Boa parte dos
que são chamados ao caminho iniciático, ou se preferir, ao caminho do
conhecimento de si mesmo, com este se deparam por meio de uma inesperada — e
quase nunca imaginada — experiência do
Absurdo, experiência esta que a mente condicionada e analiticamente cartesiana
rotulou como “depressão”. Como revelado pela própria vivência e também pela
observação do processo ocorrido com outros, se damos a devida atenção e recebemos
o devido incentivo para a travessia desse conflituoso momento de absurdo, o
qual de fato se mostra como um rito de passagem, nos deparamos com a vivência
de uma dimensão atemporal, a qual vem sendo simbolizada pela palavra Graça, palavra esta que, para a mente
condicionada, vítima de suas memórias de abuso, geralmente é fonte de grande desconforto,
quase sempre expresso de forma reativa.
O primeiro
toque da Graça, quando observado com toda a propriedade do Ser que somos, nos
clarifica que mesmo a vivência do Absurdo — é a Graça em ação. Se o leitor ainda alimenta qualquer tipo de
desconforto diante da palavra Graça, apenas momentaneamente, o convidamos para
que utilize outra que lhe soe menos desconfortável aos ouvidos da mente. Muitos
têm sido os nomes usados para apontar este maravilhoso, inesquecível e
integrativo momento, entre eles: experiência do Sagrado, Boa Aventurança, vinda
do Espírito Santo, Batismo Cósmico, Axé, Momentum, Insight Criativo, A Coisa,
Inefável Presença, Estado Supremo, etc.. Trata-se de uma vivência que nos joga
de imediato num estado de inenarrável maravilhamento, de inefável e pacífico encantamento,
nunca sequer imaginado e que a limitação dos símbolos, das palavras tornam
impossível o seu simbolizar. Todo símbolo utilizado mostra-se infinitamente
distante diante de incalculável expressão graciosa. Oxalá, o leitor que agora
se depara com este texto, saiba por experiência direta, a beleza deste sagrado momento,
o qual impregna de inesquecível e inquestionável Realidade, desde cada célula
de nosso organismo, até a sutil energia de nossa dimensão anímica, pela qual o
corpo tem seus movimentos.
A julgar pela nossa
própria experiência e por longo e exaustivo estudo quanto as vivências
religiosas de outros homens e mulheres, raro se mostra a permanência deste “momento
luminoso” na dimensão cotidiana daquele que por ele foi agraciado. Costumamos
nos referir a esse primeiro toque da Graça, como uma espécie de amostra grátis,
a qual qualifica a realidade dessa dimensão do Espírito incondicionado e nos
garante a energia, a paixão e a seriedade necessária para a realização de um “trabalho
de base emocional”, o qual se dá pela prática da observação de si mesmo, pela
qual reconhecemos as traves de tropeço, as fronteiras do ego, as enormes trincheiras
da mente adquirida, responsáveis pelo impedimento da livre expressão do
gracioso estado do Ser que somos. Quando, do céu retornamos para o “planeta dos
macacos da mente adquirida”, não raro o sentimento que se apresenta é de incalculável
nostalgia. Podemos utilizar como exemplo, algo que acreditamos possa ter
ocorrido com o leitor: a lembrança de um romance de férias de verão... Lembra-se
da tristeza de ter que voltar para sua cidade, sem saber ao certo se seria
possível um dia o retorno àqueles inesquecíveis momentos de ternura?... Surge
uma nostalgia que rouba-nos o colorido da vida; o mundo torna-se uma triste
palheta de tons de cinza e os únicos pensamentos que nos ocorrem, se mostram
voltados para a idealização de como conseguir abreviar a repetição desses
inesquecíveis momentos de bem-aventurança.
Então, o que
ocorre àqueles que se viram tocados, após longo período de vivência do Absurdo,
pela maravilhosa e inesquecível experiência da Graça? A única coisa que se mostra
valer a pena de existir é a busca da “Volta ao Lar”, do “Caminho de Retorno”
capaz de nos apresentar de forma permanente, os braços da vivência do Amor (Amor
este, que nada tem a ver com as ideias socialmente propagadas sobre o Amor). Ai
surge a questão: como retomar esse contato, se o sujeito do contato não nos
deixou seu endereço?... De modo infantil, como na experiência do nosso romance
de verão, cheios de expectativas, voltamos ao ambiente de nossa vivência
somente para nos depararmos com a dolorosa frustração ocasionada pelo
desencontro com nosso Ser Amado... Olhamos para todos os lados, mas o Amor... Não
está lá!... Em nosso desespero, tentamos encontrar em outros corpos, em outros
rostos, aquela amorosa dimensão, mas, apenas nos deparamos com mais tons de
cinza. Esses corpos e rostos são uma representação dos vários ambientes e
objetos nos quais acreditamos que possam nos brindar com a recorrência de tamanho
estado de plenitude e centramento integrativo... Instituições, Escolas
Iniciáticas, viagens a locais tidos por sagrados, os mais variados e absurdos sistemas
de crença organizada (erroneamente tidos por religião), livros, sites, blogs, comunidades, mestres, gurus, exaustivas
práticas específicas (como por exemplo, o sexo tântrico), quase sempre
adquiridas em caros cursinhos de um final de semana que se repetem por vários
anos... Todos nos prometem paz, mas a paz, ali não se encontra... Para nosso
desespero, tudo se apresenta como mais do mesmo: deixam o gosto de cinzas em
nossa boca, pois não nos proporcionam a Benfazeja Realidade do Êxtase Divino,
com seu encantamento, seu eterno momento de maravilhamento, de completude, de
inteireza, de integridade, o qual se
manifesta pela “ausência de si mesmo, no derramamento no SI mesmo” (se é que
podemos fazer uso de tal expressão).
