Ficamos muito
na superfície das palavras; ficamos muito no preconceito coletivo da
palavra que, por sua vez, também é um sistema de crença, visto que a mesma
palavra, em idiomas diferentes, apresentam diferentes simbolismos. Quando a
mente escuta a palavra “crença”, imediatamente, para a grande maioria de nós,
ela nos remete aquelas passagens infelizes que tivemos com algum sistema de
crença organizada que, por muitos anos de inconsciência, acreditamos se tratar
de religião.
Achar que
sistema de crença é religião, é também um sistema de crença. Religião é aquele
impulso interno que nos é único, pessoal, que não pode ser organizado, que não
pode ser transferido e que nos impulsiona a buscar pela verdade e realidade das
coisas manifestas e não manifestas. É uma vivência direta que não pode ser
verbalizada, que não pode ser rotulada, que não pode ser organizada, visto que
não se refere a dimensão da limitação das palavras e conceitos. A religião vive
sem a necessidade de sistemas de crença, mas os sistemas de crença não podem
existir sem a observação de uma vivência religiosa de alguém.
É preciso
aprofundar muito mais nessa questão da palavra “crença”, porque é muito fácil
de se abandonar um determinado sistema de crença organizada; basta abrir um
pouquinho só que seja os olhos da dimensão do coração, para se deparar com os
enormes absurdos e contradições que sempre fazem parte dos alicerces do sistema
de crença organizada, principalmente se você não se limitar a ser apenas um assíduo
frequentador. Se ousar ir mais a fundo e conhecer os bastidores da crença, das
duas uma, ou se ajusta no esquema contraditório, ou então, dela se afasta. A
própria crença organizada já é absurda e contraditória com a realidade religiosa.
Por isso que afirmamos ser de extrema facilidade o abandono de um determinado
sistema de crença organizada, no que diz respeito a espiritualidade.
Agora, difícil
mesmo é a constatação das incontáveis crenças, que nem sequer são reconhecidas
como crenças. Primeiro é preciso ficar claro ao que nos reportamos como sendo
crença. Crença é tudo aquilo que temos por algo de valor, sem se dar ao
trabalho do devido questionamento e reparação. Para nós, a crença é uma influência que a
consciência do Real, prensa. Podemos citar alguns tipos de crença que
não são vistas como crenças: nacionalismo com suas diversas simbologias (hinos,
bandeira, brasão, etc.)... Cometemos genocídio por causa de um pedaço de pano ou
por uma ideia; cor da pele, idioma, ter que ter uma Carteira de Trabalho assinada...
Uma das crenças mais escravizantes e limitantes que existe... Ter que trabalhar
oito horas por dia, durante, no mínimo, cinco dias da semana... Acreditar que o
trabalho é que enobrece o homem... Quer dizer que o homem sem um trabalho, em
si mesmo, não tem valor algum?... Você ter que vencer na vida, ter
que ser alguém na vida... Vai vendo só se a crença não nos limita com
um enorme peso sobre as nossas costas, de modo a não permitir o descobrimento
do nosso estado original de liberdade humana... Outra crença clássica que
endureceu-nos o coração: homem que é homem não chora!... Homem não pode ser
sensível, ou seja, homem tem que aceitar toda forma de insensibilidade... O
homem não pode ser íntimo e carinhoso com outro homem... Mulher é pra ser “traçada”,
é pra “ser comida”... Vai vendo a deturpação de valores causada pelo
condicionamento sexual que é compartilhado como crença em nossa sociedade (se
não acreditar, observe nas propagandas o modo como a mulher nos é apresentada juntamente
com os descartáveis produtos de consumo)... Aceitar ter que pagar por escola
particular e por plano de saúde, que são crenças classistas profundamente
separatistas e desumanas... Acreditar no chavão “mente vazia, oficina do Diabo”...
Perceba a enorme inversão de valores contidos nessa crença social; vamos crescendo
com esses chavões e acreditando ser errado ficar no ócio, estado em que dá o
espaço necessário para a manifestação do insight criativo... Ter que ter pra
ser; ter que trocar de carro, no mínimo de dois em dois anos... Indo um
pouquinho mais fundo, acreditar que somos o corpo; nos mantermos presos na
identificação corporal, a qual nos mantém escravos dos instintos deturpados
pela ação engenhosa da ferramenta criadora de crenças, chamada marketing,
afinal, a especialidade maior do marketing é tornar objetos e situações não
necessárias como psicologicamente indiscutivelmente necessárias... Ainda na
questão corporal, uma das maiores crenças está na “padronização do corpo
perfeito”... Ter que frequentar uma academia, pois caminhar num parque não é
seguro; você tem que andar na esteira, mas não deve subir escadas... São
sistemas de crença que vão virando parte do cotidiano e que se você não fizer
parte, acaba correndo o risco de ser visto como problemático — o que também é
outro sistema de crença... Veja o que estamos fazendo com nossos corpos em nome
de ter como sagrado aquilo que nos é imposto pela mídia, através de
personalidades famosas com seus brancos sorrisos de laboratório... Tudo isso são
crenças que, se não questionadas, nos limitam, nos separam e se mostram como
fonte de intermináveis conflitos.
Todos esses
exemplos e muito mais, são todos sistemas de crença poderosamente muito mais
danosos, do que as crenças milenares oriundas dos sistemas de crença organizada.
