O que
percebemos ao longo dos anos é que muitos dos chegam ao caminho do
autoconhecimento não possuem o tão necessário estado de rendição diante da impotência
do processo mecânico e acelerado do pensamento psicológico condicionado. Vários
são os que chegam neste caminho por meio de pequenas e breves crises “pontualizadas”,
as quais produzem uma carga de dor, mas não a dor necessária para que ocorra a
instalação do sincero desejo de buscar por respostas que facultem a transcendência
da mesma; estes não tiveram, de fato, o que convencionou-se chamar de “fundo de
poço” quanto a questão da impotência diante do fluxo mental; não lamberam o
chão dos castelos suntuosos de suas ilusões, segredos e mentiras, o que impede
a percepção da seriedade e gravidade que é a existência sobre os domínios das
poderosas garras dos ataques mentais psicológicos. Sem esse fundo de poço,
torna-se muito rara a possibilidade de uma percepção visceral do que ela pode
nos ocasionar se damos continuidade a ação de seus letárgicos enredos, quando
da total identificação com o fluxo de suas imagens e vozes, as quais são geradas
independente de nossa vontade.
Então, muitos
são aqueles que se deparam com o caminho do autoconhecimento e, inicialmente o
acham fantástico. De fato, se deparar com os ensinamentos de seres que
conseguiram se “transmentalizar”,
que conseguiram vencer seus cacoetes pessoais por meio de um dissolver-se na
essência da Realidade Transpessoal, é algo deveras fascinante, por demais
encantador. Esses ensinamentos — seja por meio de livros, áudios, vídeos,
filmes ou mesmo no presencial — acabam por encantar a dor, mas apenas por um
momento. Muitos, de forma inconsciente tentam usar o material do autoconhecimento
apenas para abafar a dor e não para levar a sério um processo de observação de
si mesmo, para a compreensão de todas as ilusões, as quais uma vez transcendidas,
os prontificam para o estado necessário da ocorrência Transpessoal, na qual está
a única possibilidade de cura quanto a hipnótica e inconsequente euforia das
ilusões. Usar o material apresentado para o autoconhecimento como uma forma de
anestesiar momentaneamente a dor causada pelo afastamento do Ser que somos — a
dor do não ser —, é mais uma das manobras ilusórias pertencentes ao velho
enredo da adquirida mente condicionada.
O material do
autoconhecimento, quando observado com seriedade e paixão, vai minando as bases
do que foi formado anteriormente, ao mesmo tempo que vai trazendo novas
informações que preparam o terreno interno para que ocorra a grande e emergencial
“rasteira consciencial”, a qual lança ao chão nossa adoentada forma de olhar o
mundo, olhar este que acabou por infectar a realidade de quase todos e tudo com
que mantínhamos contato.
Como
costumamos dizer de forma bem descontraída, dessa “rasteira consciencial”, acabam
ficando novamente de pé, somente aqueles homens e mulheres que possuem o “saco
roxo”; os que não foram dotados de “tal qualidade” necessária, correm o risco
de sumir do caminho do autoconhecimento, quase sempre sustentados em desconexas
justificativas, que não são mais do que imaturas negações que produzem o
estagnante auto-boicote (isso quando, não raro, iniciam um processo de loucura,
ou mesmo, acabam por cometê-la, chegando por vezes à morte prematura).
Entrar no
caminho do autoconhecimento fazendo uso tão somente da porta do intelecto é o
mesmo que — como muito bem expresso num conhecido preceito espiritual —, “cometer
as mesmas insanidades, esperando por resultados diferentes”. De fato, o
intelecto tem o seu devido lugar no processo de autoconhecimento. No entanto,
se não tomamos cuidado, o contato com o material de autoconhecimento pode, ao
invés de colocar o intelecto em seu devido lugar, ou seja, torná-lo um simples
e afiado “servidor de confiança”, deixa-o de tal modo “acidamente aguçado”, que
o mesmo acaba se mostrando como uma perigosa arma com a qual quase sempre acabamos
causando mais danos — além dos que já carregamos em nossa pesada consciência —,
não apenas a nós mesmos, mas àqueles com quem acabamos mantendo contato. Quando
nos tornamos prisioneiros de um intelecto ácido, sagazmente aguçado, confinamos
a nós mesmos no pequeno espaço de seu birrento ponto de vista e, quando nos
vemos prisioneiros dos limites de um ponto de vista, não temos a possibilidade
de saber o sabor da liberdade de poder se aventurar na Realidade do Aberto, o qual aponta para um estado de
ser, criativo de múltiplas e incontáveis possibilidades.
Esse processo
de fundo de poço acaba se manifestando mediante a não aceitação dos conteúdos da verdade quanto a nossa realidade
interna — a qual molda nossa realidade externa —, verdade esta que nos vai sendo
apresentada pela fala mansa e suave da Consciência, a qual acaba recebendo em
contrapartida, um bombardeio de vozes
contraditórias por parte da mente condicionada, onde em sua base se mantém
as poderosas e conflitantes garras do medo, as quais insistem em nos manter aprisionados
atrás de numa pesada máscara social, cuja finalidade é distanciar, tanto de nós
como dos demais, a revelação de nossa real natureza, cuja essência é liberdade,
felicidade e integrativa compaixão.
Independente
de quais sejam as artimanhas apresentadas pela mente, em seu devido tempo, a
verdade vem à tona com toda sua poderosa energia e acaba massacrando o sistema
de defesas da mente, de modo que esta se veja totalmente impossibilitada de dar
continuidade as suas neuróticas e compulsivas reações, suas conflituosas manias
e tendências, cuja somatória produz a cela do coletivo sofrimento humano. Enquanto
não ocorrer a rendição total, continuamos a sofrer por causa das consequências do abuso de nossas vontades e desejos. As consequências de nossos
desejos, quase sempre alimentados com enorme volúpia em momentos de entrega à
inconsciência, é que acabam criando o massacre total que nos leva ao solo
fecundo da rendição. Se não vai ao solo o nosso rosto, a Consciência, não toma
seu posto. Enquanto não abrimos mão de nossa condicionada, escravizante e
conflitante vontade, não há como deixar de ter a continuidade de uma existência
estruturada no sofrimento. Sem abrir mão de nossa obstinada vontade — a qual
sempre se vê justificada pela ação do intelecto adulterado —, nos mantemos
fechados para a percepção de uma Libertária Vontade, a qual rege de forma
anônima e harmônica a realidade de tudo que é, desde que o que é se encontre com
Ela devidamente alinhada. A abertura para a dimensão dessa Libertária Vontade,
não corre no campo do intelecto, mas sim, no quase sempre inexplorado terreno
de nosso coração sutil, o qual se manifesta sempre, quando nos mantemos em
estado de silencioso repouso, livre de nossos desejos e medos resultantes do
clamor de nossas dependências falsas.
Em última
análise, é por meio da observação sem escolhas ou, em outras palavras, por meio
da ação de um testemunhar incondicionado, que nos é apresentada a chave capaz
de abrir a porta estreita que nos apresenta esse imensurável e inenarrável
terreno do caloroso e centrante Coração, cujo fogo sutil queima tudo aquilo que
se apresenta como falso, sem lançar ao solo sequer o menor punhado das cinzas
do passado, muito menos de macular o sagrado solo do agora com a tóxica fumaça
de temerosas projeções futuristas.
Outsider