Então, para
todo aquele que “recebeu o chamado” por meio da vivência do Absurdo e da Graça,
não tem outro jeito: fica essa nostalgia... Essa nostalgia que, por sua vez,
alimenta o processo de busca por aquilo que convencionamos chamar de “Retomada
da Perene Consciência Amorosa Integrativa” que somos. Em outras palavras, essa
vivência do Absurdo e da Graça é o passaporte, o bilhete válido para a maior
viagem do espírito humano, a qual nos leva para a plataforma do encontro
consigo mesmo, plataforma esta, na qual poucos aventureiros tocaram seu solo e
que, de forma amorosa, os que o conseguiram, de suas alturas, através da
limitação das palavras, tentaram “nos mandar notícias do mundo de lá”. Mas,
mesmo por mais belas que sejam as suas amorosas palavras, as mesmas se mostram
muito, mas muito pequenas diante da realidade da agraciada vivência a nós
ocorrida. A duras penas tomamos consciência de que, tudo aquilo que para a
mente adquirida se mostra como muito, para o nosso coração, mostra-se pouco e
como nas palavras do poeta, “Muito pra mim é tão pouco e pouco eu não quero
mais”.
Aqui é um
momento muito difícil e que, não raro, acaba se mostrando como uma enorme fonte
de conflitos, uma vez que, torna-se quase que impossível a continuidade de identificação
com as antigas e mais variadas formas de relação, as quais, de forma totalmente
inconscientes de nossas mais profundas necessidades, as mantínhamos. Quase tudo
se mostra “muito pequeno” diante de tamanha grandeza, vivenciada em nosso “cósmico
amor de férias de verão”... Tudo fica muito sem sal... O ambiente familiar, as
antigas práticas e preferências, os hobbies, crenças, a prática profissional,
relacionamento, amizades... Tudo passa a se mostrar sem sentido, tudo passa a
se mostrar sem sal e sem açúcar... Tudo se mostra infinitamente pequeno. E,
para a amplitude de nosso solitário desespero, aqueles que nos são familiares
nestes ambientes, além de não compreenderem nossa instantânea transformação e,
em muitos casos, a recusa de participação, nos impõem fortíssima resistência, a
qual sempre nos aponta o fórceps ao ajustamento. Em meio de
nosso desespero, não encontramos palavras para explicar aos que nos são
familiares a realidade do que ocorre conosco em nosso interior; e nem teria
como: para compreender isso, só mesmo aqueles que conhecem o alfabeto da “língua
dos anjos, a língua do céu e do inferno de Dante”. É a duras penas que
constatamos que diante dessas condicionadas influências externas, as quais
quase sempre visam — de forma inconsciente — o aborto do nosso processo do
reencontro consigo mesmo, o idioma mais aconselhável é o idioma do silêncio,
silêncio este que nada tem a ver com o rancoroso silêncio quase sempre exercido
quando nos domínios da mente adquirida. Aqui, independente das opiniões do
mundo, por mais que falem que estamos doentes, que estamos vivendo uma ilusão,
que precisamos de ajuda médica para voltarmos para aquele estado que eles
consideram como “normal”, permanece em nós, a certeza desta Realidade Única,
Realidade esta, que nos foi gravada a Ferro
e Fogo em cada célula de nosso
organismo, indo muito mais além do corpo físico, pois tal vivência benfazeja
fica intrinsicamente marcada em nosso corpo anímico energético.
Em vista da
pequenez do que nos é oferecido, devido a total inconsciência por parte dos que
nos são familiares, quanto ao que se refere a este rito de passagem para a
busca da Realidade Única do Ser que somos, é que iniciamos um processo de busca
por mentes que tenham se aventurado na trilha menos percorrida, conhecida por
muitos como “A Jornada do Herói” ou “O retorno do Filho Pródigo”. Passamos a
buscar por aqueles que também viveram esse “cósmico romance de férias de verão”,
na expectativa de encontrar por alguém que tenha ido fundo nessa busca e que
tenha conseguido a graça desse “Casamento Sagrado”, dessa “Boda Cósmica”, dessa
“Núpcia Búdica, Crística”, e que tenha a capacidade sensitiva para transmitir
ao mundo o aroma do filho nascido desse encontro divino, cuja natureza real é bem-aventurança,
felicidade, alegria, compaixão integrativa e completude. E, quando temos a
graça de encontrar uma premiada Testemunha desse processo e com ela passamos a
manter íntimo contato em seriedade, torna-se ainda mais difícil a possibilidade
de ajustamento às descabidas exigências do nosso antigo mundo de relação, de encontrar
graça e nutrição nesses ambientes que até antes dessa experiência do “cósmico
romance de férias de verão” nos proporcionava liga, ainda que passageira, uma
vez que as mesmas quase sempre se viam maculadas pelo silencioso tédio e a dolorosa
insatisfação.
