Dizia o finado
poeta: “Nos deram espelhos e vimos um mundo doente”... Sim! A educação que nos foi apresentada fez com que tivéssemos
um olhar totalmente adulterado, um olhar adoentado e, quanto a esses espelhos,
não foram por breves instantes que nos mantivemos diante deles... Para a grande maioria de nós, foram décadas! Então, leitor, imagine você, várias
décadas de exposição a valores arcaicos e disfuncionais, profundamente
limitantes, fazendo com que nossa visão de mundo se desse por meio de um espelho
deformado... Um imenso salão de relações de espelhos deformados...
Depois que
recebemos um forte chacoalho da Grande Vida, esse chamado, esse convite para o
resgate da Consciência que somos, é lógico que se faz necessário uma grande quantidade de material para nos ajudar a limpar esse espelho, para ajudar a retirar a grossa
camada de poeira que nos impede a clareza de visão. Então começa uma busca
através de livros, áudios, filmes, vídeos, blogs, entre outras ferramentas, as
quais saiam dessa visão ordinária — que já não nos alimenta mais — e nos
apontem para o “Extraordinário”. É através desse “extraordinário” que começamos
nosso processo de “Educação Psíquica-emocional”.
Durantes estes
longos anos de “mestrado de si mesmo”, raros foram os encontros onde pudemos
testemunhar falas que retratavam o conhecimento direto de uma vivência real do
Inusitado, do Inefável, do Extraordinário. Quase todas as falas tinham em comum
um ponto inicial de partida, manifesto pela identificação partida com o antigo
modo de ser, o qual através da enorme intensidade da dor clarificou-nos a
percepção quanto a insanidade dos valores a que muitos de nós nos mantínhamos apegados.
Raros apresentavam relatos de algo semelhante a uma genuína experiência
religiosa, uma vivência atemporal, um estado não dualista de ser. Os relatos
traziam como base o lado obscuro do Absurdo, o qual arrancará a Graça de tudo
aquilo que antes nos trazia graça. O discurso era sempre o mesmo em quase todas
as escolas iniciática por onde passamos, na tentativa de encontrar respostas
para as dúvidas resultantes da longa vivência do Absurdo e da brevidade da Graça,
ambas profundamente marcantes e implicitamente transformadoras. A ânsia de
encontrar ecos para isso que havíamos vivenciado era incomunicavelmente grande.
Os ecos de depressão, ecos de mal estar, ecos de angústia e solidão se faziam
frequentes, mas, sobre aquele estado de paz, sobre aquele estado de felicidade
integrativa, sobre a compaixão abarcante, nos víamos como peregrinos solitários em
meio de um escaldante deserto com ventos cortantes. Os dolorosos ecos
retratavam uma espécie de “ordenação”, a qual cria enorme desordem naquilo que
até antes da crise iniciática, mostrava-se como ordem.
O interessante
é perceber que, o impulso inicial diante desse processo de ordenação, é o de lançar
sobre ele um olhar desconfiado e negativo; não é difícil a compreensão do
porque dessa forma de olhar para a manifestação da crise iniciática: não
tivemos uma cultura, uma educação-psíquica, uma educação para a meditação e a
contemplação... Nada disso! Toda nossa cultura mostrou-se voltada para a
euforia, para a busca de prazer, poder e prestígio. Então, é óbvio que quando
se apresentam essas vivências do “extraordinário”, essa experiência que nos
arranca do ordinário e nos lança num forçoso e emergente processo de interiorização...
E hoje fica muito o claro do porque desse processo ter sua fundamentação de
forma extremamente dolorosa... Estávamos tão insensíveis, tão embotados, tão
formatados, tão ajustados, chegamos a um estado de tal embrutecimento do olhar,
da percepção, que só mesmo através de um choque muito doloroso para novamente
voltarmos à percepção do sentir... Começar a perceber em si e no externo também.
Quando olhamos
para trás, podemos ver a beleza daquilo que, aparentemente, nos parecia a maior
das tragédias, quando, na realidade, um processo maravilhoso estava se
apresentando: um processo de retomada desse estado de “Presença”, que somos.
