Hoje é muito
claro que, no que diz respeito ao conhecimento de si mesmo, ficar somente dos
domínios do intelecto, é o que significa a essência de uma das falas de Jesus,
quando este se referia a “construir a sua casa em cima da areia”... no primeiro
vento... Tudo se vai pelo chão... Tudo! Porque não tem base concreta, pois a
única dimensão concreta é a base do coração. No que diz respeito ao
conhecimento de si mesmo, a base não é o intelecto, pois este, na primeira
contrariedade reage com choro, autopiedade e profundos e destemperados ataques
de raiva.
É por isso que
não cansamos de insistir que, sem a rendição quanto a impotência diante da enorme potência energética e profundamente contraditória do pensamento psicológico condicionado,
sem que ocorra aquele sentimento que busca tão somente pela estabilidade emocional,
pela necessidade de paz... Enquanto o propósito primordial que nos anima não
ter como principal foco o encontro da paz interior, não há a possibilidade de
manifestar qualquer outra coisa além da confusão interna, a qual produz o caos
externo, que já se encontra por hora estabelecido, nesse mundo construído pela
mente adquirida. Não há mínima possibilidade do surgimento de algo novo
genuinamente original; o que pode surgir é o endurecimento daquilo que
convencionamos chamar de “observador ácido”. E o endurecimento do observador ácido
acaba tendo como desfecho, dolorosas e por vezes irreparáveis fragmentações, loucura
ou a morte prematura.
Então é de
fato uma grande benção quando nos ocorrem essas dolorosas intervenções por
parte da inteligência da Grande Vida, a qual nos desperta do pesado estado de
sono formado por incontáveis camadas de sonho atrás de sonho. E é justamente
nestas dolorosas intervenções que tomamos, a duras penas, a consciência de que
no tocante a solução de nossos mais profundos conflitos, o intelecto se mostra
totalmente impotente. Seria algo como, em meio de um incêndio de grandes
proporções, recorrer ao incendiário para o apagar do mesmo. A chama ácida do
intelecto só pode ser combatida com a calorosa e amorosa chama da dimensão do
coração.
Agora, se
realmente tiver ocorrido a rendição diante da potência energética do pensamento
condicionado; se tiver realmente percebido a total impotência diante do fluxo
do pensamento, diante desse acúmulo de vozes e imagens desconexas e
contraditórias, que ficam no fundo da mente roubando a energia vital do ser que
somos; se tiver realmente ocorrido isso, sem que tomemos parte ativa nisso,
abre-se para nós uma nova dimensão — a qual sempre esteve ai, mas devido aos
condicionamentos, nunca antes foi percebida —, e que resgata para nós, mediante
um trabalho de prontificação, as genuínas qualidades criativas e integrativas
da Realidade Única que somos.
É só nesse
momento que passamos a ter o desejo redirecionado para a Fonte de todo desejo,
a qual nos é revelada pela maturação do processo de conhecimento de si mesmo.
Só aí é que nos deparamos com Algo muito além da limitada arena do pensamento,
do intelecto. Caso contrário, continua o insano desfile de achismos, quase
sempre originados de influências externas, os quais, com coloridas imagens nos
prometem por felicidade e completude, mas que, na primeira curva da estrada do
real, nos apresentam seus dolorosos, solitários e carregados tons de cinza.
Portanto, é
preciso muita seriedade e certa maturidade para ir fundo na busca de resposta
única capaz de colocar um ponto final na pergunta: “Por que sofremos?” Se
formos realmente sérios e dedicarmos a energia necessária para fazer frente a
essa pergunta, em seu devido tempo nos depararemos com a seguinte resposta: “Sofremos
por causa das consequências do abuso de nossas vontades e desejos, os quais
sempre trazem consigo reações inconscientes e inconsequentes. E, quando bate a
consciência quanto as consequências de nossos ataques de inconsciência é que
nos vemos completamente desiquilibrados emocionalmente, sem saber o que fazer
com o triste e complexo resultado delas. E o pior de tudo é que, com a mente em
tal estado de confusão, saímos por esse mundo a fora, derramando-nos nos
primeiros ouvidos que dão atenção as nossas lamúrias, para depois de certo
tempo percebermos que mais uma vez fomos enganados, explorados e carregados de
embotamentos que só aumenta nosso estado de confusão. É a duras penas que
percebemos que a nossa falta de maturidade e sua consequente falta de autonomia
psíquica-emocional, torna-nos presas fáceis de sagazes sorrisos disfarçados de
espiritualidade e religiosidade, os quais trazem escondidos embaixo das mangas,
escusos interesses egoístas.
Então, uma das
principais etapas do autoconhecimento está na reorientação de nossos desejos,
para o desejo único de saber se é possível encontrar por paz, a mesma paz que
se encontrava no brilho de nosso olhar e no cheiro de nossa pele, antes que tivéssemos
nosso espírito condicionado pelo mundo das palavras, imagens, crenças e
conceitos, os quais deram margem a mais variada forma de desejos sagazmente
condicionados por terceiros, estes, quase sempre por nós desconhecidos.
A essência do
autoconhecimento aponta para o objetivo primordial da busca da verdade; para a
busca da verdade de nossa única realidade... Isso é a única coisa necessária...
Isso é o peixe grande a que devemos nos agarrar... Essa é a preciosa pérola que
se encontra nas inexploradas águas do ser que somos... O autoconhecimento não é
egocrático, portanto, não visa a consecução de nossos desejos autocentrados...
Ele só nos promete pela Verdade além do espaço tempo, mais nada... Mais nada...
Não adianta ficar com a carta da sua expectativa debaixo de uma das mangas,
pois certamente, sua carta nunca estará no baralho da Verdade. A Verdade nunca
será democrática com os desejos da mente adquirida que foi herdada de nossos
pais, parentes e amigos ou da própria experiência adquirida durante longos anos
de infortúnios provenientes da enorme coleção de achismos e de incertas
certezas emprestadas. Se quisermos insistir nisso é melhor nos prepararmos para
a continuidade de uma vida de incontáveis sofrimentos e ilusões e, o pior de
tudo, é que nessa triste escolha, certamente causaremos os mesmos sofrimentos e
ilusões a todo aquele que entrar em contato conosco estando em semelhante
estado de sonambulismo.
Outsider