Não é nada
fácil se deparar — não por escolha própria, mas por um chamado do destino — com
a necessidade de fazer frente a um novo paradigma que traz uma nova maneira de
se relacionar tanto consigo mesmo, como com o mundo que nos rodeia, isso quando
ainda vivenciamos um período em que nossos hormônios estão a flor da pele, quando
ainda não possuímos a necessária autonomia tanto psicológica quanto financeira
— o que nos deixa reféns de várias formas de dependências — e quando ainda
estamos mal entrando no adulterado mundo adulto e nele ainda não ter encontrado
nosso campo de ação, nosso solo sagrado.
De fato,
quando ainda nesse período, não é nada fácil se deparar com um paradigma cujas
bases se encontram sustentadas nos pilares formados pelo cruzamento dos preceitos
espirituais dos Grupos de ajuda mútua, chamado Doze Passos e a observação
contida nas percepções de homens que alcançaram o estado de prontificação para
a manifestação da retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa. Entre
muitos deles, podemos citar com especial gratidão, Huberto Rohden, os terapeutas
do Deserto, Trigueirinho, Mestre Eckhart, Karlfield Graf Dürckheim, Osho, Joel
S. Goldsmith, Paul Brunton, Krishnamurti, Eckhart Tolle, Ramana Maharshi e Nisargadatta
Maharaj. Tudo isso somado a experiência compartilhada de homens e mulheres com
mais de 25 anos de vivência direta de tal conteúdo, de forma repleta de
propriedade.
O que acaba
ocorrendo ao novato iniciante é um enorme desmoronamento da estrutura psicológica
de seu velho mundo, num momento em que ele mal começou a sentir na pele as
dolorosas exigências da família, sociedade e demais conhecidos (sem falar nas
exigências de seus próprios condicionamentos). Não raro, muitos novatos
iniciantes se veem mergulhados numa enorme onda de conflitos até então nunca
antes imaginados, cujo poder de confusão nubla por completo a possibilidade de
expectativas positivas, bem como a compreensão do porque daquilo que
momentaneamente sacode suas protegidas e acariciadas zonas de conforto
estagnante, zona essa que impede a necessária manifestação de um processo de
prontificação que apontam para a maturação e manifestação da Consciência que É.
O que
percebemos é que muitos desses novatos, por já terem se deparado com certa
quantidade de materiais com conteúdos como os de Osho, Eckhart Tolle e
Krishnamurti, torna-se para eles muito difícil a total identificação com o
compartilhar dos membros dos Grupos de Doze Passos, bem como a observância de seus
princípios espirituais, estes sustentados na necessidade de uma crença num
Poder Superior ou Deus como cada um O conceba. Nessa fase, por natureza —
talvez ainda motivados pelo ranço resultante da vivência parental — a menor
ideia de submissão a alguma forma de autoridade, principalmente de fundo espiritual,
se mostra repulsivamente alérgica. Se já não bastasse isso, talvez pelo novo
costume formado pela revolução tecnológica, a qual nos cria a ilusão de conexão
e intimidade, ainda temos que contar com a grande barreira para manter contatos
presenciais constituídos do verdadeiro compartilhar de nosso íntimo. Sem estes
contatos presenciais, não há como fazer uso de ferramentas tão importantes no
processo de autoconhecimento como a opção do olhar nos olhos e o uso da
imprescindível linguagem corporal (o corpo nos entrega de forma rápida e fácil
a contradição que se encontra por trás de nossas palavras repletas de cálculo).
De fato, como não é difícil se constatar, a virtualidade rouba-nos o contato do
reverberar de nossa frequência energética sutil, da qual só podemos ser
agraciados por ela, quando nos encontramos harmonicamente em estado de Presença. Quando
estamos presencialmente unidos, torna-se mais difícil a dispersão de nossa
energia, o que certamente já não ocorre quando nos vemos “conectados” por meio
da virtualidade (quase sempre nos mantemos com várias janelas abertas que
apontam para diversas direções, quase sempre muito distantes da enorme porta
que aponta para a comunhão do coração). Por mais que tentemos manter nosso
estado de Presença por meio da internet, essa forma de compartilhar se torna um
tanto impessoal, porque, mesmo por vezes tendo a opção do olhar direto por meio
de uma web cam, não somos expostos à misteriosa e impactante energia sutil, a
qual no início nem temos ideia de sua realidade, muito menos imaginamos que
possa ser real a possibilidade de uma inter-relação harmônica muito além do que
os enfraquecidos sentidos conseguem captar.
Outro fato que
temos percebido é que a observação e assimilação de um novo paradigma não
acontece de imediato; ele sempre ocorre de forma crescente e intercalado por
momentos denominados de “platôs”. Em cada momento, por hora digamos assim, uma
dosagem de consciência é recebida, a qual pede por um necessário período de
absorção e assimilação, até que se esteja apto para novas doses de consciência.