Então, foi preciso mesmo recorrer a várias escolas, a vários livros (quase
sempre somente encontrados em sebos), porque, dentro do ordinário, não
encontramos espaço para isso que aponta para o extraordinário; raros soletram
essa forma de linguajar. Raramente encontram-se pessoas para comungar sobre
isso; é muito difícil manter relacionamentos cujo propósito primordial comum
está em relacionamentos que apontem para a manifestação da inteireza, para a
manifestação da real integridade do Ser. Além de que, enquanto identificados
com o ordinário, acreditamos que aquilo que vivemos faz jus ao significado da
palavra relacionamento. Com o advento da crise iniciática, a qual nos força um olhar
minucioso e destemido sobre nossas relações, dolorosamente tomamos consciência
de que, aquilo que pensávamos ser relacionamentos, na realidade apontavam sempre
para a exteriorização, para a euforia e não para a potencialização do processo
de maturação do Ser que somos. Os relacionamentos nos forçavam para uma
extenuante busca de transitórios valores externos, a maioria deles com obsolescência
programada e não para a contemplação DISSO que já É. Então, nesse período inicial
se mostrou muito difícil encontrar por falas com propriedade, ou seja, cuja
vivência seja própria e não uma indevida apropriação de segunda mão... Por
alguém que realmente viveu o processo do Absurdo e a Graça e conseguiu de
alguma forma codificar “um dízimo”, a terça parte do que foi vivido; porque não
há como falar tudo aquilo que foi vivido, pois essa vivência não é da dimensão
das palavras, não é da dimensão do tempo e do espaço.
O que
percebemos, ao recorrer a classe médica de saúde mental, foi que a mesma também
se encontra com um olhar condicionado, ou seja, também encontra-se adoentada.
Eles também vêm com seus pacotes de rótulos condicionantes — quase todos
extraídos de livros acadêmicos e não da vivência própria — com os quais tentam
ajustar e limitar a complexidade do ser que somos. Algo semelhante com a crença
de que ao olhar para uma foto de uma bela mesa de alimentamos, podemos saber além do
gosto, a complexidade da estrutura essencial dos mesmos. E grande maioria não viveu esse choque com seu consequente
processo de ordenação.
Todo aquele
que se encontra no momento vivenciando esse “batismo”, esse processo inicial de
lavagem da mente condicionada, precisa estar ciente de que o mesmo se manifesta
em meio de enormes períodos de confusão. Mas é preciso também saber dar um novo
olhar para essa confusão e, através desse novo olhar, compreender que essa intensa
confusão cumpre um papel fundamental nesse processo, pois, sem ela, devido a
nossa forte tendência ao ajustamento, não raro nos entregamos ao processo de
euforia e ao consequente esquecimento da emergência do autoconhecimento. Como
num dito da sabedoria popular, “a dor é a pedra de toque de todo crescimento
espiritual” (se é que podemos usar para isso a palavra “crescimento”). Se não
tiver um batizado nesse processo de dor, com a devida intensidade, a mente
adquirida, por ser facilmente influenciável pega seu par de tênis de corrida e
sai em disparada no sentido contrário da arena do autoconhecimento. E é claro
que, se nesse momento de confusão, em meio a incerteza, buscarmos por
confirmação no meio daqueles que nunca viveram esse batismo, receberemos
retornos que, apesar de tentarem nos ajudar por meio de condicionamentos,
apenas servem para aumentar o já instalado estado de confusão (isso quando não
confirmarem os rótulos da classe médica de que você está ficando louco e que
necessita de acompanhamento médico, farmacológico ou na frequência assídua a
alguma forma de sistema de crença organizada). Tudo isso é claro que é uma
tentativa de ajudar, mas que, segundo a nossa experiência, em nada ajudam,
apenas atrapalham e intensificam ainda mais a natureza de nosso conflito
iniciático. Então, há mesmo que se buscar com urgência, por aqueles que
conhecem o idioma da “tempestuosa busca do ser que somos” e que, através da
limitação das palavras e dos símbolos tentaram nos deixar um aviso nos dizendo:
“Olha, eu te compreendo! Você não está ficando louco, não! Isso que você está
quase acreditando ser loucura é, na verdade, a loucura que cura de toda
loucura! Isso não é doença; doença é o que você viveu até aqui! Se sua dor não
for o suficiente para você acreditar, olhe o que se apresenta no planeta...
Veja o olhar das pessoas logo pela manhã nos coletivos ou quando voltam de seus
locais de trabalho e ali você verá a doença. Portanto, em vista disso lhe incentivo:
Ouse abraçar sua dor! Aventure-se nessa trilha menos percorrida, percorra a
jornada do herói a qual encerra as sementes de sua integridade curativa,
criativa e integrativa. Bem haja excelência no seu agora, mesmo que esse agora
se mostre dolorosamente fecundo. Você não está só!”
Outsider