A partir do
contato com as reverberações dessas “mentes Testemunhas”, dá-se início a um
longo processo de depuração de nossos condicionamentos, processo este que
denominamos de “processo de prontificação”. É um limpar da casa para que a
mesma esteja preparada para receber, de braços abertos e em estado de repouso,
o Ser Amado conhecido em nosso momento atemporal de “romance de verão”. Sabemos
de forma intuitiva que este Ser Amado, não entra em casa suja. A limpeza se faz
necessária. É um processo que nos dá condições de reparar as ilusões cometidas
diante de tanto tempo de exposição a impulsos inconscientes e inconsequentes, e
isso se mostra bastante doloroso; esse processo de reparar nos segredos, nas
ilusões, nas mentiras que contamos para nós mesmos e que as derramamos sobre os
demais... Trazer isso à luz da própria consciência e seguir aquilo que a consciência
pedirá para ser feito mediante esse observar... Seguir as reparações que lhe
são pedidas pela consciência é o que se mostra difícil e que nos faz
compreender a essência da expressão cristã: “Pai, afasta de mim este cálice; mas,
que seja feita a Sua vontade e não a minha”. E, não raro, são muitos os que se
aventuram e que abandonam a trilha menos percorrida, quando se apresenta esse conflituoso
momento de reparação, onde compreendemos bem outra expressão cristã: “Não vim
para trazer a paz, mas a espada... Não vim trazer a paz, mas dissensão”.
Para quem não
vivenciou esse “cósmico romance de férias de verão”, esse encontro, esse fogoso
beijo da Consciência Pura, é muito fácil se distrair com uma série de
influências, logo no início da caminhada... É muito fácil! Quem chegou neste
caminho apenas pela curiosidade, que não foi batizado pelo absurdo, é muito fácil
de se perder na busca de segurança financeira, profissional, na busca de
aceitação social, de respeitabilidade parental, ou na busca de dependência de
relacionamento romântico, gerada pelo medo do abandono e da solidão, e da
necessidade de dar vazão as exigências do ainda não trabalhado, instinto sexual.
Agora, aquele que teve essa Divina experiência, não tem como não dar
continuidade ao clamor interno do chamado; sem isso, o tão necessário silêncio
mental torna-se impossível. Para este último, em seu processo, podem até
ocorrer o que chamamos de “saídas do Ser”, mas as mesmas são logo percebidas e
devidamente reparadas, dando continuidade ao processo de prontificação. São
estes que lançam a rede do autoconhecimento e deixam de lado o peixe pequeno da
ilusão, agarrando-se ao Grande Peixe da Realidade Única. Aqui encontramos uma
força interna que nos torna capazes de, sem grande alarde, abrir mão daquelas
situações que não proporcionam o contato para o Grande Contato com a Realidade
Única que somos. Os peixes pequenos que estão tão somente identificados com o
brejo da horizontalidade egóica... Desses, nos distanciamos. Não o fazemos por
rancor, mas sim, pela consciência interna de que investir tempo e energia
nessas situações em nada nos ajudam para a realização da única coisa
necessária: a potencialização e a realização da Realidade Única que somos.
De fato, não é
nada fácil abrir mão de nossas ilusórias dependências psicológicas; não é nada
fácil fazer frente aos medos resultantes da preocupação com a opinião de
terceiros, do medo de ter a nossa imagem riscada e de sermos lançados ao
ostracismo e de não termos a quem recorrer num futuro de possíveis
necessidades. O medo de que virem as costas para nós é que nos impede de virar
as costas para tudo aquilo que não mais nos proporciona por encontros
nutritivos. Aqui, uma importante pergunta se faz necessária: “O que de fato estamos buscando?” A
qualidade da resposta a esta pergunta é que nos dá o ingresso para a baldeação a
outro estado de consciência ou ao término de nossa viagem consciencial. O que
parece qualificar a resposta a esta pergunta está na qualidade e intensidade da
dor vivida quando em nossa vivência do Absurdo. Nada melhor do que ela para nos
apresentar o irreal e nos lançar no portal da grande realidade.
Hoje, sem a
menor dificuldade abrimos mão de situações que não comunguem para a
manifestação do ambiente necessário ao surgimento do estado de consagração, ou seja, para o estado de “estar
no Sagrado”. Não mais nos preocupam as opiniões dos “fanáticos egos sociais”,
se vão ou não nos chamar de fanáticos ou outro rótulo qualquer. Se eles podem
ser fanáticos pelas crenças sociais, porque não podemos ser fanáticos pelo
retorno a nossa Real Natureza? Hoje, mil vezes a solidão do que um ajuntamento
condicionado; hoje, o que importa é “a única coisa necessária”, a qual só é
conhecida por aqueles que têm coragem, e aos quais cabe aqui, a nossa saudação.
Outsider