E essas passagens para novos estados de consciência — se é que podemos dizer
assim — é sempre também repleto de confusão, esta gerada pela negação exercida
pela mente adquirida diante da nova informação trazida pela Consciência quanto
uma forma de ilusão com sua respectiva dependência e medos infundados. A
dificuldade aqui é que por mais que o iniciante seja avisado quanto a
necessidade de se lançar um olhar diferenciado para o estado de confusão, este quase sempre se vê incapacitado de não se identificar com a enorme gama
de pensamentos que nele sempre estiveram presentes, mas que até então não eram
percebidos. A mente adquirida tem um sistema de defesa tão apurado, que ela
tenta instalar a ideia de que por meio da observação do novo paradigma,
esteja-se enlouquecendo, para que ocorra a identificação com suas falas
geradoras de terríveis medos e que através dessa identificação reativa, ocorra
o aborto do processo de prontificação para a revelação de nossa real natureza.
É preciso
levar em consideração que todo o nosso organismo funciona de acordo com um
condicionamento adquirido; tanto a mente como os instintos funcionam de uma
forma degenerada, eles perderam a características de seu gênero original. Então
ocorre uma exigência holística de retroalimentação desse organismo degenerado,
o que não acaba ocorrendo uma vez que a carga trazida pelo novo paradigma é
diametralmente oposta a carga pela qual se encontrava viciada a antiga
estrutura com a qual se estava identificado. Então é natural que se manifeste
um grande choque estrutural, entre o que está condicionado e essa nova carga
que traz luz onde antes só havia escuridão. E o que acaba ocorrendo de imediato
é que tanto o corpo, tanto a mente como os instintos acabam se identificando
com a ideia de que esse novo material que está sendo assimilado é que é
venenoso. Dá-se uma espécie de efeito colateral a qual dispara a “Síndrome do
Pensamento Acelerado”, com seus conhecidos sintomas torturantes.
Neste momento
do processo mostra-se profundamente importante o contato presencial com pessoas
que já atravessaram essas dolorosas vivências, ou mesmo que também
estejam vivenciando tal estado. O compartilhar franco e aberto nos
proporciona tanto a possibilidade de desabafo da tóxica energia conflitante,
como a possibilidade de um retorno que aponte para o facilitar da necessária
compreensão e transcendência do estado de conflito. Valer-se de uma nova rede
de apoio é que possibilita a não identificação com os poderosos gritos da
mente, os quais nos forçam pelo aborto de nosso processo por meio do
ajustamento ao que a Consciência nos aponta como falso. É através de um honesto
contato assíduo com essa valorosa rede de apoio que conseguimos fazer frente a
esse estado de confusão inicial e dar sequência ao exercício de nosso rito de
passagem para níveis mais profundos de autoconhecimento.
É interessante
frisar que quando nos referimos ao uso de uma rede de apoio, não estamos com
isso alimentando uma dependência, uma vez que, essa rede de apoio visa tão
somente a sustentação diante dos primeiros passos nesse caminho de retorno para
nossa real natureza; é uma rede que não foi feita para nos prender, mas antes
disso, para nos puxar, nos sustentar e novamente nos jogar ao mundo, de forma
totalmente livre de nossos antigos condicionamentos e ilusões. É um jogar o
aprendiz de volta para si mesmo. Isso fica bem claro quando olhamos para o
nosso processo: se não tivesse ocorrido o apoio por parte de algumas pessoas
mais antigas no processo, se com elas não tivéssemos sido emocionalmente assíduos,
com uma frequência de contato psíquico íntimo visceral, talvez seria impossível
fazer frente ao estado de enorme confusão inicial. Foi com eles que pudemos
obter a coragem necessária para perceber, sentir e vivenciar nossa debilitante
disritmia e através dessa coragem, retomar o sopro e retomar nosso ritmo
original. Foi nesse período que percebemos a duras penas que tentar superar
essa confusa fase inicial de forma solitária, com a própria limitação da mente
extremamente confusa, só poderia resultar na identificação com mais fontes de
confusão, uma vez que, uma ferramenta não ajustada só pode produzir mais desajustados resultados.
Foi mediante essa percepção da necessidade de maior aproximação presencial com
pessoas mais experientes, com as quais fosse possível a prática de um “pensar
alto” quanto ao próprio estado de confusão, que ousamos dar as costas para o
clamor agressivo de nossos medos infundados, os quais funcionavam como pilares
de sustentação da antiga estrutura da mente adquirida, e nos aventuramos num
compartilhar cujo resultado foi o descobrimento de um terreno fértil e bem
trabalhado para a instalação dos novos alicerces que apontavam para a
construção do enorme e seguro edifício do ser que somos, onde mais tarde poderíamos
abrigar com propriedade, demais corações feridos, também em processo de
desmoronamento iniciático.
Foi através
dessa ousadia que descobrimos que há uma interação que vai muito além das
palavras, que ocorre além do corpo físico. Fomos condicionados a pensar que
somos o corpo físico, a achar que somos a nossa condicionada linha de
raciocínio, que somos o nosso desempenho dissertativo, o nosso vocabulário,
quando na realidade, em última análise, somos puro silêncio, silêncio este que
todo aquele que esteja mais alinhado com essa energia silenciosa, com esse
corpo sutil, com essa calorosa Presença... Só a presença desses que estejam mais
alinhados com essa Presença, faculta com que essa Presença possa fazer seu “trabalho
de base” com esses que momentaneamente, com Ela se encontram desalinhados.
Outsider