a Verdade terá que subir à tona; se a Verdade não subir,
acabamos novamente descendo até lamber o chão, por causa da teimosia em exercitar
a nossa doentia vontade. Se nos percebermos no chão, é porque estamos com o
peso de algum desejo sobre nossas costas. Se estamos prostrados no chão é
porque estamos insistindo em manter na mochila, nossa vontade obstinada;
estamos querendo manter a nossa zona de conforto; estamos querendo manter
aquelas roupas apertadas que já não nos servem mais. Então, para novamente
ficarmos de pé, basta tão somente, jogarmos as velhas roupas fora e nos
permitirmos voltar à nossa nudez original, onde desconhecíamos o amargo fruto
da árvore do conhecimento do bem e do mal, árvore essa que cria a ilusão de
alimentação por meio do conhecido e doloroso conflito de opostos. É preciso que
ocorra o renascimento de uma mente sutil e ágil, e esta forma de mente só pode
se manifestar, quando de momentos de repouso e aceitação do pouso dessa
Consciência, nos apresentando o que precisa dar-se adeus.
Outsider
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