Grande parte critica a ideia de misturar dinheiro com religiosidade, no entanto,
quanto dinheiro se faz necessário para dar vazão ao espírito das crenças que
mobilizam a sociedade? Qual é o custo financeiro e emocional que é colocado
sobre nossas costas quando aceitamos como verdadeiras as crenças debilitantes?
Essas crenças
que não temos consciência como crenças é que requer urgência de observação,
afinal, quanto que as mesmas não nos mantém ocupados para que a consumação e manutenção
das mesmas sejam possíveis?...
Outro sistema
de crença socialmente aceito: Futebol, Seleção Brasileira, Corinthians, Palmeiras,
Flamengo, Galo... Quer mais crença organizada que o futebol? Então, o que me
diz de todos os dias se sentar diante da televisão, ou diante de sua revista
periódica ou jornal impresso e, de forma passiva, acreditar e propagar as
notícias que lhe são apresentadas sem o devido questionamento e reflexão?...
Acreditar nas pessoas tidas como autoridades... Acreditar no sistema do mercado
financeiro, com sua Bolsa de Valores e seus vários modos de aplicação... Quantos
morrem prematuramente por causa de uma queda na Bolsa ou uma forte
instabilidade no mercado financeiro? Tudo isso não são crenças estabelecidas?
Outro sistema
de crença que nos foi implantado desde a mais tenra idade e que judia demais do
ser humano, sendo fonte de interminável ansiedade: seu nome é a coisa mais
sagrada que existe!... Você tem que zelar pelo seu nome, pois, sem um nome
limpo, o homem não é nada!... Ou então, “você só pode confiar nos seus
familiares; não pode confiar em mais ninguém!”... Dá uma olhada no modo como
essas crenças infectaram nossa realidade... Tudo isso são crenças e crenças
venenosas, profundamente separatistas.
Quer mais um
sistema de crença organizada venenosa?... Partido Político e a inconsequente
militância política... Eu acredito em tal partido, em tal político e me afasto
dos familiares que acreditam e militam por diferente partido, pois, afinal de
contas, só eu sei o que é o melhor para nossa nação... Basta ver o que as últimas
movimentações políticas vêm causando de separação entre amigos e familiares,
sempre motivadas por uma mídia corrupta, cujos interesses escusos nunca nos são
revelados. Tudo isso por quê? Por causa da crença num Partido Político, a qual
também tem em seus alicerces, a absurda crença ilusória numa autoridade
salvadora. É um deus também, com seu símbolo, com seus rituais, com seus hinos,
suas bandeiras... O Cristianismo tem um símbolo, o Budismo tem um símbolo, o
Islamismo tem um símbolo, o PT tem um símbolo, o PSDB tem um símbolo, o
Comunismo tem um símbolo, o Capitalismo tem um símbolo... E tudo sistemas de crença
organizada que nos prometem por felicidade, liberdade e bem-aventurança, mas
que, em última análise, carecem totalmente de realidade.
Outra crença
poderosa, a qual tenho certeza que muitos dos leitores se revirarão nas
cadeiras, é a crença de que a chamada “depressão” é uma doença... “Depressão é
doença sim! Saiu no jornal de domingo uma página inteira... Tá aqui, ó:
depressão é falta de lítio no cérebro e, por isso, terei que tomar remédio controlado pelo resto da vida... Não
posso deixar de ter acompanhamento médico”... Sem perceber, os que acreditam nesse
sistema de crença, fazem dos consultórios e farmácias suas mesquitas, igrejas e
templos. E os que acreditam nisso, correm o risco de terem suas mentes
embotadas para o resto de sua existência sem vida.
Tudo isso, sem
dúvida alguma, é muito mais abusivo do que os sistemas de crença organizada que
boa parte de nós, abertamente, proclamamos — quase sempre de forma grosseira — a
nossa condenação. Então, são tudo crenças que uma vez aceitas, quando somadas,
quanto de tempo, energia e dinheiro nos fazem desperdiçar? Quanto tudo isso não
acaba nos limitando? Quanto isso exige de nós? Quanto de exigências descabidas
nos são impostas por causa da aceitação irrefletida desses numerosos sistemas
de crença organizada? Será que realmente valem a pena? Veja bem: vale a pena? Sim! É uma pena, é uma sentença!
Quer mais, ou
já chega?... E o que falar da moda?... Algum desconhecido dita que a moda agora
é calça colada e todo mundo se vê forçado a trocar o guarda-roupa, porque, psicologicamente,
não se banca!... Marcas, Grifes... Ter que sair de casa no final de semana,
para comer uma comidinha caseira... Ter que comer carne senão você acaba
doente... Não são sistemas de crença? Quanto é exigido de nós para podermos acompanhar essas exigências, essas padronizações
mentais comportamentais criadas por terceiros que nem sequer conhecemos?...
Vamos parando
por aqui, mas deixando o convite para que o leitor repare nos vários sistemas
de crença do cotidiano, dos quais ainda porventura se encontre prisioneiro, e que depois
de observadas, percebe-se que as mesmas o impede de ter uma vida de
simplicidade voluntária, livre das exigências sistêmicas, de modo que a
capacidade de tempo livre possa ser um dos seus maiores patrimônios. Sem tempo
livre, nossa expressão de ser é sempre limitada; a possibilidade da
manifestação criativa torna-se quase impossível, nos forçando assim a um modo
copiado de ser, ou, em outras palavras, a um modo de vida de segunda mão.
Por hoje é só!
Acredite, se quiser...
Outsider